Preparação das Amostras
Estabilidade Acelerada
Determinação da Espalhabilidade
Resultados
Considerações Finais

 

As organizações farmacêuticas e cosméticas, atendendo às exigências do mercado, buscam assegurar a qualidade de seus produtos, visto que existe tendência mundial, por parte do consumidor, de exigir qualidade. Para atender a esta aspiração, é necessário implantar sistema de controle para atingir e manter a qualidade, e assim lograr a confiança de todos.1

O propósito principal de programas de qualidade é criar e implementar sistemas e procedimentos, que prevejam com alta probabilidade que cada produto farmacêutico e/ou cosmecêutico mantenha suas características e propriedades homogêneas, para assegurar tanto a segurança, quanto à eficácia clínica da formulação. Amplo e bem-projetado plano de testes de estabilidade é a expansão essencial e pertinente deste programa.2

Os estudos de estabilidade têm por objetivo avaliar, em condições específicas e controladas de aceleração do envelhecimento, a capacidade do produto, manter as características organolépticas, físicoquímicas, microbiológicas, de segurança e eficácia. Assim, o estudo de estabilidade deve ser visto como requisito necessário para a garantia da qualidade do produto e não somente como exigência do Órgão Regulamentador.3

Neste artigo serão apresentadas comparações do perfil de estabilidade de uma emulsão aniônica manipulada em pequena escala, caracterizando a produção na farmácia de manipulação, e em grande escala, preparada numa indústria farmacêutica do ramo, através do teste de estabilidade acelerado. Serão avaliados parâmetros físico-químicos e tecnológicos, como características organolépticas, comportamento reológico e espalhabilidade das bases no decorrer do período de noventa dias.

 

Preparação das Amostras


Para avaliar e comparar a estabilidade foram produzidas duas bases galênicas iônicas emulsionadas em um sistema A/O de mesma formulação onde apenas variou-se o processo de fabricação.

As emulsões em pequena (manipulação) e grande escala (produção industrial) foram preparadas conforme as BPF, com matérias-primas separadas conforme a hidro e a lipofilia. Os componentes da fase aquosa foram dissolvidos à temperatura de 80ºC e os componentes da fase oleosa foram fundidos em banho-maria até 75ºC. Após alcançada a temperatura de ambas as fases oleosa e aquosa, procedeu-se à adição lenta da fase aquosa sobre a fase oleosa sob agitação constante, até arrefecimento.

Para a preparação de 2 kg da emulsão aniônica em pequena escala utilizou-se o misturador RW 20n Labortechnik (Ika Works do Brasil), com velocidade de rotação de 9000 rpm, utilizando agitador naval por 30 minutos e o agitador âncora por 12 minutos.

Para a produção de 100 kg da emulsão aniônica produzida em escala industrial utilizou-se agitador planetário tipo pá em um tanque misturador encamisado, sendo a velocidade de agitação 44 rpm.

 

Estabilidade Acelerada


As bases foram armazenadas em triplicata à temperatura ambiente 24ºC, na estufa a 45ºC e no congelador a –5ºC. Três potes das bases aniônicas foram separados para uso como padrões comparativos dos parâmetros organolépticos, armazenados em temperatura de 19ºC, em local protegido da luz.3

O estudo de estabilidade foi realizado por três meses, iniciando com a centrifugação das amostras. A determinação dos parâmetros organolépticos foi realizada nos tempos 0, 15, 29, 45, 58, 75 e 90 dias. A determinação da espalhabilidade foi realizadas nos tempos 0, 29, 60 e 90 dias. A viscosidade foi determinada após passados 45, 60 e 90 dias da data inicial das análises. Tempo zero foi considerado o momento em que se realizou o primeiro registro de um dos parâmetros analisados.3

 

Centrifugação

As bases aniônicas foram submetidas à centrifugação a 3000 rpm, 25ºC por 30 minutos. Após foram avaliados os parâmetros organolépticos.3

 

Características organolépticas

Os parâmetros organolépticos avaliados foram: aspecto, cor e odor.3

Quanto ao aspecto, as emulsões foram classificadas segundo os seguintes critérios:

- normal, sem alteração visível: aspecto homogêneo, estando lisa a superfície da emulsão e sem grumos aparentes; brilho intenso, ou seja, a superfície da emulsão ao ser observada à luz natural apresenta sensação de luminosidade.

