Cosméticos Sustentáveis
Práticas de Produção Sustentável
As Embalagens e o seu Destino Pós-uso
As Ferramentas de Avaliação como Instrumentos para a Sustentabilidade da Indústria Cosmética
Conclusões

 

Os cosméticos, como todos os pro[1]dutos que estão no mercado, têm impacto na sustentabilidade ao longo do seu ciclo de vida (Figura 1). Toda a cadeia de valor, desde o fornecimento de matérias-primas, passando pela produção do cosmético, acondicionamento e distribuição, até o uso e o pós-consumo, tem consequências em nível ambiental, social e econômico, dado que a sustentabilidade é um conceito multidimensional.

 

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O mercado de produtos sustentáveis tem crescido exponencialmente nos últimos anos como uma resposta às preferências atuais do consumidor. De acordo com dados publicados em 2020 pelo Institute for Business Value (IBM), 6 em 10 consumidores estão dispostos a mudar os seus hábitos de compra para reduzir o impacto ambiental e 8 em cada 10 indicam que a sustentabilidade é importante para eles. Entre aqueles que se referem à sustentabilidade como muito ou extremamente importante, mais de 70% pagariam em média mais 35% por marcas que dizem ser sustentáveis e ambientalmente responsáveis.1

Para além disso, há vários fatores que incentivam a integração do conceito de sustentabilidade na indústria cosmética, como: as alterações climáticas e maior difusão e consciencialização dos problemas sociais causados pela indústria; a procura por produtos mais “naturais”, “verdes” e “biológicos”, associada à ideia de que estes são mais “saudáveis”; maior disponibilidade de ingredientes sustentáveis por parte dos fornecedores de matérias- -primas; e a implementação de legislação que exige a adoção de determinadas medidas de sustentabilidade.

Nestes tempos que atravessamos, a problemática trazida pela covid-19 também tem sido associada à maior consideração pela saúde e pelo bem-estar, que resulta em maior escrutínio dos ingredientes, das formulações e das alegações das marcas. “As pessoas claramente estabeleceram uma ligação entre a temática da covid-19 e o fato de esta estar ligada a mudanças no planeta. Estamos a ver muito mais interesse em compreender as questões em torno da sustentabilidade e do impacto na saúde das pessoas”, diz Oliver Wright, diretor administrativo e líder global em bens de consumo e serviços da Accenture.2

Nesse sentido, a pressão para avançar na direção de padrões de produção mais sustentáveis é maior do que nunca. Inicialmente, assistiu-se a uma transição gradual de produtos majoritariamente constituídos de ingredientes sintéticos para formulações naturais e biológicas, mas agora os fabricantes de cosméticos já consideram a utilização responsável e ética de ingredientes, bem como o comércio justo. Os recursos utilizados durante a produção dos produtos, as emissões e a formação de resíduos, as caraterísticas das embalagens para que possa haver sua reciclagem e/ou reutilização e a biodegradabilidade desses recursos também são fatores preponderantes atualmente. Em resumo, o objetivo das empresas é reduzir os impactos ambientais, econômicos e sociais dos produtos cosméticos, utilizando os recursos de forma racional (ou seja, respeitando os limites da natureza), evitando a poluição, contribuindo para a economia e criando valor na vida das pessoas. A incorporação dessa filosofia ao modus operandi empresarial torna-se essencial para as empresas alcançarem o sucesso e a viabilidade do seu negócio a longo prazo.

Para tal, há que se compreender que o conceito de sustentabilidade é bastante ambíguo devido à sua complexidade. Um dos principais debates científicos a esse nível centra-se na adoção de um conceito de sustentabilidade “forte” ou “fraco”. Esclarecendo isso, uma abordagem de sustentabilidade fraca promove as dimensões social, econômica e ambiental da sustentabilidade com igual importância e afirma que o capital natural é perfeitamente substituível. Já uma abordagem de sustentabilidade forte defende que a substituição do capital natural por outros tipos de capital feito pelo homem é severamente limitada, ou seja, que esses dois tipos de capital são complementares em vez de permutáveis. Para alcançar um equilíbrio entre essas duas abordagens incompatíveis, o conceito de capital natural crítico surgiu como um trade-off.3,4 No entanto, esse conceito levanta várias questões e opiniões diferentes, porque é um desafio definir que parte do capital natural desempenha funções ambientais importantes e insubstituíveis e que, portanto, precisa de ser preservada para as gerações atuais e futuras.5

E, embora ainda não existam respostas concretas sobre o que deve ser adotado e como, as empresas de cosméticos estão continuamente a mostrar esforços para melhorar a sustentabilidade das suas práticas e produtos.

