Constituição da Pele
Estados da Pele
Funções da Pele
Transpiração
Ação dos Cosméticos
Conclusão

 

 

A pesquisa, o desenvolvimento, a fabricação e a aplicação de produtos cosméticos de tratamento cutâneo implicam no conhecimento da estrutura da pele e de seu funcionamento. 

Os efeitos biológicos desses produtos poderão ter como prova de sua eficácia a melhora estética do substrato cutâneo, entretanto, se forem destinados a desempenhar uma ação superficial, deverão apenas camuflar os aspectos inestéticos existentes na superfície da pele.

 

 

Constituição da Pele

A pele, de origem embriológica mista, ectodérmica e mesodérmica, constitui o maior órgão do organismo humano. Em indivíduos adultos, pesa aproximadamente 17 kg e sua superfície chega a 1,8-2,0 m2

É constituída de três camadas: epiderme, derme e hipoderme, com funções de proteção, nutrição, pigmentação, queratogênese, termorregulação, transpiração, perspiração, defesa a absorção (Figura 1). 

 

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Epiderme 

A epiderme é uma camada avascular, derivada da ectoderme, composta por epitélio plano estratificado, constituído de estratos celulares. Na epiderme existem terminações nervosas livres, e algumas células migratórias provenientes da derme (Figura 2).

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a) estrato córneo: é a camada mais externa e consiste em várias fileiras de células mortas, anucleadas, constituídas em sua maior parte por uma proteína fibrosa (queratina). As fileiras mais superficiais apresentam-se em um processo de descamação contínua (capa descamativa). 

O estrato córneo exerce ação protetora, é a barreira de permeabilidade que impede a entrada de microrganismos e agentes tóxicos, retém a água e os eletrólitos. 

b) estrato lúcido: é encontrado somente nas regiões onde a camada córnea é espessa, tais como palma das mãos e planta dos pés. É a região mais profunda da camada córnea e aparece em microscopia óptica com uma faixa espessa, mais acidófila e compacta que o restante. 

c) camada granulosa: é o resultado do nivelamento das duas ou três camadas superiores do corpo mucoso. As pontes desmossômicas são bem evidentes e em seu interior aparecem granulações de queratoialina. 

Estas três camadas: basal, espinhosa e granulosa, constituem em conjunto, o chamado corpo mucoso de Malpighi. O limite inferior desse conjunto é irregular, pois possui prolongamentos digitiformes chamadas "cristas interpapilares" que se estendem até a derme. 

d) camada espinhosa: é constituída por várias fileiras de células poliédricas, unidas entre si por organoides denominados desmossomas. Os desmossomas são espessamentos da membrana celular e se unem entre si pelo espessamento do cemento intercelular. 

Entre as células espinhosas encontram-se algumas células especiais, aurófilas, chamadas células de Langerhans, que seriam histiócitos epidérmicos. Possuem uma organela "em forma de pá" chamada "grão de Langerhans", similares aos dendritos dos melanócitos, mas sem melanina. As células de Langerhans intervêm como mediadores na imunidade celular. Apresentam em sua superfície receptores específicos para a IgE  (imunoglobulina E) que captam diferentes antígenos exteriores (pólens e outros inalantes). 

e) camada basal ou germinativa: é a camada mais profunda e é formada por uma fileira de células cilíndricas dispostas perpendicularmente (queratinócitos basais). É uma barreira permeável que dá suporte à epiderme e estabelece a união com derme. Por reprodução continuada dá origem as camadas epidérmicas restantes (queratinócitos, células espinhosas e células granulosas) mediante um processo de queratinização normal que culmina na camada córnea. Entre os queratinócitos basais se encontram outras células que formam a melanina (os melanócitos). Os grãos de melanina são transferidos através das prolongações celulares (dendritos) para os queratinócitos, o pigmento é eliminado a medida que ocorre a queratinização através do estrato córneo da epiderme e da camada córnea dos pelos; além do que é captado em parte pelos melanóforos dérmicos. 

Derme 

Os componentes de origem mesodérmica da derme são constituídos por tecidos conjuntivos, vasos e nervos. Há também os componentes de origem ectodérmica, constituída por pró-colágenos, glucoproteínas não-colagênicas, fibrilas e microfibrilas de sustentação. Em seu interior se alojam glândulas sebáceas, pelos e músculos. Está disposta como uma armação formada em sua maioria por fibras de colágeno agrupadas em filas entrelaçadas com fibras elásticas. Além de fibras de reticulina (pro-colágeno ou colágeno imaturo) justapostas às membranas basais e perivasculares. Encontram-se, também, escassos elementos celulares: histiócitos, fibroblastos, fibrócitos, mastócitos, melanóforos etc. 

Hipoderme 

A hipoderme é formada principalmente por tecido gorduroso disposto cm grandes lóbulos limitados por divisórias. Esses elementos assim dispostos, conferem a esta camada propriedades protetoras contra traumatismos e as variações térmicas, ao mesmo tempo que facilitam o deslizamento da pele sobre os planos subjacentes. 

