Produtos Infantis: Cosméticos ou Produtos de Higiene?
publicado em 01/08/1993
Tereza Fernandes dos Santos Rebello
Pharm Consult Consultoria S/C Ltda., São Paulo SP, Brasil
Considerando as definições do Decreto n°79.094 de 5/1/77 (Diário Oficial da União de 5/1/77), que regulamentou os produtos infantis no Brasil, a autora discute que produtos são esses, que restrições legais regem sua comercialização e quais as razões de algumas proibições contidas nos vários artigos desse decreto.
A Pele do Bebê
Regulamentação de Produtos de Higiene e Cosméticos para Uso Infantil
Bloqueadores de Raios Solares e Fotoprotetores
Embalagens
Mercado
Se levarmos em conta as definições do Decreto n°79.094 de 5/1/77 (Diário Oficial da União de 5/1/77), podemos afirmar que, no Brasil, tanto os cosméticos como os produtos de higiene fazem parte do arsenal de produtos de consumo infantil. Confirmando esta asserção, na listagem dos produtos que fazem parte destas duas categorias, no mencionado decreto, vamos encontrar aqueles utilizados em bebês e descritos, genericamente, como "produtos infantis".
Que produtos são esses e que restrições legais regem sua comercialização? Quais as razões de algumas proibições contidas nos vários artigos desse decreto?
Iniciaremos pela resposta desta última questão.
A Pele do Bebê
• Aspectos de segurança.
A pele do bebê difere muito da pele do adulto e mesmo das crianças de mais idade. É muito mais fina, menos cornificada, com menos pelos, contendo alto teor de água, portanto, bem hidratada. As glândulas sebáceas estão presentes, desempenhando sua função muito cedo. Com essas características, ou seja, stratum corneum não tão desenvolvido e elevada hidratação, podemos concluir que a absorção através da pele é mais crítica. Isto quer dizer que a proteção dada pela barreira formada pelos corneócitos é bem precária.
Há poucas informações a respeito da permeabilidade da pele em crianças. Um dos poucos estudos sobre permeabilidade cutânea em bebês foi observada por Nachman e Erterly1 com algumas conclusões:
- Bebês com 28-34 semanas tiveram resposta rápida à aplicação de neosinetrina; bebês com 35-37 semanas, na maioria dos casos, não responderam. Este fato nos leva à conclusão que os feitos tóxicos de determinadas substâncias são mais evidentes e, portanto mais críticos em bebés.
- Um outro estudo realizado por Greaves1 determinou a concentração de hexaclorofeno no sangue de bebês prematuros que utilizaram o sabonete Fisoex, contendo este ingrediente (que atualmente está proibido para uso em produtos de higiene e cosméticos).
Em quatro horas determinou-se a presença desta substância no sangue. Mesmo após 2 a 4 dias da única aplicação efetuada, foram constatados no sangue níveis de 0,75 a 1,37 μg/ml de hexaclorofeno. Em bebês com mais idade e recebendo o mesmo tratamento, os níveis encontrados foram bem menores.
Portanto, a fragilidade da proteção exercida pela pele dos bebês é motivo suficiente para que os produtos a eles destinados sejam, não só controlados pelos órgãos de saúde, como também sejam muito bem conhecidos pelos fabricantes para que possam provê-los dentro dos limites de segurança.
• Problemas cutâneos em bebes.
Resumidamente poderíamos classificar tais ocorrências em duas categorias:
1. Originados pela combinação de roupas muito ajustadas ao corpo da criança (não permitindo ventilação), e da presença de urina e fezes, muitas vezes, por períodos longos. Como consequência surgem manifestações cutâneas (brotoeja) principalmente ao redor das nádegas e muito mais crítico nas “preguinhas”, zonas que retém as secreções proporcionando, deste modo, o meio úmido, quente e nutritivos, portanto, propício para a proliferação de bactérias. Os metabólitos destas (principalmente Brevibacterium ammoniages, que se nutre de ureia, produzindo amoníaco), junto com a natureza abrasiva de algumas fraldas, conduzem à irritação da pele infantil.
