Propriedades das Microesferas
Constituição das Microesferas
Microesferas Plásticas
Microesferas Alternativas
Microesferas Alternativas versus Microesferas Plásticas
Conclusão

 

A maquiagem é utilizada para mascarar as imperfeições da pele e para destacar atributos físicos do indivíduo. Pode conter ativos cosméticos que podem retardar o envelhecimento cutâneo.1

Vários produtos de maquiagem proporcionam efeito de mascaramento ou efeito soft focus, para disfarçar as imperfeições da pele. Um desses produtos é o primer, que pode ser encontrado em diversas formas cosméticas, como creme, gel e sérum. O primer atua na redução da carga oleosa da pele, no fechamento dos poros e contribui para a uniformização do local onde é aplicado. Outro tipo de produto de maquiagem é o iluminador, utilizado para reparar falhas e destacar áreas do rosto. Além do iluminador, outros produtos de maquiagem têm essas mesmas finalidades, como pós-faciais, corretivos e bases.1

Produtos de maquiagem podem conter microesferas em sua formulação. Quando são aplicadas sobre a pele, as microesferas são depositadas nas cavidades das rugas.2 No entanto, para obter o efeito soft focus ideal, é necessário que a cobertura das microesferas sobre as rugas ocorra de maneira a abranger toda a superfície da pele. Para isso, é utilizada uma combinação de partículas de diferentes dimensões, conforme representado na Figura 1.2

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Propriedades das Microesferas

As microesferas são partículas cujo formato pode variar entre uma morfologia granular e uma esférica, sendo que a esférica proporciona resultados mais eficazes. São aplicadas em cosméticos para promover sensação tátil agradável na formulação e absorção de oleosidade, e para conferir o efeito soft focus, responsável por disfarçar as imperfeições da pele, caso em que as microesferas de menor diâmetro proporcionam resultados mais satisfatórios. As microesferas são dimensionadas na escala micrométrica (μm), geralmente entre 1 a 50 μm, sendo que, quanto menor for a partícula, mais cremosidade será conferida ao sensorial da formulação. Mas essa propriedade também depende do material que constituí a microesfera e da dureza e da concentração desse material.2,3

Quando 10 a 30% de microesferas são incorporadas à formulação, o sensorial será talcado, semelhante à sensação conferida por meio da aplicação de talco; aveludado, entre 3 e 10%, percepção análoga à proporcionada pelo contato da pele com o tecido veludo; e desprovido de pegajosidade, entre 1 e 3%. Entretanto, quanto maior for a capacidade de a microesfera absorver carga oleosa (capacidade que é peculiar a cada microesfera e que confere toque mais seco ou menos seco à formulação, dependendo da concentração de uso), menor será a concentração de microesferas na formulação, e vice-versa.3

Segundo Delrieu e colaboradores (2016), o efeito soft focus ou optical blurring atua como uma espécie de neblina,4 devido à capacidade de dispersão da luz incidida em diversos ângulos da microesfera, o que impede o observador de visualizar as imperfeições existentes em determinados locais da pele do indivíduo.3 As condições ideais da microesfera para gerar bom efeito soft focus são o tamanho reduzido, a distribuição do tamanho da partícula, a porosidade, a composição da microesfera e o formato associado ao índice de refração. Isso tudo agregado terá como objetivo proporcionar aparência natural, evitando que a pele fique com aspecto opaco.5

Se o índice de refração (IR) de uma partícula homogênea for o mesmo do meio, a suspensão será transparente, portanto não ocorrerá dispersão de luz. Entretanto, quando a diferença entre os índices de refração é muito grande, confere efeito opaco à formulação.4,5 O IR é alterado após a aplicação da formulação sobre a pele por causa de interações que ocorrerem com os lipídios presentes, ou mediante a evaporação transepidérmica de água.5

Se o intuito for eliminar a transparência ou a opacidade da suspensão, o ideal é misturar dois ou três tipos de microesferas constituídas de materiais diferentes, portanto que tenham IR distintos entre si.

