Cabelos Étnicos e Distúrbios do Couro Cabeludo
publicado em 01/10/2006
Valerie D. Callender e Cherie M. Young
Faculdade de Medicina da Universidade Howard, Washington, DC, Estados Unidos
Este artigo pesquisa as diferenças raciais dos cabelos, e depois focaliza os cabelos afroamericanos, suas práticas de tratamento capilar e como essas práticas se relacionam com os distúrbios comuns do couro cabeludo, específicos dessa população.
This article surveys the racial differences of hair and the focuses on African-Americans, their hair grooming practices and how these practices relate to the common hair scalp disorders unique to this population.
Este artículo investiga las diferencias raciales de los cabellos, y después se enfoca en los cabellos afroamericanos, sus prácticas de tratamento capilar y cómo estas prácticas se relacionan con las alteraciones comunes del cuero cabelludo, especificas de esa población.
VARIAÇÕES RACIAIS DOS CABELOS
PENTEADOS ÉTNICOS E PRÁTICAS DE TRATAMENTO DE CABELOS
DISTÚRBIOS COMUNS DOS CABELOS E DO COURO CABELUDO
CONCLUSÃO
Nos últimos anos, a literatura tem divulgado que raça e etnia são fatores importantes a considerar na apresentação clínica, no controle e tratamento dos distúrbios de pele e cabelos. Fazendo uma análise da literatura sobre diferenças raciais dos cabelos, este artigo irá focalizar os cabelos crespos dos negros, suas práticas de tratamento capilares, e a relação entre tais práticas e distúrbios do couro cabeludo, próprios dessa população.
VARIAÇÕES RACIAIS DOS CABELOS
Forma
Embora não existam diferenças bioquímicas entre os cabelos de grupos raciais, já foram documentadas diferenças morfológicas entre estes.1 Os cabelos caucasianos são tipicamente lisos ou ondulados, com seção transversal redonda/ovalada, e folículo reto. Cabelos asiáticos são lisos, com seção transversal redonda, com folículo reto e diâmetro tendendo a maior que os demais tipos de cabelos. Já os cabelos de negros tendem a ser crespos, com seção transversal elíptica e possuem folículo curvo. Lindelof et al. determinaram que o formato do folículo capilar é o responsável pela forma geral dos cabelos.2
Quebra
O fato de serem quebradiços é um problema freqüente dos cabelos de negros. Khumalo et al. examinaram amostras de cabelos de voluntários africanos, asiáticos e caucasianos, e compararam os danos causados pelo tratamento normal dado aos cabelos.3 Exames à luz e com microscópios de varredura eletrônica revelaram que 10 a 16% dos cabelos de negros africanos apresentavam nós, estavam entrelaçados e interligados, parecendo quebrados. Nos cabelos africanos, havia repetidas quebras dos fios, sem que estivessem presos à raiz, e os cabelos eram mais curtos do que dos outros dois grupos.
Densidade
Existem diferenças raciais na densidade dos cabelos. Um estudo retrospectivo de biópsias de 22 afro-americanos e 12 caucasianos mostraram que a densidade total dos fios, o número de folículos terminais e o número de fios anágenos eram menores em indivíduos afro-americanos.4 Um estudo realizado por Bernstein e Rassman5 constatou que as variações nas unidades foliculares (por milímetro quadrado) eram menores entre os africanos (0,6%) do que nos caucasianos (1,0%) e nos asiáticos (1,0%), ou chineses (0,7%). Muito embora a densidade capilar seja menor nos africanos, seu agrupamento capilar predominante é maior, ou seja, três fios de cabelo por unidade folicular, em comparação com duas unidades nos caucasianos, asiáticos e chineses.
Clinicamente, essas variações raciais na densidade dos cabelos são importantes para interpretar biópsias do couro cabeludo e para avaliação da restauração capilar em pacientes negros com queda de cabelos.6
Ressecamento
O cabelo de negros aparenta ser inerentemente seco.7 Esse ressecamento está relacionado ao declínio da capacidade da gordura recobrir adequadamente o cabelo. Entretanto, são utilizados frequentemente produtos de penteado que mantêm a hidratação, para adicionar brilho e permitir a maleabilidade e a facilidade de pentear.6,8
PENTEADOS ÉTNICOS E PRÁTICAS DE TRATAMENTO DE CABELOS
O penteado de cabelos de negros é muito diferente. Muitas vezes, os cabelos precisam de alto grau de cuidado para se tornarem maleáveis, convenientes e penteáveis. Embora algumas pessoas da raça negra escolham penteados naturais ou químicos (ver box) outras usam técnicas de alisamento que podem ser com aquecimento a 150–260oC. Por ser um método temporário, a exposição a shampoos, água ou umidade pode causar reversão e a volta dos cabelos a seu estado natural.6
ALTERNATIVAS NATURAIS PARA Penteados naturais ou ‘sem química’ incluem os penteados afro, trancinhas, torções e repuxados. Afro – Cabelos crespos naturais são aparados igualmente em diferentes comprimentos. Tranças – Os cabelos naturais são divididos em seções, junto ao couro cabeludo (fileiras como colméias) ou tranças individuais; podem ser acrescentadas extensões para melhorar o comprimento. Torções – Cabelos naturais são divididos em duas seções, enrolados e mantidos juntos por gel fixador ou cera de abelha. Repuxados – Formados deixando os cabelos torcidos permanentemente entrelaçados. Deve-se notar, numa observação com significância clínica, que cada vez mais mulheres estão aceitando esses penteados e abandonando os penteados alisados. |
Alisamento químico
Por outro lado, o alisamento químico é o re-arranjo permanente das ligações de dissulfeto no interior do fio de cabelo. O processo usa diversos importantes agentes químicos: hidróxido de sódio (relaxantes de lixívia), hidróxidos de lítio e guanidina (relaxantes sem lixívia) e tioglicolato de amônia (ondulação permanente, cacheado permanente). Estima-se que aproximadamente 70-80% das mulheres da raça negra relaxam quimicamente os cabelos, e precisam de “retoques” para alisar os cabelos que vêm crescendo, a cada 6-8 semanas.