Se nenhuma providência for tomada, esta simples irritação evolui para um estado ulceroso com erupções secundárias que vão se infectar com microrganismos piogênicos, causando lesões mais graves. Candida albicans é outra espécie de invasor secundário. Foi isolada em fraldas em 41% dos casos estudados.2
É evidente que neste estado avançado de lesão o tratamento passa para o campo da medicina e não da ciência cosmética. Esta vai atuar, isto sim, no primeiro estágio, na prevenção desse tipo de problema cutâneo, através da aplicação de produtos de higiene adequados.
2. Existem outras formas de irritação cutânea como o caso de eczema de recém-nascidos, cujas origens são polêmicas, mas está relacionada com a dieta e impetigo do bebê. Porém esta e outras lesões clínicas exigem medicação e, portanto são de âmbito médico.
Outro tipo de reação cutânea que pode se manifestar, tanto em adultos como em crianças, é exposição inadequada às radiações do sol. No caso de bebés, principalmente, a falta de cuidado na escolha de horário e duração de exposição propícios ao banho de sol, diga-se de passagem, essencial para o bom desenvolvimento do sistema ósseo, podem trazer graves consequências na forma de lesões cutâneas, dentre outras.
Aqui também a cosmetologia provê produtos (protetores e bloqueadores) que protegem a pele contra as radiações danosas.
Regulamentação de Produtos de Higiene e Cosméticos para Uso Infantil
Os produtos de higiene de uso infantil têm como objetivo primordial proteger a pele num meio hostil, através de limpeza mais profunda onde resíduos gordurosos, sujidades e fezes sejam removidos, e também manter a pele seca tanto quanto necessário.
Alguns deles, além dessa função também exercerão ação cosmética como os talcos, enquanto que as colônias têm o objetivo único de perfumar.
Como esses produtos estão regulamentados pelo decreto no 79.094 que os submete ao sistema de vigilâncias sanitárias, para o devido registro no Ministério da Saúde (MS) têm que estar em conformidade com o artigo 42 (título V) que estabelece: "Os cosméticos e produtos de higiene de uso infantil não poderão ser apresentados sob a forma de aerosol, deverão estar isentos de substâncias cáusticas ou irritantes e, suas embalagens não poderão apresentar partes contundentes".
Além dessas restrições, os produtos para uso infantil deverão observar os outros requisitos, para obterem seu registro junto ao MS.
• Talcos.
"Destinados a proteger a pele da criança, especialmente contra irritações e assaduras, podem ser levemente perfumados, mas não poderão conter corantes ou partículas palpáveis, matérias estranhas ou sujidades".
A esta definição, pode-se acrescentar que para ser de nominado "talco" o produto deverá conter o mínimo de 80% da matéria-prima talco (artigo 49, item III).
Os pós para bebê são produtos tradicionais e funcionais. Sua principal função é proporcionar à pele a uma superfície seca e lubrificada. Porém é importantíssimo que seu uso se faça após a limpeza da pele. O principal constituinte destes pós para bebês é o talco. A ele geralmente se adicionam outros pós que têm melhores propriedades absorventes como o caolin, carbonatos de cálcio e magnésio, amido etc. Evidentemente, a qualidade destas matérias-primas, como aliás todas as que participam de formulações de uso infantil, devem ser de elevada pureza.
No caso do talco, é imprescindível que seja livre de substâncias fibrosas e microrganismos patogênicos. É recomendável a esterilização do talco pois, devido à sua origem (mineral), pode apresentar microrganismos comuns ao solo. Por exemplo, a literatura técnica cita casos de talco contaminado por C. tetanii e outras espécies do gênero Clostridium. O produto final não precisa ser estéril mas o número de contaminantes (não patogênicos) deve ser controlado a níveis mínimos. O limite vai depender de especificações estabelecidas pelo próprio fabricante, já que não existem legislações específicas. Por exemplo, o CTFA (The Cosmetic, Toiletry and Fragrance Association) recomenda 500 colônias por grama ou ml de produto, como o máximo aceitável para produtos para bebês, na Suécia o limite sugerido é 100.