A rede vascular profunda encontra-se na hipoderme 

 

Estados da Pele

Apesar das peles parecem semelhantes do ponto de vista anatómico, funcional e bioquímico, existem variações entre elas que necessariamente têm que ser levadas em conta na formulação dos produtos cosméticos. 

Do ponto de vista cosmetológico, a pele de indivíduos adultos pode ser classificada de acordo com o critério diatésico baseado na predisposição constitucional individual a determinadas doenças, ou segundo um critério morfológico, isto é, estrutural. 

De acordo com o critério diatésico, a pele pode ser classificada como: 

- Delicada e fina: constitucionalmente é pálida, descolorida e esbranquiçada, especialmente com o envelhecimento. Não se bronzeia quando exposta ao sol, porém adquire coloração eritematosa por insuficiência de defesa melânica e se cobre de pintas. Resiste facilmente às rugas pela espessura do estrato queratínico e forte hidratação da derme, porém sofre carência de gordura. A transpiração é escassa e sofre com as variações ambientais. Sofre a ação de tensoativos fortes que produz sensação de estiramento. 

- Oleosa: geralmente é espessa e apresenta notável turgor. As glândulas sebáceas apresentam-se dilatadas facilmente acometidas de comedões. Com frequência é hiperseborréica e apresenta erupções purulentas. A sudorese á abundante, principalmente a apócrina. Suporta facilmente variações das condições atmosféricas, e a aplicação de detergentes e solventes. 

- Espessa: em geral apresenta-se desidratada, áspera, pouco elástica, de cor opaca pela presença de discromias e de transpiração abundante. Apresenta-se, também, com os orifícios sebáceos dilatados, sulcada e com rugas. Esse tipo de pele é altamente irritável e não suporta os tensoativos. 

 

Funções da Pele

Queratinização 

É a função de secreção externa, queratopoiese, pela qual a epiderme se comporta como uma glândula holócrina que transforma o protoplasma de sua células - queratinócitos - em queratina para constituir o revestimento córneo (cornificação). 

A queratinização é processo pelo qual duas moléculas de cisteína, por oxidação, resultam em uma de cistina. A energia para essa reação vem do glicogênio. Afeta o sistema enzimático da célula, condicionando sua transformação em estruturas córneas que logo são eliminadas por descamação. Na queratinização são formadas as proteínas características da epiderme (queratina mole), do pelo e das unhas (queratina dura) (Figura 3).

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Barreira Epidérmica 

Histologicamente, a barreira cutânea é constituída de três tipos de estruturas: 

- Manto lipídico superficial: localizado sobre o extrato córneo, cumpre papel pouco importante, devido à sua ínfima espessura. 

- Estrato córneo: importante por sua disposição estratificada, seu alto conteúdo em lipídios e queratina e seu baixo teor de hidratação. 

- Camada espinhosa: possui permeabilidade seletiva. 

A autêntica barreira epidérmica encontra-se situada em nível mais profundo e compacto do estrato córneo (estrato lúcido) e representa, na realidade, uma barreira aquosa. 

Os tensoativos, os solventes e outros ingredientes deterioram a barreira aquosa pela desnaturação da camada de queratina.

• Permeabilidade Cutânea 

A epiderme é praticamente impermeável a todas as substâncias não gasosas, é uma das características de seu poder protetor. A epiderme se comporta como uma membrana carregada com carga elétrica negativa. Os cátions, carregados positivamente, são atraídos e os ânions, negativamente, são repelidos. 

Essa impermeabilidade é relativa, pois algumas substâncias (em especial as proteínas) podem provocar fenômenos de sensibilização ao serem aplicadas sobre a superfície cutânea. As vias de penetração mais importantes são os folículos pilossebáceos e os compostos miscíveis ou solúveis com lipídios possuem grande poder de penetração. Por essa razão a absorção está diretamente relacionada ao número de folículos pilossebáceos de cada região (Figura 4). 

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Não há diferença de permeabilidade entre peles secas e oleosas. A pesar da pele perder água continuamente através da perda transepidérmica, a água não atravessa a pele na direção oposta, isto é, a transferência é unidirecional. A pele é rigorosamente impermeável aos eletrólitos, por essa razão, a penetração de sais é desprezível. Os gases e muitas substâncias voláteis atravessam a epiderme por difusão. 

A pele é permeável a substâncias lipossolúveis como hormônios esteróides, vitamina A e D, entre outras. Proteínas e hidróxidos de carbono não a atravessam devido às grandes dimensões das moléculas e à pouca lipossolubilidade. 

Umectação da Camada Córnea 

Para suas funções fisiológicas, a pele necessita de lipídios e hidratação. O manto lipídico da superfície cutânea e as substâncias higroscópicas, hidrossolúveis do estrato córneo atuam funcionalmente em harmonia. 