DISTÚRBIOS COMUNS DOS CABELOS E DO COURO CABELUDO
Distúrbios dos cabelos e do couro cabeludo ocorrem com muita freqüência nas populações negras (ver box). Halder et al, em 1983, examinaram as condições mais comuns observadas na prática dermatológica predominantemente de negros. Entre as cinco principais condições destacavam-se seborréia, dermatite e alopecia.9 Iremos examinar as observações clínicas e estratégias de tratamento para dermatite seborréica, alopecia de tração e alopecia cicatricial centrífuga central.
Dermatite seborréica
A dermatite seborréica é uma doença crônica pápulo-escamosa de áreas da pele ricas em gordura, causada por uma resposta inflamatória ao microrganismo Malassezia furfur (Pityrosporum ovale). A incidência varia de 2 a 5% da população geral. Embora a literatura não tenha relatos de predisposição étnica ou racial, pode ser que a incidência seja maior nas mulheres negras, devido à freqüência com que os cabelos são lavados. Enquanto homens com cabelos curtos e com corte natural lavam os cabelos diariamente, muitas mulheres negras os lavam com menor freqüência, de uma a quatro vezes por semana, dependendo do penteado que estão usando. Assim, há um crescimento maior do microrganismo, o que coloca essa população sob maior risco de dermatoses no couro cabeludo.
Além do eritema comum e da descamação ou “couro cabeludo ressecado”, uma das características da dermatite seborréica, também pode ocorrer hipo ou hiperpigmentação da pele e do couro cabeludo. Os locais mais comuns são: couro cabeludo, linha frontal dos cabelos, fronte, sobrancelhas, cílios, orelhas e áreas malares da face. Nos homens, essa condição pode aparecer no bigode, barba e cabelos do tórax. O sintoma mais comum é coceira na cabeça.
As estratégias mais comuns consistem na recomendação de shampoos comuns ou de shampoos anticaspa. Os ingredientes mais comumente usados são: enxofre, ácido salicílico, derivados do alcatrão, piriotinato de zinco (ZPT), óleo de chá verde, sulfacetamida, cetoconazol ou ciclopirox (antifúngico) e acetonato de fluocinolona (corticosteróide).
Tendo em vista que estes agentes podem causar ressecamento excessivo de cabelos de pessoas da raça negra, após a lavagem com shampoo, há necessidade de aplicação diária de condicionadores e loções hidratantes, como parte do regime de tratamento. Nos casos moderados a graves de dermatite seborréica, recomenda-se diminuir a freqüência das lavagens, e a aplicação de um corticosteróide tópico entre estas.
