Opções de Formulação
Comparação entre as Fórmulas
Conclusão

 

A formulação de produtos cosméticos com matérias-primas naturais apresenta muitos questionamentos. Esses dilemas normalmente dizem respeito à extensão em que uma matéria-prima pode ser rotulada como "natural." No entanto, há outras dúvidas cruciais que podem contribuir para desanimar o químico formulador. Por exemplo, a seguinte lista de perguntas desconcertantes é mais ou menos típica: 

- A água deionizada pode ser considerada como "natural"? 

- As bactérias são consideradas “animais" pelos consumidores? 

- As matérias-primas sintetizadas por algum meio são "naturais"? 

- Em uma reação na qual as matérias-primas são "naturais", mas o catalisador é sintético, o produto resultante continua sendo "natural"? 

- Os consumidores têm o mesmo grau de estima por todas as categorias de animais? (Outra forma de encara esse problema é ponderar se gado, caranguejos e abelhas são iguais aos olhos do consumidor). 

É duvidoso que químicos formuladores e seus colegas de marketing concordem com todas as respostas a essas perguntas. Na análise final, as empresas usam matérias-primas que consideram racionalmente justificadas de acordo com suas próprias definições. 

 

Opções de Formulação 

Para demonstrar os desafios do trabalho com matérias primas naturais, foi selecionado um protótipo de shampoo tendo como guia a seguinte fundamentação lógica: 

- Sem etoxilados;

- Sem nitrosaminas; 

- Espuma comparável à dos produtos encontrados no varejo;

- Modificação petroquímica das matérias primas tão pequena quanto possível; 

- Sem preservante que gere formaldeído (uso de um natural, se possível); 

- Matérias-primas de origem vegetal: 

- Procedimentos de fabricação sem calor. 

Essa lista de objetivos a ser seguida na formulação piloto, parece terrível para um shampoo, já que os tensoativos etoxilados são a base desse produto e as modificações do petróleo são necessárias para produzí-los. Não obstante, a partir desses objetivos foi preparada uma lista de componentes essenciais de um shampoo natural (Tabela 1). 

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Substitutos da água. Atualmente, iniciar uma fórmula com água comum não é uma ideia razoável, pois a maioria dos formuladores está usando extrato de alguma planta especial. O químico se depara com dois problemas: primeiro, saber se a água deionizada é ou não natural e, segundo, qual extrato de planta utilizar. No caso da água deionizada, o problema é resolvido muito rapidamente, pois os contaminantes metálicos são nutrientes para o crescimento de microrganismos. Como é desejável usar um preservante natural, assim como o maior número possível de outros materiais naturais e biodegradáveis, a argumentação a favor da deionização é muito forte. Além disso, íons e compostos de metal, presentes em um shampoo, não são particularmente benéficos ao cabelo. 

Assim, todas as fórmulas de shampoo que serão apresentadas, contêm água deionizada. 

A seleção de materiais botânicos para o extrato envolve tanto a estética quanto a funcionalidade. O ideal seria selecionar uma planta cujo extrato atendesse aos dois objetivos. Como a quantidade de plantas potenciais a escolher é imensa, para fins deste trabalho selecionamos o chá verde, principalmente pela sua função teórica como planta que contém fenóis. A avaliação de sua possível contribuição para um sistema preservante ultrapassa a abrangência deste trabalho. Pela perspectiva do consumidor, os chás - verde e preto - são vistos como produtos saudáveis, o que lhes confere uma imagem de marketing positiva. 

Doadores de viscosidade. Um agente quelante natural é de inclusão obrigatória na fórmula de um shampoo, mesmo que a água tenha sido deionizada. Nas fórmulas discutidas, a goma xantana será usada como doador natural de viscosidade. Metais residuais de outras origens que não a água, poderiam contribuir para a degradação microbiana da goma. Isto provavelmente aconteceria com o uso de qualquer goma natural, inclusive com alguns agentes espessantes sintéticos do tipo goma. Existem opções de quelante natural (talvez não tão boas como o EDTA tetrassódico, mas razoáveis). Entre eles estão o gluconato de sódio com o ácido glutâmico e ácido cítrico, ambos obtidos por biofermentação. 

O doador natural de viscosidade escolhido para a formulação do shampoo natural é a goma xantana obtida a partir de biofermentação. Outras gomas naturais tais como guar não modificadas, tragacan ou carapenena, poderiam ter sido selecionadas. Goma xantana foi escolhida porque forma soluções transparentes. Um dos desafios potenciais com um shampoo natural é a solubilização de óleos essenciais das fragrância sem matérias-primas etoxiladas. Como a goma xantana forma um gel transparente, ela não mascara a observação da solubilização da fragrância em uma fase posterior do processo. 