Quando os fatores de hidratação natural da pele, denominados NMF, são dissolvidos, a pele torna-se esbranquiçada e perde a flexibilidade. 

Pigmentação 

As melaninas, contidas nas organelas intracelulares denominadas melanossomas, são as principais responsáveis pela cor da pele e dos cabelos (Figura 5). 

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Produzidas pelos melanócitos, as melaninas são transferidas para os queratinócitos adjacentes. Podem ser classificas em: eumelanina e feomelanina. A primeira encontra-se na epiderme, cabelos e unhas, enquanto as feomelaninas encontram-se no cabelo vermelho de humanos, em pelos de alguns mamíferos e penas de aves. 

O funcionamento do melanócito depende de uma programação genética (pigmentação constitucional), entretanto, pode ser influenciado por fatores externos (radiação UV, fatores hormonais etc). 

O papel fisiológico da melanina consiste fundamentalmente da cor da pele e da fotoproteção. 

Como filtro solar, a melanina difrata e ou reflete a radiação UV. Após a irradiação, os melanossomas se reagrupam em torno do núcleo (fenómeno de capping) e protegem assim o mate rial genético da célula. Além disso, a melanina neutraliza dos radicais livres muito reativos e capazes de induzir múltiplas alterações nas organelas celulares. 

Além disso, a melanina influencia o mecanismo de termorregulação, aumentando a absorção de fótons de luz solar. A sensibilidade ao frio estaria relacionada ao grau de pigmentação cutânea - quanto mais escura a pele, maior sensibilidade ao frio. Outro fato, a biossíntese da vitamina D deve estar relacionada à pigmentação cutânea, já que a quantidade de melanina epidérmica interfere na penetração de raios UV na pele. 

 

Transpiração

O suor é a secreção mais volumosa do órgão cutâneo, é o produto de uma função das glândulas sudoríparas (écrinas e apócrinas). 

A dermofisiologia demonstra a importância da transpiração para a termorregulação, o balanço hídrico e eletrolítico e para a excreção de metabólitos. 

Na cosmetologia, da transpiração interessam os aspectos de sua intervenção como fase aquosa na emulsão epicutânea, no estabelecimento do pH superficial, suas qualidades organoléticas por seus componentes voláteis e os transtornos que produz sua secreção exagerada ou a hiperidrose. 

Em condições basais, as glândulas de uma determinada região cutânea não funcionam todas ao mesmo tempo. Sua atividade, alternada e em picos, é determinada por estímulos ambientais - o calor é importante, psíquicos e somáticos, e é diretamente proporcional a intensidade desses estímulos. Em determinadas condições ambientais pode chegar a 4 litros, entretanto, em média é de cerca de 1 litro a cada 24 horas. 

 

Ação dos Cosméticos

Os tratamentos cosméticos proporcionam elasticidade necessária à ação protetora contra ataques mecânicos à pele. A camada hidrolipídica da superfície e o estrato córneo, hidratados e enriquecidos de lipídios histófilos, resistem mais facilmente às variações das condições ambientais e às agressões físicas. Os cosméticos devem manter eletricamente polarizada a barreira formada pelos estratos granuloso e lúcido, nos quais se origina a queratinização, tanto quanto a acidez (pH 5), que protege contra o ataque de microrganismos e parasitas. 

As características sensoriais da pele (tato, dor, temperatura) não devem ser exacerbadas pelos cosméticos, ao contrário devem se reduzidas na maioria dos casos. Deve-se levar em conta que a termorregulação da pele, através de suas propriedades físicas, respostas vasculares e sudorese, podem ser transitoriamente alteradas discretamente pelos cosméticos. 

De acordo com as condições do substrato cutâneo e com efeitos cosméticos pesquisados, os produtos de tratamento cutâneo podem proporcionar diversas ações que se desenvolvem, principalmente, sobre a epiderme, dentre os quais: detergentes, antimicrobiana, protetora, isolante, umidificante e de recobrimento. Da mesma forma, outros benefícios são sentidos sobre a derme, tais como: tonificação, calmante, emoliência e aumento de elasticidade, hidratação e nutrição. 

Outras ações podem ser proporcionadas pelos cosméticos, tais como: proteção solar, antirrugas, descolorante, pigmentante, anticomedogênica, anticelulítica, etc. 

 

Conclusão

A formulação de produtos cosméticos de tratamento deve se adequar as condições anatômicas e fisiológicas da pele, inclusive em suas variações individuais. Os cuidados com a integridade funcional, além da anatômica, permite intervir eficazmente com o objetivo de obter melhoras estéticas da pele. 

O cosmético aplicado sobre a pele deverá estimular o desenvolvimento das diversas ações fisiológicas. 

 

Mariana G. Beny é médica pela Universidade de São Paulo - USP 

 

 

Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Edição em Português), 12(2): 44-50, 2000.