Ao longo deste artigo, serão apresentados vários exemplos relevantes para que se possa perceber como várias empresas (micro e macroempresas) estão a atingir e a medir os seus próprios objetivos de sustentabilidade.

 

Cosméticos Sustentáveis

É fundamental começar por compreender a diferença entre cosméticos verdes, naturais e biológicos versus cosméticos sustentáveis. Os cosméticos verdes estão associados a produtos que contêm ingredientes naturais e biológicos à base de plantas e que evitam a utilização de produtos químicos sintéticos, como parabenos, ftalatos, lauril sulfato de sódio, entre outros. No entanto, natural, biológico e verde não significam necessariamente “sustentável”. Os conceitos natural, biológico e verde se referem apenas à origem e ao tipo de agricultura dos ingredientes do produto. Nos cosméticos sustentáveis são considerados todos os possíveis impactos associados ao ciclo de vida desses produtos e, embora ainda não exista uma definição única e consensual, estes se referem a produtos com atributos ambientalmente preferíveis e com responsabilidade ética, social e econômica.5

Ingredientes sustentáveis: origem e seleção
Há algumas décadas, os recursos do planeta eram vistos como infinitos e facilmente acessíveis. No entanto, a exploração excessiva desses recursos tem levantado várias questões sobre o seu impacto em nível climático, na biodiversidade e na desflorestação. Estes fatores, aliados ao aumento da procura por produtos cada vez mais sustentáveis, enfatizam a necessidade de se estabelecerem critérios mais específicos e diferenciadores no que diz respeito à origem e à seleção de matérias-primas. No entanto, e apesar de se saber que a fase de seleção de matérias-primas é uma das que mais carece de atenção por ser uma das mais impactantes a nível de sustentabilidade, ainda existe muita desinformação.

Nesse sentido, e como foi enfatizado recentemente pelo nosso grupo de pesquisa,5-8 existem pontos-chave que devem ser considerados a quando da seleção de matérias-primas sustentáveis:

• É preciso avaliar a biodegradabilidade e a composição base dos ingredientes.

• A origem da matéria-prima (ou seja, se ela provém de fonte sintética, animal ou vegetal) é tão importante quanto a forma como foi sintetizada, extraída e/ou purificada.

• E não se deve esquecer que a sustentabilidade não diz respeito apenas aos impactos ambientais, mas também aos domínios econômico e social. Com base nessas premissas, é importante destacar que cada ingrediente deve ser analisado considerando-se o maior número de critérios possível.

Nem todos os ingredientes sintéticos são insustentáveis, e nem todos os ingredientes de base natural são sustentáveis. Por exemplo, o óleo de palma e a mica, que são matérias-primas de fontes naturais, levantam várias questões de sustentabilidade. A problemática do óleo de palma está relacionada com a sua exploração antiética, que consequentemente leva à desflorestação de várias florestas tropicais, afetando assim a população local e a biodiversidade, e contribuindo para a ocorrência das alterações climáticas ao aumentar as emissões de gases de efeito estufa. Como forma de solucionar esse problema e responder à pressão do consumidor, as empresas procuraram investir na utilização de fontes de óleo de palma certificadas. O Certified Sustainable Palm Oil (CSPO) é certificado pela Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO) de acordo com critérios específicos, tais como: condições de trabalho justas; proteção das terras e dos direitos da população local; sem desflorestação de florestas primárias; proteção da vida selvagem nas plantações; redução das emissões de gases de efeito estufa; e minimização da poluição industrial.5

Estratégias semelhantes também já existem para a soja (Round Table on Responsible Soy – RTRS) e para o cacau (Round Table on Sustainable Cocoa – RTSC).9 Da mesma forma, o uso de mica como pigmento (por exemplo, proveniente da Índia) levanta várias questões relacionadas com o domínio social da sustentabilidade, já que o trabalho infantil continua ocorrendo na mineração, sem mencionar o impacto ambiental da própria atividade.5 Por exemplo, a L’Oréal iniciou um projeto que visa obter mica sustentável, garantindo a rastreabilidade e a transparência da sua cadeia de valor. Com essa estratégia, atualmente 98% da mica utilizada por essa empresa provém de fontes sustentáveis.10 Nesse sentido, as empresas que desejam ser verdadeiramente sustentáveis precisam ter uma visão holística e considerar as múltiplas dimensões da sustentabilidade.