A seleção de tensoativos naturais potenciais se reduz a pequeno número de materiais. Isto ocorre porque existem poucos materiais não derivados de petroquímicos, que resultam no tipo de característica de desempenho dos shampoos de hoje. 

O pó de iúca, material natural usado nas culturas mais primitivas como único agente para lavar o cabelo, gera uma espuma impressionante, que isolada, não é densa nem estável. No entanto, sua qualidade e estabilidade melhoram se combinada com uma goma natural. 

• Tensoativos. A química dos tensoativos alquil poliglicosídeos, sintetizados do milho e da glucose, está descrita na Figura 1. Pela reação descrita, pode-se ver que há pouca contribuição de fontes petroquímicas. Além disso, esses materiais proporcionam boa detergência e altíssimo grau de biodegradabilidade. A solubilidade desses tensoativos é atribuída aos muitos grupos hidroxila presentes, e não ao axido de etileno, como nos típicos tensoativos não iônicos. 

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A Figura 2 descreve a transformação química de outro grupo natural de tensoativos: as proteínas espumantes. Como nos materiais alquil-poliglicosídeos, existe pouca contribuição de fontes petroquímicas na reação química. 

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O outro agente tensoativo moderadamente natural a ser considerado para o shampoo é o sabão. O cocoato de sódio e potássio era usado antes da introdução dos tensoativos, e deriva da gordura do coco e de outros ácidos graxos. Apresenta bom poder de espuma se a água não for muito dura, e sua espuma é cremosa. As principais desvantagens são: baixo desempenho em água dura e limitação de pH, pois este precisa ser superior a 8 para impedir a hidrólise do sabão. O pH acima de 7 tende a deixar a cutícula do cabelo intumescida o suficiente para tornar difícil o pentear, principalmente no caso de cabelos compridos e quimicamente tratados (por qualquer meio). Como esperado, o uso de um shampoo natural dificulta a capacidade de pentear o cabelo molhado (pois não podem ser adicionados compostos quaternários de amônio, tanto pela modificação do petróleo quanto pelo desenvolvimento potencial de nitrosamina), não sendo aconselhável, portanto, a seleção de materiais com requisito para pH elevado. 

Uma combinação de pó de iúca, tensoativo alquil-poli glicosídeo (de cadeia curta) e o tensoativo de proteína espumante, parece ser adequada para o requisito de tensoativo natural do shampoo. Os níveis de uso desses tensoativos estão propostos nas Fórmulas 1 e 2, para determinar o limite de seu desempenho satisfatório, em níveis de uso da maioria dos tensoativos comuns.

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As proporções de alquil-poli-glicosídeo e tensoativos de proteína espumantes foram invertidas nas duas fórmulas, para determinar qual deles tinha melhor altura de espuma e qual sistema solubilizava melhor a fragrância, resultando em produto mais transparente. Foi necessário pré-misturar a fragrância diretamente com a combinação do tensoativo - excluindo a iúca - para que houvesse possibilidade de solubilização sem etoxilados. 

• Preservantes. Nenhum shampoo natural estaria completo sem um preservante natural. Materiais difíceis de serem encontrados, é importante salientar que o nível de experiência dos químicos formuladores com preservantes naturais não permite expectativas seguras de desempenho em ampla diversidade de sistemas. Portanto, é preciso avaliar o desempenho de cada sistema individualmente. 

A Figura 3 é uma representação esquemática do sistema de preservante natural (Myavert, marca da Boots Co.) e das fontes de seus componentes, formado por glucose, oxidase de glucose e lactoperoxidase que controla o crescimento microbiano, tem espectro de atividade razoavelmente amplo e é solúvel em água, onde a ação antimicrobiana é necessária. 

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O nível recomendado de uso desse material é 0.95%. Devido à atividade de eliminação de oxigênio da oxidase de glucose, este material tem dupla função nas fórmulas de shampoo: preservante natural e antioxidante natural. 

Fragrâncias. O último dos componentes, absolutamente necessários, das fórmulas de teste de shampoo natural é a fragrância. Neste trabalho, a fragrância natural é composta por óleos essenciais. Previmos que o desafio da solubilização dos óleos essenciais à concentração de 0,3%, em um sistema sem etoxilados, seria um dos aspectos mais difíceis para concretizar esse sistema. Decidimos pelo nível de 0,3% de óleos essenciais, após avaliar a volatilidade dos óleos selecionados e o odor básico da formulação. Como esse sistema não contém amidos, o odor de base é muito fraco, o que nos permitiu usar menos óleo essencial como fragrância. 

Na revisão final da lista de componentes necessários para as formulações, pareceu conveniente acrescentar um material que contribuísse para o sistema de atividade da água e, assim, para a eficácia preservante. Embora tenhamos selecionado o açúcar, outros materiais, como a maltodextrina, com vários graus de hidroscopicidade, poderiam ter sido avaliados. As Fórmulas 3 e 4 mostram a composição das formulações testadas. 