- levemente modificada: presença de gotículas visíveis na superfície, indicando início de separação de fases; presença de bolhas de ar, aspecto aerado; perda de brilho em relação ao padrão, aspecto lustro-opaco.

- modificada: aspecto heterogêneo, presença de grumos, nítida separação de fases; opacidade, com ausência de sensaçãode luminosidade à luz natural.


Em relação à cor e odor as emulsões foram classificadas segundo os seguintes critérios:

- normal, sem alteração visível: cor branca, significando que não há no produto nuances de cor creme ou amarelada; odor característico da matéria-prima, sem alterações em relação ao padrão.

- levemente modificada: leve alteração na coloração com nuances de cor creme ou amarelada; leve odor de ranço.

- modificada: alteração de coloração branca para totalmente creme ou amarelada; odor forte de ranço.

 

 

Determinação da Espalhabilidade


Para determinação da espalhabilidade foi empregada a metodologia descrita por Müenzel et al. apud Knorst,4 adaptada neste trabalho pela alteração da espessura da placa-molde de vidro de 2 mm para 3 mm.

O teste consistiu na colocação de uma placa-molde circular, de vidro (diâmetro = 200 mm e espessura = 3 mm), com orifício central de 12 mm de diâmetro sobre uma placa suporte de vidro (20 mm x 20 mm) e sob essa placa posicionou-se uma folha de papel milimetrado e uma fonte luminosa.

A amostra foi introduzida no orifício da placa e a superfície foi nivelada com espátula, após isso, a placa-molde foi cuidadosamente retirada. Sobre a amostra foi colocada uma placa de vidro de peso pré-determinado.

Após um minuto, foi calculada a superfície abrangida pela medição do diâmetro, em duas posições opostas com auxílio da escala do papel milimetrado, com posterior cálculo do diâmetro médio.

Este procedimento foi repetido acrescentando-se novas placas, em intervalos de um minuto, registrando-se a cada determinação a superfície abrangida pela amostra e o peso da placa adicionada até um número máximo de 19 placas.

A espalhabilidade (Ei), determinada a 24±2ºC, foi calculada através da equação:

eq.png

Onde:
Ei = espalhabilidade da amostra em função do peso adicionado (mm2)
d = diâmetro médio (mm)

A espalhabilidade máxima foi considerada como o estágio no qual a adição de peso não ocasionou alterações significativas nos valores da espalhabilidade (diâmetro da área ocupada pelo espalhamento da base), e o esforço limite corresponde ao peso máximo que resulta na espalhabilidade máxima.5

Os valores da espalhabilidade, em função do peso adicionado, foram plotados em gráficos e correspondem à média de três determinações.

 

Determinação das características reológicas

As determinações das características reológicas das bases aniônicas foram avaliadas com auxílio do viscosímetro rotacional Brookfield modelo DV-I+, série RV, provido de fuso SC4-29, com seis velocidades de rotação (1, 2, 2,5, 4, 5 e 10 rpm), conforme metodologia descrita na literatura.4,5 A partir dos valores de viscosidade lidos diretamente no visor do viscosímetro, foram construídos reogramas específicos das equações constantes no manual do viscosímetro.6 Os resultados correspondem a média de três determinações.

Os pontos de fluidez teóricos para diferentes condições de tempo e armazenamento foram obtidos pela extrapolação das retas obtidas sobre o eixo das abscissas.4,5

 

Análise Estatística

Para análise dos resultados e avaliação da espalhabilidade utilizou-se o programa SAE – Sistema de Apoio Estatístico.7 Os testes estatísticos utilizados foram ANOVA, Tukey e teste T, com níveis de confiança de 95 e 99%.