A título de exemplo, quando ocorre transparência e o efeito soft focus não é gerado devido à semelhança entre o IR de uma das microesferas dessa mistura e o IR do meio, não é necessário que o formulador realize pesquisa muito extensa até encontrar uma nova microesfera com IR ideal para a formulação. Nesse caso, essa outra microesfera, ao ser incorporada à mistura, basta ter o IR distinto ao do meio, permitindo que o efeito soft focus seja promovido. Portanto, essa mistura de microesferas demonstra ser muito vantajosa ao otimizar o período de desenvolvimento da formulação.4

Além das microesferas constituídas de apenas um material, existem as denominadas microesferas compostas, cuja estrutura é formada por mais de um material e que proporcionam benefícios como melhor sensação tátil e aderência à pele, fornecimento do efeito soft focus e facilidade no desenvolvimento da formulação.

A conformação de uma microesfera composta consiste no revestimento da superfície da partícula por outra substância de composição distinta da composição do seu núcleo, o qual, por sua vez, sofrerá alterações físico-químicas. Esse fenômeno ocorre, por exemplo, no caso de uma microesfera de polimetilsilsesquioxano (PMSQ) envolta por sílica (Figura 2), que confere ao núcleo característica hidrofílica, permitindo que a microesfera se disperse com facilidade em meio aquoso. Em outra situação, a superfície da micropartícula constituída de PMSQ é revestida por outras partículas ainda menores de óxido metálico, conforme representado na Figura 3, atribuindo aspecto texturizado semelhante ao conferido pelo tecido seda.6

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Constituição das Microesferas

Há diversos tipos de materiais dos quais as microesferas são constituídas, desde aqueles provenientes de fontes minerais, como a de sílica, até as microesferas compostas de polímeros ou copolímeros sintéticos,7 como as microesferas de náilon8 e silicone, que, por sua vez, são materiais que necessitam de séculos para que sejam degradados e participem dos ciclos biogeoquímicos normais novamente.

A presença de microesferas plásticas em produtos cosméticos de higiene pessoal tem se tornado assunto de destaque global nos últimos anos, pois essas microesferas são arrastadas durante o enxágue e encaminhadas às estações de tratamento de águas residuais, que nem sempre são capazes de eliminá-las por completo. Isso contribui para que essas microesferas sejam direcionadas para cursos de água, onde são ingeridas pelos peixes, prejudicando a vida marinha e até mesmo a saúde humana, com o consumo de algum alimento proveniente de habitat aquáticos.7,9

Embora atualmente a preocupação com os microplásticos utilizados em maquiagens ainda não seja tão abordada quanto aquelas direcionadas a cosméticos rinse-off (enxaguáveis), como os esfoliantes,7 é notória a necessidade de exposição desse tema. Isso ocorre porque muitas das microesferas utilizadas em maquiagens para proporcionar o efeito soft focus são igualmente constituídas de polímeros sintéticos, como PMMA, náilon, polietileno e silicones.7-10

Tendo em vista esse fator, agregado às preocupações ambientais sobre descarte de produtos, que têm ganhado cada vez mais notoriedade entre os consumidores e o mercado cosmético, as alternativas sustentáveis têm sido estudadas e aplicadas em maquiagens por empresas fornecedoras de matérias-primas cosméticas, com o intuito de reduzir impactos ambientais e, possivelmente, como estratégia competitiva.10

Esta pesquisa foi feita com o objetivo de difundir conhecimento para contribuir com a diminuição dos danos causados ao meio ambiente por resíduos de maquiagens que contenham, em sua formulação, microesferas plásticas que proporcionem o efeito soft focus. Outro objetivo desta pesquisa foi estudar a variedade e a composição das microesferas alternativas disponíveis no mercado de matérias-primas cosméticas, bem como o desempenho que essas microesferas apresentam para disfarçar as imperfeições da pele em comparação com as microesferas fabricadas com polímeros sintéticos.