O poder de adesividade à pele do talco assim como sua propriedade hidrófoba podem melhorar com a adição de estearatos de zinco e magnésio. Os álcoois cetílico e estearílico e óxido de zinco desempenham a mesma função. O óxido de zinco, além dessa propriedade, possui outras que beneficiam a pele: é levemente adstringente, anti-inflamatório e antisséptico. Estas propriedades justificam seu uso em produtos protetores em concentrações de 2 a 10%. A utilização de ácido bórico e boratos nos produtos em pó para bebês, como antissépticos suaves e tampão neutralizante, foi popular no passado, entretanto, deixaram de ser usados devido ao seu potencial tóxico. Estas substâncias são proibidas pela nossa legislação para uso em produtos infantis.
• Òleos.
"Destinados à higiene e à proteção da superfície cutânea de crianças, podem ser levemente perfumados, líquidos e à base de substancias graxas de origem natural ou seus derivados, altamente refinados e sem indícios de acidez, serão obrigatoriamente transparentes, sem adição de corantes, isento de partículas estranhas, sujidades em água e sem apresentar turbidez a 20°C".
Os óleos para bebês têm sua popularidade como líquido de limpeza, principalmente nas regiões entre as "preguinhas" adiposas. Há, no entanto, certa evidência de que as substâncias oleosas possam predispor a pele do bebe às brotoejas produzidas pelo calor devido ao caráter oclusivo dos óleos. Assim as loções são as preferidas para fins de limpeza. Aliás, o assunto "limpeza da pele de bebês" é polêmico e muitos médicos não aconselham o uso de oclusivos para essa finalidade. Mas apesar disto, é surpreendente que o óleo para bebês continue sendo o tipo de produto tão popular. Provavelmente, esse uso se deva mais a certa proteção que, sem dúvidas, o óleo proporciona, minimizando a ação irritante da urina e fezes quando em contato direto com a pele.
Os óleos usados podem ser de origem vegetal (óleo de rícino, amêndoas doces), animal (lanolina), entretanto o mais popular é o de origem mineral. Deve ser de alta pureza e a análise de substancias polinucleares é fundamental. A vaselina também oferece barreira de proteção por ser oclusiva. Outras matérias-primas utilizadas são cera de abelha, óleo de silicone etc.
• Loções.
"Destinadas a limpar, proteger ou refrescar a pele das crianças, serão apresentadas em emulsão ou suspensão, podendo ser levemente perfumadas".
É muito comum formulações contendo álcool graxo etoxilado, anfótero, álcool etílico, água desmineralizada, preservante e perfume suave.
• Shampoos.
“Destinados a limpeza do cabelo e do couro cabeludo das crianças, por ação tensoativa ou de absorção sobre sujidades, podem ser apresentados em forma de veículos apropriados, mas sem ser irritantes ao couro cabeludo e aos olhos das crianças, devem ser facilmente removíveis após sua aplicação e o pH deve estar compreendido entre os limites de 7,0 e 8,5".
Pela definição dada pelo decreto no 79.094, concluímos que a escolha das matérias-primas deve ser cuidadosa, além de, obviamente, apresentarem alta pureza. Um destes cuidados se refere à escolha do tensoativo. Este deve ser extremamente suave, de bom poder espumógeno e baixíssima irritabilidade para os olhos. Assim, a escolha recai sobre os tensoativos anfotéricos (derivados das imidazolinas e betaínas).
Os preservantes utilizados, e isto abrange todas as outras categorias de produtos não só shampoos, devem estar de acordo com a Portaria no 26 de 6/2/92. Alguns são proibidos como ácido bórico, ácido salicílico e seus sais de sódio, etc; outros são limitados a concentrações julgadas seguras: 5-bromo-5-nitro-1,3 dioxano (e) propilenoglicol (Bronidox, marca comercial da Henkel), concentração máxima 0,1%; 2-bromo-2 nitropropano-1,3 diol(Bronopol, marca comercial da Boots), 0,1%; ácido benzoico e seu sal sódico, 0,5%.
• Dentifrícios.
"Destinados à higiene dos dentes e da boca, apresentados na forma e veículos apropriados, com aspecto uniforme e livres de partículas sensíveis à boca, podendo ser coloridos e ou aromatizados, mas sem irritar a mucosa bucal integra, nem prejudicar a constituição normal dos dentes da criança".
• Águas de colônias e similares.
“Destinadas a odorizar O corpo ou objetos de uso pessoal de criança, contendo composições aromáticas, podem ser apresentadas em diferentes formas segundo seu veículo ou excipiente, mas sua concentração alcoólica não poderá exceder a 60%, nem a composição aromática a 2%".