 

Resultados

 

Teste de centrifugação das formulações

As formulações permaneceram inalteradas em relação aos parâmetros organolépticos considerados no ponto de partida (tempo 0).

 

Determinações organolépticas

As formulações armazenadas a temperatura ambiente, bem como seus respectivos padrões de comparação, permaneceram inalteradas durante o período de estudo de estabilidade.

As emulsões armazenadas na estufa permaneceram inalteradas até os 75 dias. Aos 90 dias se apresentaram levemente modificadas com aspecto lustro-opaco e aerado.

As bases aniônicas armazenadas no congelador se apresentaram levemente modificadas na análise dos 15 dias, apresentando gotículas na superfície, indicando início de separação de fases e aspecto lustro-opaco. A partir dos 30 dias de análise de estabilidade, ambas formulações se apresentaram modificadas com aspecto opaco e heterogêneo, com nítida separação de fases.

Quanto aos parâmetros organolépticos cor e odor, não houve alterações perceptíveis visualmente ao longo de 90 dias nas diferentes condições de armazenamento em relação ao padrão.

 

Avaliação da espalhabilidade

A análise da influência das diferentes condições de armazenamento na espalhabilidade das formulações mostrou comportamento semelhante para a emulsão aniônica manipulada em pequena e grande escala. Assim verificou-se que as diferentes condições de armazenamento utilizadas no estudo de estabilidade não acarretaram diferença significativa entre as formulações armazenadas à temperatura ambiente e na estufa, mas ambas diferiram significativamente (nível de confiança 95%) em relação àquelas armazenadas no congelador.

A análise do tempo transcorrido para cada condição de armazenamento demonstrou comportamento distinto para emulsão aniônica manipulada em pequena e grande escala.

A emulsão produzida em grande escala e armazenada na estufa apresentou diferença significativa entre as análises dos 30 dias comparadas às dos 60 dias, não apresentando diferenças em relação ao tempo transcorrido para as demais condições de armazenamento.

A emulsão aniônica manipulada em pequena escala e armazenada em temperatura ambiente e estufa apresentaram diferenças muito significativas entre as análises do tempo 0 comparada às do tempo 30, 60 e 90 dias; sendo que a diferença significativa ocorre nas análises dos primeiros 30 dias e se mantém no decorrer dos períodos. Em relação ao congelador, houve aumento significativo da espalhabilidade entre as análises do tempo 30 e 90 dias.

As representações gráficas da espalhabilidade inicial em função do peso adicionado (Figura 1), revelam comportamentos semelhantes para as formulações de pequena e grande escala, embora ambas apresentem valores de espalhabilidade que se diferenciam significativamente entre si. Assim, verificou-se que a emulsão de pequena escala apresentou maior perfil de espalhabilidade alcançando o máximo de espalhabilidade após o esforço-limite de 4.882,39 g. A emulsão de grande escala apresentou o máximo de espalhabilidade após esforço de 4.313,99 g.

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Avaliação das características reológicas

A análise dos reogramas (Figura 2) demonstrou que as formulações apresentaram caráter não-newtoniano. Não existe correlação linear entre os valores das tensões de cisalhamento e os das velocidades de cisalhamento.8 Apresenta comportamento anti-tixotrópico, caracterizado pelo fato da curva ascendente do reograma estar situada em plano superior à descendente.9 Apresenta comportamento plástico, caracterizado pelo ponto de fluidez, que é a tensão mínima necessária para ocorrer o escoamento.4,5

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De modo geral as formulações manipuladas em grande escala apresentam, para as diferentes condições de tempo e temperatura de armazenamento, maiores pontos de fluidez que as produzidas em grande escala, necessitando, portanto, de maior força para iniciar o escoamento.