 

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Comparação entre as Fórmulas 

Antes de formular os shampoos testados, vários produtos comerciais foram adquiridos com a finalidade de comparar os sistemas tensoativos e a altura da espuma entre as duas formulações testadas. Nenhum dos produtos avaliados consistia em sistema de lauril ou laureth sulfato de amônio. Baseados em nossa experiência com cada um dos tensoativos envolvidos neste trabalho, não esperávamos que a altura da espuma ou a qualidade dos produtos testados se igualassem as de um sistema LSA. 

As formulações foram comparadas com os seguintes produtos disponíveis no mercado, nos Estados Unidos: 

- Goldwell, shampoo para cabelo normal: os principais tensoativos são lauril sulfato de magnésio, laureth sulfossuccinato dissódico, laureth sulfato de sódio, betaína cocamidopropil betaína e C14-17 alquil sec-sulfonato de sódio. 

- Goldwell, shampoo para cabelos tingidos: os principais tensoativos são laureth sulfato de sódio, laureth sulfossuccinato dissódico e poliglucose de decila. 

- JF Luzartigue, Quo ti diens (para cabelo fino e seco): os principais tensoativos são laureth sulfato de sódio, laureth sulfossuccinato dissódico, cocamida DEA, lauril sulfato de TEA e cocamidopropil betaína. 

- JP Lazartigue, shampoo suave para cabelo seco: os principais tensoativos são laureth sulfato de solio, laureth sulfato de magnésio, laureth-8 sulfato de sódio e de magnésio, oleth sulfato de sódio e magnésio, e laureth-II carboxilato de sódio. 

A Tabela 2 compara a altura de espuma das duas formulações testadas com a dos produtos concorrentes (teste de altura da espuma composta). A Tabela 3 compara o tipo de espuma das formulações testadas com os produtos concorrentes. Os shampoos naturais tinham as seguintes especificações: 

- pH ajustado para 6 com ácido cítrico 50%;
- viscosidade: 1.800-2.000 cps;
- aparência: transparente, dourado; 
- fragrância: característica dos óleos essenciais selecionados e combinados. 

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Com relação à estabilidade, ambas as fórmulas passaram por 3 ciclos de congelamento/descongelamento. Após dois meses a 45°C, o produto parece estável. O desafio microbiológico precisa ser repetido após três meses, a 45°C. A fórmula testada no 2 passou por desafio microbiológico padrão de 28 dias. A fórmula testada n° 1 não foi submetida a desafios, mas pode-se esperar que seu desempenho seja semelhante. 

Quanto ao desempenho, as fórmulas testadas não apenas funcionaram razoavelmente bem, como também podem apresentar várias vantagens. Esperamos que o principal inconveniente seja apenas a dificuldade de pentear o cabelo molhado, pois não foi possível acrescentar materiais catiônicos à fórmula. A sensação táctil da espuma foi ligeiramente diferente, mas as duas fórmulas espumaram bem e foram enxaguadas de forma aceitável. A diminuição do pH para 5,5 poderia ser benéfica para melhorar o pentear com o cabelo molhado, mas maior número de trabalhos deveria ser conduzidos para avaliar este aspecto. 

No varejo existem produtos com propriedades de penteamento molhado semelhantes às das formulações testadas. A formulação no 2 do teste obteve desempenho muito bom como shampoo para dar volume aos cabelos, resultado esperado já que as proteínas encorpam o cabelo. A Tabela 4 descreve os atributos das fórmulas de shampoo natural. 

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Conclusão 

A formulação de produtos cosméticos exclusivamente com matérias-primas naturais é uma tarefa desafiadora, porém viável no caso de muitos produtos. 

É possível fabricar produtos que proporcionam desempenho razoável, ou até bom, se comparados com os produtos existentes no varejo. 

Os produtos naturais são fabricados em geral com princípios ativos extraídos de plantas, que são fontes renováveis. As matérias-primas incluídas a partir de processos de biofermentação não envolvem aquecimento, o que, além de poupar energia, é economia de custos para o fabricante. Como os produtos são naturais e, assim, contêm matérias-primas em grande parte não modificadas, sua biodegradabilidade é boa, o que é vantajoso do ponto de vista ambiental. Tomando todos esses aspectos em consideração, o preço geral de um produto natural é apenas ligeiramente superior ao de seu equivalente sintético. À medida que os químicos formuladores adquirirem conhecimento e consciência ambiental, as formulações naturais, aparentemente não usuais atualmente, provavelmente serão comuns no século XXI. 

 

Publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Edição em Português) 8(2): 49-52, 1996.
Publicado originalmente em inglês, Cosmetics & Toiletries 111(1):39-43, 1996.