• Sabonetes.
“Destinados a limpeza corporal das crianças, serão constituídos de ácidos graxos ou suas misturas, podendo ser levemente coloridos e perfumados, apresentados em forma e consistência adequadas e com alcalinidade livre até o máximo de 0,5% em hidróxido de sódio".
Além dos sabonetes em barra, são comuns os sabonetes na forma liquida, em embalagens diversas, como por exemplo em roll-on, promovidos como "espuminha para banho", muito do agrado das crianças.
Confira a legislação atual em Cosmetoguia / legislação |
Bloqueadores de Raios Solares e Fotoprotetores
Embora não relacionados no artigo 42(título V) do decreto lei no 79.094, produtos representando esta categoria poderão ser submetidos ao MS para o registro, sendo passível de aprovação mediante a condição de citar na embalagem as recomendações de uso ditadas pelo órgão. Estes produtos aparecem relacionados como "agentes antissolares" e "bronzeadores-item B 1", Resolução Normativa no 6/78 de 12/12/78 (DOU 2/2/79), e definidos como:
• Antissolares.
"Destinados a proteger a pele, impedindo a passagem das radiações diretas ou refletidas, de origem solar ou não".
Nesta categoria de produtos são utilizadas algumas matérias-primas, sendo as principais, o dióxido de titânio e Óxido de zinco. Alguns fabricantes usam colorir essas "pastas" o que as torna produtos mercadologicamente atraentes.
• Bronzeadores-B 1.
"Filtrantes das radiações UV: destinados a proteger a pele contra queimaduras provocadas pelas radiações diretas ou refletidas, de origem solar ou não, mediante a absorção da fração eritematosa dos raios de frequência UV, sem contudo impedir a ação escurecedora dos mesmos".
Evidentemente tais produtos também terão que obedecer a Portaria no 1/DICOP, de 13/6/1983 (DOU 18/7/83) que dispõe sobre referência obrigatória do fator de proteção solar nessa categoria de produtos.
Embalagens
Outro aspecto a ser considerado relativo às embalagens para produtos de higiene e cosméticos além do mencionado no artigo 42 (titulo V) do decreto 79.094 , é que estão também sujeitas à Resolução Normativa no 2/79 de 24/4/79 (DOU 20/6/79) da Câmara Técnica de Cosméticos do Conselho Nacional de Saúde relativa aos critérios para a rotulagem das embalagens dos produtos de higiene, perfumes e cosméticos e ao disposto pela lei no 8.078, de 11/9/1990 que institui o "Código de Defesa do Consumidor".
Ressalta-se aqui, dentro das medidas de segurança descritas nas normas legais mencionadas acima, a necessidade de se destacar, nos rótulos dos produtos destinados ao uso infantil, a frase "Mantenha fora do alcance das crianças".
É nessa opinião, no entanto, que tal destaque devesse constar em todos os produtos cosméticos, pois não é infrequente a ingestão por crianças de produtos usados pelos adultos.
Mercado
Segundo dados do SIPATESP (Sindicato das Indústrias de Perfumaria e Artigos de Toucador no Estado de São Paulo), em 1992 o mercado de produtos infantis teve a seguinte performance: talcos, total 3.627 ton, infantis 1.280 ton (35,3%); escovas dentais, 71.688.000 unidades, 11.685.000 unidades (16,3%);shampoos, 86.450 ton, 2.507 ton (2.9%); colônias perfumes, 8.082 ton, 299 ton (3,7%); sabonetes, 180.380, 5.231 ton (2,9%).
Quando esses dados são comparados com os do ano anterior, 1991, nas categorias de produtos shampoos e sabonetes, percebe-se, que na prática, esse segmento não evoluiu, conflitando, entretanto, com as estatísticas que indicam índices de nascimentos cada vez maiores.
Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Edição em Português), 5(4): 30-33, 1993.
1. R Loiacono, M Lopes Jr, ML Ferreira, P Pires, EM Oliveira, Absorção percutânea, Aerosol & Cosméticos, 62, pág. 12, maio/junho, 1989
2. JB Wilkinsone R J Moore, Cosmetologia de Harry, Ediciones Diaz de Santos, SA, Barcelona, 1990
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