A Força do empreendedorismo
publicado em 01/03/2020
Erica Franquilino - Jornalista
Número de MEIs avança mais de 500%, em cinco anos
O grupo composto por profissionais como revendedores de cosméticos, cabeleireiros, manicures e maquiadores é parte essencial da engrenagem que movimenta o setor. O empreendedorismo relacionado à beleza cresce e se diversifica no país, gerando independência e novas oportunidades de renda.
O empreendedorismo é um fenômeno global que ganhou novo impulso entre os brasileiros depois de entrarem em vigor a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, em 2007, e a Lei do Microempreendedor Individual, em 2008. A pesquisa “Global Entrepreneurship Monitor (GEM)” – realizada no Brasil em 2015 e divulgada em 2016 – revela que a taxa de empreendedorismo no país em 2015 foi de 39,3%, o maior índice em 14 anos.
Segundo o levantamento, 56% dos empreendedores que estavam criando ou já haviam aberto uma empresa tomaram essa iniciativa após identificarem uma oportunidade. Esse número, no entanto, sofreu uma queda em relação às pesquisas anteriores. De acordo com o estudo, a proporção dos empreendedores iniciais por oportunidade diminuiu de 70,6%, em 2014, para 56,5% em 2015, enquanto a proporção dos empreendedores por necessidade aumentou de 29,1% para 43,5%, respectivamente.
A vaidade dos brasileiros é um dos fatores que colaboram para o avanço no número de empreendedores no setor. Uma pesquisa realizada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, revelou que, anualmente, as famílias brasileiras gastam R$ 20,3 bilhões com serviços de cabeleireiros, barbeiros, manicures e pedicures. Esses gastos são 18% superiores às despesas com cursos regulares de educação e também com alimentos básicos, cujo gasto anual é de R$ 19,86 bilhões.
Número de MEIs avança mais de 500%, em cinco anos
Um misto de oportunidade e necessidade alavancou o número de Microempreendedores Individuais (MEIs) no setor cosmético nos últimos anos. O Microempreendedor Individual (MEI) é a pessoa que trabalha por conta própria e que se legaliza como pequeno empresário. Para ser um microempreendedor individual, é necessário faturar – no máximo – R$ 60.000 por ano e não ter participação em outra empresa como sócio ou titular. Entre as vantagens oferecidas para o MEI, está o registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ).
Não há dados oficiais sobre o número de empreendedores na área da beleza no país. Vale ressaltar que muitos desses profissionais estão passando por um processo de formalização em suas categorias. Entidades como Abihpec e Sebrae não dispõem de um recorte específico sobre a representatividade desses trabalhadores, mas algumas informações que compõem o mosaico do empreendedorismo brasileiro no segmento da beleza dão uma ideia do tamanho e da força dessa parcela de profissionais.
No que diz respeito às pessoas que já se legalizaram como pequenos empresários, dados divulgados pela Abihpec mostram que o número de MEIs no segmento “Cabeleireiros, Manicure e Pedicure” saltou de 3.671, em 2009, para 429.547, em 2015. Nas “Atividades de estética e outros serviços de cuidados com a beleza”, o número de MEIs passou de 992, em 2009, para 127.856, em 2015. A Associação Brasileira de Salões de Beleza (ABSB) estima que existam dois milhões de cabeleireiros profissionais atuando no segmento de salões de beleza e que esses estabelecimentos sejam cerca de 600 mil em todo o país.
A cada mês, são abertos cerca de nove mil salões de beleza no Brasil, segundo levantamento feito pelo Sebrae. Entre 2010 e 2015, o número de registros de MEIs no segmento de serviços na área da beleza teve um aumento de 567% – o equivalente a mais de 480 mil novos empreendedores. O número de trabalhadores com carteira assinada é baixo entre manicures e outros profissionais da área de beleza. Segundo dados do Ministério do Trabalho, no final de 2015 o país reunia apenas 66.508 cabeleireiros, manicures e pedicures contratados pelo regime CLT.
A Lei nº 12.592, de 18 de janeiro de 2012, reconheceu como profissão o exercício das atividades de cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador e maquiador e foi posteriormente alterada pela Lei nº 13.352, de 27 de outubro de 2016, que dispõe sobre os contratos de parceria entre profissionais e salões de beleza (veja mais no box, na pág. 18).
Profissionais dessas áreas investem cada vez mais em cursos de aperfeiçoamento – como os de técnicas para decoração e alongamento de unhas em gel e porcelana, para manicures –, além de marcar presença em congressos, eventos e feiras, com o objetivo de trabalhar em salões de beleza mais sofisticados ou de forma autônoma.