 

Microesferas Plásticas

As microesferas que proporcionam efeito soft focus, são estruturas circulares compostas de polímeros ou de copolímeros sintéticos. Na Tabela 1 são expostas algumas das variações de materiais dos quais as microesferas podem ser constituídas e suas respectivas propriedades.9

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Microesferas Alternativas

Tendo em vista a magnitude dos prejuízos causados ao meio ambiente e à saúde humana pelas microesferas plásticas, pesquisadores buscaram alternativas capazes de suprimir esses danos, entre as quais se destacam:

• A retirada dessas micropartículas plásticas do ambiente aquático, alternativa essa que se apresentou financeiramente inviável e demorada.

• Diminuição ou completa eliminação dessas microesferas na composição de cosméticos, alternativa que tem se demonstrado mais factível.

Partindo dessa segunda alternativa, leis que proíbem o uso de microesferas plásticas em cosméticos foram sancionadas em países europeus,9 assim como nos Estados Unidos, onde foi publicada a Public Law 114–114, de 28/12/2015,29 e no Brasil, no estado do Rio de Janeiro, onde foi publicada a Lei n.° 8.090, de 30/8/2018.30

Em virtude dessa tendência de banimento do uso de microesferas em cosméticos, tornou-se necessário buscar microesferas alternativas, que tenham propriedades semelhantes, mas sejam provenientes de fontes naturais e compostas de matérias-primas biodegradáveis. Embora, atualmente, os produtos rinse-off, como esfoliantes e pastas de dente, têm sido foco de maior atenção entre os cosméticos que utilizam microesferas em sua composição,7 muitas das microesferas utilizadas em maquiagens para conferir o efeito soft focus também são constituídas de polímeros sintéticos prejudiciais ao meio ambiente, como polietileno, náilon, PMMA e silicones.8,9

Essas microesferas não são citadas nas legislações que proíbem a incorporação de microesferas plásticas a produtos cosméticos e de higiene pessoal.7 A exceção é a lei do Rio de Janeiro, citada anteriormente, que não abrange apenas os cosméticos rinse-off , mas também quaisquer produtos cosméticos, de higiene pessoal e de limpeza. Entretanto, essa lei não especifica as microesferas usadas em maquiagens que são fabricadas com os mesmos materiais das microesferas usadas em cosméticos rinse-off .30

Por meio da compilação de dados realizada neste artigo, foi observado que, além de microesferas plásticas, alguns fornecedores dessas matérias-primas também oferecem, em seu portfólio, microesferas descritas como sendo naturais. São elas:

Silicato de cálcio
Entre as microesferas minerais há duas opções formadas por silicato de cálcio, um sólido branco, insolúvel em água e com IR de 1,63.31

O diâmetro das microesferas de silicato de cálcio varia de 10 a 29 μm e elas têm alta capacidade de absorção, de 434 a 650 g de óleo por cada 100 g dessas micropartículas, além de proporcionar aspecto de cremosidade ao produto final. Segundo o fabricante, o sensorial da textura proporcionado pela formulação com essas microesferas é semelhante ao do tecido seda e elas conferem aspecto natural à pele maquiada.16,31

Celulose
Existem duas microesferas de celulose, o biopolímero mais abundante do planeta Terra,32 que têm IR de 1 e de 49 e não apresentam solubilidade em meio aquoso. No entanto, são hidrofílicas, ou seja, apresentam afinidade com a molécula de água. Esses dois tipos de microesfera estão disponíveis no mercado com diâmetros de 4 e de 15 μm e capacidade de absorção, respectivamente, de 184 e de 60 g óleo/100 g. 16,33

Sílica
Há grande variedade de microesferas minerais de sílica, que é um pó branco inodoro.34 O diâmetro dessas microesferas varia de 2 a 12 μm, o IR de 1,47 a 1,95, com absorção de óleo de 35 até 150 g para cada 100 g dessa matéria-prima. A área de superfície dessas microesferas varia de 50 a 700 m²/g. 16,31,34-37

Ácido polilático
Existem microesferas de ácido polilático, material fibroso obtido por processo de biotecnologia do milho.38 Têm diâmetro de 12 μm, IR de 1,46, com absorção de óleo de 54 g para cada 100 g dessas microesferas.18 São insolúveis em água.39