O veículo deve ser cuidadosamente escolhido e precisa ser compatível com as práticas de penteado dos cabelos, adotadas pelo paciente. Tradicionalmente, tais pacientes recebem receitas para aplicação tópica de pomadas de corticosteróides. Mais recentemente, tratamentos com espuma provaram ser eficazes e cosmeticamente mais aceitáveis.10
Alopecia de tração
A alopecia de tração, também conhecida como alopecia traumática marginal, é uma condição de perda dos cabelos comumente encontrada em mulheres e crianças negras11 que dão preferência a penteados (como trancinhas apertadas, rabos de cavalo repuxados, ondas e presilhas) que tensionam os cabelos.6,11,12 Os bobs de cabelo também já foram considerados fator de alopecia de tração.13
O mecanismo de perda de cabelo é atribuído à perda mecânica a partir dos folículos, com uma perifoliculite do couro cabeludo.9 A condição é observada em pacientes que apresentam perda simétrica de cabelo nas áreas fronto-temporais do couro cabeludo, sendo mais rara a perda na região occipital. A tensão sustentada dos cabelos pode resultar em atrofia folicular, deixando intacto apenas o vellus mais fino. Essa perda de cabelo também pode ser acompanhada por eritema perifolicular, pápulas, pústulas e/ou hiperqueratose tipo seborréia.9
O tratamento da alopecia de tração começa pela mudança de penteado responsável pela tensão continuada dos cabelos. Nos casos iniciais, só isso já pode reverter a perda de cabelos. Nos casos mais graves, os pacientes são tratados com corticosteroides tópicas e intralesionais, em caso de inflamação.6 Também já foi usado minoxidil tópico no tratamento da alopecia de tração, obtendo sucesso em alguns pacientes.6,14
No caso de presença de foliculite, podem ser receitados antibióticos tópicos ou sistêmicos. Em casos avançados, nos quais é improvável que os cabelos voltem a crescer, e onde houve perda permanente de folículos, há opção de tratamento cirúrgico. Enxertos pontuais e rodízio de camadas foram usados anteriormente, para o tratamento da alopecia de tração.15 Mais recentemente, vêm sendo usadas, com sucesso, outras técnicas cirúrgicas, inclusive mini-enxertos, micro-enxertos e transplante de unidades foliculares.6
Alopecia cicatricial centrífuga central (ACCC)
A ACCC é um tipo de alopecia que denota a presença de tecido cicatricial no couro cabeludo. Antigamente, essa condição era conhecida como alopecia de pentear a quente16 ou síndrome da degeneração folicular. Histologicamente, o sinal mais precoce é a descamação prematura do revestimento interno da raiz. A etiologia dessa condição é desconhecida, mas parece ser multifatorial (genética e ambiental).
Esse tipo de alopecia é encontrado no alto do couro cabeludo. No início do processo da condição, a área envolvida é bem definida e limitada. No início parece ser uma falha e/ou uma calvície com padrões femininos. Conforme a condição avança, vai se espalhando em círculo e a área envolvida vai aumentando em tamanho.9 Normalmente, o couro cabeludo fica liso e lustroso, havendo perda de densidade dos cabelos da área afetada. Os cabelos que permanecem na área afetada são mais curtos e quebradiços do que os das áreas normais, e os sintomas podem ser prurido, queimação ou fragilidade do couro cabeludo.6
O tratamento de ACCC é multifacetado e se baseia nos sintomas apresentados pelo paciente. Um tratamento anti-inflamatório agressivo é muito importante em ACCC. A inflamação é suprimida com o uso de corticosteróides tópicos potentes e corticosteroides intralesionais.6 Esse tratamento não apenas reduz a inflamação presente, mas também retarda a progressão do processo inflamatório.
Também é importante instruir o paciente sobre as práticas de tratamento dos cabelos, pois é necessário que ele descontinue todas as práticas lesivas. Os pacientes devem aumentar os intervalos entre as aplicações de relaxantes (a cada oito a dez semanas) e também devem diminuir o uso de géis ou sprays fixadores, e de calor sobre o couro cabeludo.6 Assim que o processo da doença for estabilizado, e que não haja mais inflamação, o transplante cirúrgico de cabelos é uma opção de tratamento. Essa técnica é reservada a pacientes cujos folículos pilosos já não são mais viáveis.
DISTÚRBIOS COMUNS DE CABELOS E Dermatite seborreica - Distúrbio crônico pápulo-escamoso que afeta áreas ricas em gordura. Dermatite de contato irritativa - Dermatite causada por produtos para os cabelos, resultando em inflamação. Dermatite de contato alérgica - Reação alérgica do couro cabeludo resultante de produtos para cuidados com os cabelos. Alopecia de tração - Perda de cabelos que ocorre nas áreas fronto-temporais devido à perda mecânica a partir dos folículos. Alopecia cicatricial centrífuga central - Perda de cabelos que afeta o topo da cabeça, resultando em cicatrizes. Acne queloidal - Condição inflamatória crônica que resulta em pápulas e/ou pústulas na nuca, ou pescoço e região occipital. Celulite dissecante - Distúrbio inflamatório crônico do couro cabeludo que resulta em cistos moles e tratos sinusais. Tinea capitis - Infecção por fungos no couro cabeludo, especialmente em crianças. Sarcoidose cutânea - Doença granulomatosa multi-sistêmica que visa pulmões, nódulos linfáticos e pele. Lúpus discoide eritematoso - Doença autoimune da pele que pode resultar em alopecia cicatricial. |
CONCLUSÃO
O tratamento de distúrbios de cabelos e couros cabeludos étnicos pode ser muito intrigante. Um profundo conhecimento e entendimento da estrutura dos cabelos e das práticas de tratamento dos cabelos sejam essenciais para o devido diagnóstico e controle bem-sucedido de pacientes étnicos. Com base nos diversos distúrbios de cabelos e couros cabeludos étnicos existentes nessas populações, a formulação de produtos, como agentes hidratantes eficazes especialmente desenvolvidos para cabelos étnicos, e alternativas químicas ao relaxamento dos cabelos, devem ser desenvolvidos de modo a se concentrar nas reais necessidades de cabelos étnicos.
Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, 18(5): 56-59, 2006.
Adaptado de artigo publicado originalmente em inglês, Cosmetics & Toiletries 120(2):73-76, 2005.
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