Além disso, a indústria cosmética deve ter a responsabilidade de considerar matérias-primas alternativas para uso em ingredientes não sustentáveis, não apenas por causa da demanda por produtos sustentáveis, mas também devido ao declínio da oferta de matérias-primas originadas da petroquímica. Graças a essas novas tendências e filosofias, novos ingredientes cosméticos estão a ser estudados, desenvolvidos e comercializados por muitos fornecedores de matérias-primas. Assim, várias empresas, por exemplo, BASF, Natura-Tec, Seppic, Evonik, Clariant, DSM Nutritional Products, Earthoil Plantations e KLK Kolb, têm apostado no lançamento de várias alternativas às matérias -primas sintéticas não sustentáveis, recorrendo à química verde. Porém grande parte dessas alternativas é mais cara, o que entra em conflito com a definição de sustentabilidade. Richard Blackburn, cofundador e diretor da Keracol Limited – empresa nascida na Universidade de Leeds e que está por trás da marca de cosméticos sustentáveis Dr. Craft – acredita que, com avanços tecnológicos adequados, será possível substituir todos os ingredientes não sustentáveis de um produto cosmético por matérias-primas bio-based. No entanto, segundo ele, a verdadeira questão é: Podemos fazer isso de forma econômica e acessível? Para resolver essa questão, ele sugere que a indústria deva considerar as enormes quantidades de resíduos que derivam da indústria alimentar, por exemplo, borras de café, caroço de abacate, cascas de uva e tangerina, farelo de trigo e palha de milho, entre outros, e pensar em como estes poderiam ser valorizados e utilizados em formulações cosméticas.11 Esta pode ser uma das grandes estratégias a ser utilizada, mas pesquisadores, fornecedores de matérias-primas e formuladores precisarão trabalhar sinergicamente para desenvolver e expandir essa nova área.

Formulações
No que diz respeito à formulação propriamente dita, várias são as estratégias que têm vindo a ser utilizadas, as quais vão desde uma seleção criteriosa dos ingredientes até a comercialização de fórmulas inovadoras. A Garnier, por exemplo, para além de apostar na incorporação de ingredientes de origem natural às suas fórmulas, decidiu inovar na forma dos seus produtos comercializando shampoos sólidos ecológicos (94% de origem natural e 97% biodegradáveis) que são mais econômicos e duradouros que os convencionais (em consumo, equivalem a quase 2 embalagens de shampoos convencionais), promovendo estratégias de minimização do desperdício. Quanto à seleção de matérias-primas, a Garnier aposta em fontes solidárias, incluindo cera de abelha da África do Sul, mel de acácia proveniente da Hungria, Aloe vera proveniente do México e óleo de calêndula proveniente da França, contribuindo assim para a economia circular.12 Outro exemplo interessante e que influencia a fase de uso pelos consumidores é o da Procter & Gamble, e das espumas condicionadoras de cabelo da sua marca Pantene, que são descritas como “water-efficient products”. Essas espumas permitem realizar um enxaguamento 50% mais rápido em relação aos condicionadores em creme. Assim, a cada semana, cada consumidor pode reduzir até 15 litros o consumo de água utilizada no enxaguamento, tudo graças à diferente formulação utilizada.13

 

Práticas de Produção Sustentável

As estratégias recomendadas e mais utilizadas por empresas que estão gradualmente a adotar o conceito de sustentabilidade nas suas práticas de produção incluem: mudança das fontes de energia para solar ou eólica; captação de água da chuva; redução da temperatura durante a fabricação do produto; otimização dos procedimentos de limpeza, com o objetivo de utilizar menos água durante a lavagem e/ou de reduzir a sua temperatura; medidas de isolamento de edifícios para reduzir o consumo de energia para climatização (aquecimento ou arrefecimento); otimização do planejamento de produção (sequência de lotes produzidos com o mesmo equipamento); e substituição de equipamentos antigos por novos aparelhos elétricos eficientes em termos energéticos. A adoção desse tipo de estratégias ajuda as empresas a reduzirem o consumo de água e energia, bem como as emissões de resíduos, de forma a reduzir a pegada ambiental de carbono e de água.5

As empresas L’Oréal, Shiseido, Johnson & Johnson, P&G, Unilever, Aveda, Amore Pacific, entre outras, podem ser referidas como empresas que tentam adotar estratégias de fabricação sustentáveis para reduzir o impacto ambiental das suas práticas. Por exemplo, em 2019, o grupo L’Oréal foi reconhecido como Global Compact LEAD, por lançar o programa designado “L’Oréal for the Future”, que está assentado em três grandes pilares:

a) - A transformação da empresa deve respeitar os limites do planeta.

b) - Promoção da capacitação do ecossistema empresarial, ajudando-o na transição para um mundo mais sustentável.

c) - Contribuição para a resolução dos desafios que o mundo enfrenta, apoiando necessidades ambientais e sociais urgentes.