Mistura de microesferas
Outro produto disponível apresenta uma mistura que reúne três microesferas não plásticas:40 de sílica, de celulose e a terceira é uma microesfera composta de mica com sulfato de bário e dióxido de titânio.5

Essas microesferas não têm diâmetros idênticos. Seu diâmetro médio é de 8 μm e, por essa razão, elas têm IR diferentes.40 Entretanto, isso confere uniformidade na dispersão de luz, independentemente do meio de inserção, e proporciona efeito de névoa, necessário para disfarçar as imperfeições da pele. Essa mistura de microesferas tem capacidade de absorver 50 g de óleo para cada 100 g de microesferas.5

 

Microesferas Alternativas versus Microesferas Plásticas

A compilação de dados apresentada neste artigo evidenciou que há uma variedade considerável de microesferas com apelo natural e com variadas faixas de IR, capazes de substituir as microesferas fabricadas com polímeros sintéticos. Dessa maneira, sempre haverá um IR ideal para a formulação, permitindo que sejam incorporadas aos mais diversos meios sem resultar em transparência ou opacidade.5 Outra vantagem das microesferas naturais é que elas dispõem de uma faixa de IR ainda mais ampla em comparação com as das microesferas plásticas.

Embora as microesferas vegetais e minerais tenham se mostrado vantajosas, pois apresentam uma variedade de índices de refração e eficiência ao promover o efeito soft focus, em algumas fichas técnicas constam que microesferas constituídas de sílica e microesferas formadas por celulose não são tão facilmente biodegradáveis.33 No entanto, essa microesferas são intituladas de naturais porque têm o selo de certificação Ecocert.41

O ácido polilático, embora tenha o selo Ecocert, é considerado um microplástico na lista da campanha Beat the Microbeads.42,43

O termo biodegradável não é empregado na descrição de nenhuma das microesferas de material vegetal ou mineral que foram encontradas durante as pesquisas realizadas e expostas neste artigo, diferentemente do que ocorre com as microesferas destinadas ao uso em produtos rinse-off.

 

Conclusão

Atualmente os fabricantes de produtos de maquiagem com o efeito soft focus têm a sua disposição as microesferas constituídas de polímeros sintéticos de demorada degradação, materiais que prejudicam a fauna e a flora do planeta quando são depositados, principalmente, em ambientes aquáticos.

No entanto, surgiram as microesferas derivadas de materiais vegetais e minerais, que, em muitos casos, são certificadas com o selo Ecocert, o que indica que estão em adequação ambiental para serem intituladas como produtos orgânicos e/ou de origem natural. Porém, não há garantia de que exibam fácil biodegradação para que sejam consideradas alternativas às microesferas de polímeros sintéticos.

Embora já exista uma variedade considerável de microesferas vegetais e minerais que demonstraram ótimo desempenho quanto a sua eficácia no disfarce de imperfeições da pele, especialmente de rugas, o termo biodegradável ainda não é citado pelos fornecedores dessas micropartículas, como ocorre com as microesferas utilizadas em cosméticos rinse-off , como os esfoliantes. A ausência da afirmação pelos seus fornecedores, de que essas partículas são biodegradáveis, frustra a expectativa do consumidor de produtos de maquiagem que se baseiem na crença de que ingredientes naturais proporcionam elevada qualidade ao produto e são mais seguros do que as matérias-primas sintéticas convencionais.

Raquel Tozim Sodani é tecnóloga em cosméticos, graduada pela Fatec Diadema - Luigi Papaiz, Diadema SP, Brasil, e atua no setor cosméticos como analista de pesquisa e desenvolvimento júnior.
Carla Aparecida Pedriali Moraes é farmacêutica e doutora na área de Cosméticos. É pesquisadora e orientadora da Fatec Diadema - Luigi Papaiz, Diadema SP, Brasil, e atua no setor de cosméticos, no desenvolvimento de formulações capilares, faciais e corporais.

 

Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Brasil), 32(5): 14D-19D, 2020.