A qualidade do trabalho, a capacitação e a divulgação dos diferenciais oferecidos estão diretamente relacionadas às possibilidades de ganhos dessas pessoas. As marcas, por sua vez, exploram o potencial dos meios digitais - como Facebook, Youtube e Instagram – para estabelecerem um canal de comunicação com esses profissionais e investem em cursos, workshops e eventos direcionados a essas pessoas. Redes varejistas especializadas na venda de cosméticos para uso profissional oferecem cursos de aperfeiçoamento e reciclagem, normalmente realizados em conjunto com os fabricantes.
O mercado brasileiro de venda direta continua apresentando números positivos, que colocam o país na quarta posição do ranking da World Federation of Direct Selling Associations (WFDSA), atrás apenas dos Estados Unidos, do Japão e da China.
“Em 2016, fechamos o ano com 4,3 milhões de empreendedores e um volume de negócios de R$ 40,4 bilhões. Globalmente, a categoria de cosméticos corresponde a 32% dos negócios gerados no canal de vendas diretas, segundo dados de 2015 da World Federation of Direct Selling Associations”, informa Roberta Kuruzu, diretora-executiva da Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (ABEVD).
O número de revendedores permaneceu estável nos últimos anos. Roberta destaca, contudo, o expressivo crescimento entre 2015 e 2016. “No auge da crise econômica brasileira, o número de vendedores cresceu 3,6%, atingindo 4,6 milhões de pessoas. Isso demonstra a importante função social [do segmento de venda direta] como alternativa de renda viável para aqueles que estão desempregados e para aqueles que necessitam de uma complementação de renda”, comenta.
Ela ressalta a importância da busca por informação e conhecimento, aspectos fundamentais para o crescimento nessa atividade comercial. “As empresas geralmente organizam encontros e reuniões de negócios, para apresentação de novos produtos e dicas de gestão”, aponta. Redes sociais e outras inovações tecnológicas estão intensificando o relacionamento entre revendedores e clientes. “As empresas têm oferecido ferramentas de comunicação e gestão aos vendedores, o que tem facilitado o dia a dia desses empreendedores”, diz.
Em março deste ano, a Jequiti lançou o aplicativo de realidade aumentada “Jequiti Mais Perto”. O recurso, direcionado aos 220 mil consultores da marca, irá contribuir para a divulgação e a venda de produtos. A tecnologia permite aos consultores projetarem vídeos para seus clientes, com informações sobre lançamentos e produtos já existentes no portfólio. Para isso, é necessário baixar o recurso digital no celular, por meio dos sistemas operacionais Android ou IOS, sem custo.
Por meio do app, o usuário pode direcionar a câmera de seu celular para o catálogo da marca, visualizando as apresentações. A realidade aumentada está presente nas páginas dos quatro lançamentos de cada ciclo e também na linha de maquiagem Aviva, de dermocosméticos Fases e de hidratação Sensi.
O empreendedorismo na venda direta também tem como aspecto relevante a criação de pontos de venda para a comercialização dos produtos. Num movimento cada vez mais frequente nesse segmento, revendedores de várias marcas de cosméticos compram itens em grande quantidade e abrem pequenos negócios. “Os vendedores que atuam no canal de vendas diretas são totalmente independentes. Desta forma, todos têm liberdade para atuar em outras atividades – em paralelo ou conjuntamente. Destaque-se, ainda, que algumas empresas oferecem plataformas para empreendedores que tenham interesse em atuar no ambiente virtual”, comenta Roberta.
A Natura tem 1,3 milhão de consultoras no Brasil, número que vem se mantendo relativamente estável nos últimos anos. “Consideramos que temos uma rede de relações bastante robusta, e nosso foco tem sido o aumento da produtividade das consultoras, com investimentos em tecnologia digital, qualificação e capacitação. Estamos implementando uma nova proposta de valor para as consultoras, que será lançada nos próximos meses”, conta Cida Franco, diretora de relacionamento da Natura.
Revitalizar a consultoria é um dos objetivos estratégicos da Natura, que ao longo do último ano se dedicou à elaboração das bases de seu projeto de renovação da venda por meio de consultoras. “Essa revitalização passa por valorizar a atividade como profissão, a partir do aumento dos ganhos e das oportunidades de desenvolvimento de nossas consultoras, além de proporcionar uma experiência de compra cada vez melhor para as consumidoras. Para ampliar as oportunidades de desenvolvimento das consultoras, trabalharemos com a segmentação de ofertas e com o amplo uso da tecnologia para potencializar o poder de nossa rede”, destaca.