A análise dos reogramas permitiu ainda, verificar comportamento semelhante das bases, sendo que a base produzida em grande escala apresentou maior viscosidade que a manipulada em pequena escala, com exceção da análise dos 90 dias, onde não se visualizou diferença entre as formulações armazenadas na estufa.

A análise dos 90 dias demonstrou também aumento da viscosidade para ambas as formulações armazenadas na estufa em relação aos demais tempos de armazenamento.

As formulações armazenadas no congelador apresentaram valores de viscosidade bem inferiores em relação às demais condições de armazenamento.

 

Considerações Finais


A análise preliminar da centrifugação indicou que as formulações são inicialmente estáveis e não necessitam reformulação.

As formulações mantiveram as características organolépticas iniciais ao longo do estudo de estabilidade, com exceção das amostras armazenadas na estufa após 90 dias e congelador. Após 90 dias à 45ºC era esperado que houvesse algum tipo de alteração pela perda de água da formulação. No congelador percebeu-se alteração discreta das formulações já nos primeiros 15 dias e pronunciada nos 30 dias. Isto ocorreu, provavelmente, devido ao armazenamento das amostras em temperatura muito baixa. Esta condição de armazenamento (-5ºC) não reproduziu as condições normalmente encontradas em nosso clima tropical.

Sugere-se a utilização de condições menos drásticas na análise de estabilidade para as temperaturas baixas, embora a sugestão do Guia de Estabilidade de Produtos Cosméticos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária para análise da estabilidade preconiza o uso de baixas temperaturas, que variam de 5±2ºC a -10±2ºC.3

Na análise da espalhabilidade observou-se comportamento semelhante das emulsões manipuladas em pequena e grande escala, para as diferentes condições de armazenamento. Essas emulsões aumentaram significativamente a espalhabilidade, quando armazenadas no congelador comparando com os valores de espalhabilidade das armazenadas na estufa e à temperatura ambiente.

Quanto ao tempo de armazenamento nas diferentes condições, as formulações apresentaram comportamentos distintos. A emulsão produzida em grande escala alterou significativamente a espalhabilidade aos 90 dias de análise na estufa, não ocorrendo o mesmo para o armazenamento no congelador e na temperatura ambiente. Entretanto a emulsão manipulada em pequena escala apresentou alterações significativas na sua espalhabilidade no decorrer do tempo de análise em todas as condições de armazenamento.

De modo geral a emulsão manipulada em pequena escala apresentou maior espalhabilidade que a produzida em grande escala, fato verificado pela análise dos valores de espalhabilidade máxima ao longo do período de análise.

Pela análise dos reogramas verificou-se que as formulações apresentaram perfis semelhantes, tendo comportamento nãonewtoniano, plástico e antitixotrópico. De modo geral a emulsão manipulada em grande escala apresentou maior viscosidade e maior ponto de fluidez que a manipulada em pequena escala.

O comportamento reológico se alterou nitidamente para as amostras armazenadas no congelador, apresentando valores menores de viscosidades. Observou-se que a diminuição da viscosidade, provavelmente tenha ocorrido pela quebra gradativa da emulsão resultando, conseqüentemente, em maiores valores de espalhabilidade.

Pela análise global dos dados, verificou-se que as formulações não apresentaram diferenças em relação à análise preliminar de centrifugação e às características organolépticas e diferiram significativamente com relação aos valores de espalhabilidade e de viscosidade. Verificou-se desse modo a influência do processo de produção nas características físicas das formulações, porém, não é possível afirmar, que o processo de produção é um fator determinante na estabilidade das formulações, visto que para tanto seria necessário maior tempo de estudo.

 

Fernanda Spellmeier é farmacêutica formada pelo Centro Universitário Univates, Lajeado RS, Brasil.
Graziela Heberlé é Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professora do Curso de Farmácia do Centro Universitário Univates.


 

Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, 19(2): 66-70, 2007