O uso intensivo dos métodos e das ferramentas de business intelligence e CRM [sigla em inglês para customer relationship management] desenvolvidos pela empresa “permitirá ofertas mais relevantes para cada tipo de consultora, orientando nossos incentivos, remuneração, treinamento, relacionamento e gestão”, aponta.
A partir dessas informações, a Natura definiu um novo modelo para a rede de consultoras, que está sendo subdividido nos grupos: Especialista em Beleza (profissionais conectadas com o universo da beleza), Empresária de Beleza (microempresárias com ponto de venda físico) e demais consultoras de pequeno, médio ou grande volume de vendas, as Consultora de Beleza. “Para cada uma, a estratégia prevê modelos distintos de desenvolvimento pessoal e oportunidades de progressão do negócio”, diz.
Cida ressalta que, ao individualizar o relacionamento, a marca oferecerá melhores ferramentas para que as consultoras ampliem seus ganhos, e dará às consumidoras opções que se encaixem, “sob medida”, às suas necessidades – de experimentação, conveniência ou de assistência. “A nova categoria de Especialistas em Beleza, por exemplo, oferece uma experiência única para as consumidoras que buscam assistência e uma nova opção empreendedora para mulheres antenadas, que queiram se especializar em beleza e ser donas da própria carreira. Elas passam por um curso de formação, ministrado na Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, que conta com aulas de visagismo, moda, atitude e comportamento, pele e maquiagem, bases cosméticas e técnicas de vendas”, explica.
As especialistas têm uma maleta personalizada, com produtos para realizar sessões de beleza com suas clientes, bem como condições comerciais exclusivas, aplicativo para gestão de vendas e máquinas para pagamento por meio de cartões de débito ou crédito.
Além de iniciativas de inovação comercial, a empresa tem avançado em seu processo de transformação digital, com o lançamento de ferramentas que apoiam a modernização da venda direta. “O Rede Natura, lançado no fim de 2014, permite que a consultora também atue como uma franqueada digital, conquistando novos clientes. As consultoras presenciais que passaram a atuar também no modelo online registraram um aumento de produtividade de 8% na venda direta tradicional e de 14% nas suas vendas totais”, ressalta. Desde 2015, as consultoras têm acesso a um pacote de serviços que inclui chip para celular, leitor de cartão de débito e crédito e aplicativo para pedir produtos.
Cida assegura que os novos canais da Natura não irão canibalizar a venda direta, que continuará sendo o principal negócio da marca. “A multicanalidade deve contribuir para gerar demanda para elas [consultoras], pois ampliam o conhecimento e a experimentação da marca”, diz.
A Lei nº 13.352, de 27 de outubro de 2016 – conhecida como Lei do Salão Parceiro – dispõe sobre os contratos de parceria entre os profissionais que exercem as atividades de cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilado e maquiador e os salões de beleza. O projeto de lei que desobriga a contratação de profissionais de beleza no regime CLT foi sancionado pelo presidente Michel Temer em outubro do ano passado e entrou em vigor no dia 26 de janeiro. A lei regulamenta a atuação de profissionais que trabalham como autônomos dentro de estabelecimentos e que são remunerados por comissão e não necessariamente por salários – prática que já era bastante comum no segmento. Pela nova lei, os salões de beleza poderão firmar contratos de parceria com os profissionais mencionados acima, que atuarão sem vínculo empregatício. Os demais empregados dos salões continuam trabalhando sob o regime CLT. O texto da lei cria as figuras do salão parceiro e do profissional-parceiro, que pode atuar como microempresa ou microempreendedor individual (MEI). A Lei do Salão Parceiro determina que o estabelecimento, responsável pelos pagamentos e recebimentos, repasse ao profissional um percentual do que foi pago pelo cliente. Também cabe ao salão de beleza a retenção dos valores relativos a tributos e contribuições sociais e previdenciárias devidas pelos profissionais. Para algumas entidades patronais, como a Associação Brasileira de Salões de Beleza (ABSB), o modelo de parceria permite oferecer comissões mais elevadas do que as praticadas para profissionais com vínculo empregatício. No entanto, o sistema também é alvo de críticas, como a perda de direitos trabalhistas. Para o Sebrae, a lei traz segurança jurídica para um modelo de negócio que é praticado na grande maioria dos salões de beleza do país. “Há diversas decisões na Justiça do Trabalho que reconhecem a relação de parceria e afastam o vínculo empregatício. Trata-se de uma evolução natural do setor, que cabe ser respeitada. Não haverá precarização na relação de emprego, tendo em vista que a própria Justiça do Trabalho reconhece essa forma de prestação de serviço”, afirmou a entidade, em comunicado. |
Matéria publicada na edição mai/jun_2017 da revista Cosmetics & Toiletries Brasil
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