Quanto ao pilar (a) a L’Oréal definiu objetivos muito claros quanto à utilização dos recursos naturais, apostando no combate às alterações climáticas (até 2030 vai reduzir 50% das emissões de gases de efeito de estufa para cada produto final, contribuindo para manter o aumento da temperatura global em 1,5°C acima dos níveis pré-industriais), em uma gestão sustentável do consumo de água (incluindo a própria empresa, os fornecedores e os consumidores), no respeito pela biodiversidade (até 2030 nenhuma das matérias-primas utilizadas pelo grupo estará ligada à desflorestação) e ainda está apostando na preservação dos recursos naturais (implementando soluções que permitam a reciclagem e que promovam o desenvolvimento da economia circular).

Quanto ao pilar (b), a L’Oréal acredita que é responsabilidade da empresa envolver os consumidores, os fornecedores e as comunidades que operam no processo de transformação, ajudando-os a transitar para um mundo mais sustentável – definindo para o evento, objetivos quantificáveis.

No que diz respeito ao pilar (c), a L’Oréal alocou, para esse projeto, 150 milhões de euros para abordar alguns dos atuais e mais prementes desafios ambientais e sociais, promovendo programas para apoiar mulheres em situações de vulnerabilidade extrema, para contribuir para a regeneração da natureza e para promover a economia circular.14

Tal como a L’Oréal existem outras empresas que estão a investir na implementação de programas sustentáveis de grande relevância. E não nos devemos nos esquecer de que o mais pequeno gesto pode fazer a diferença, sendo esperado que as mais diversas empresas da área (desde as micro até as macroempresas) sigam esses exemplos e comecem a expandir e a modificar as práticas.

 

As Embalagens e o seu Destino Pós-uso

As embalagens servem para proteger e manter a qualidade da formulação e, em alguns casos, podem também proporcionar a correta aplicação do produto, e, sem dúvida, são um elemento muito importante de comunicação com o consumidor. Atender a essas caraterísticas e melhorar os aspectos de sustentabilidade das embalagens tem sido um desafio ao qual as empresas mais conscientes têm dado bastante atenção.

Os principais aspectos a considerar relativamente à sustentabilidade das embalagens são os tipos de materiais nelas utilizados, a quantidade de material utilizada e a comunicação que é feita pela marca de modo a encorajar boas práticas de reutilização ou o descarte.

A maior parte dos produtos cosméticos que utilizamos na nossa rotina encontram-se em um recipiente de plástico.15 De fato, o plástico é um material leve, resistente e flexível, que garante a estabilidade do produto, o que o torna difícil de substituir, levando-se em conta as expectativas atuais do mercado. No entanto, o plástico é considerado um inimigo ambiental pela poluição que gera e porque ameaça a biodiversidade.

As empresas que se preocupam com esse aspecto da sustentabilidade procuram utilizar alternativas a esse material, que vão desde biopolímeros ou plásticos à base de plantas até materiais naturais, como o bambu e a fibra de madeira.

Embalagens à base de materiais biodegradáveis ou compostáveis são cada vez mais uma tendência, pois permitem uma reciclagem natural sem a necessidade de mais recursos.16,17 A empresa Sulapac desenvolveu embalagens compostáveis que já são utilizadas por algumas marcas de cosméticos.18 Essas embalagens são feitas com lascas de madeira certificação Forest Stewardship Council (FSC) e com aglutinantes naturais, tratando-se de um material 100% biodegradável e sem microplásticos. Apesar de esse material ser bastante flexível, pelo que pode ser fabricado em diferentes formatos e tamanhos, o portfólio atual da marca baseia-se em frascos rígidos, sendo que o foco será evoluir para uma maior oferta.19

Ainda assim, não podemos nos esquecer de que, para que ocorra esse tipo de reciclagem orgânica, são necessárias condições específicas, como as encontradas em um sistema de compostagem industrial. Sendo este um processo ainda pouco explorado em certos países, a legislação tende também a evoluir nesse sentido, tornando obrigatória a existência de redes de coleta de biorresíduos.20 Assim, as embalagens feitas com materiais biodegradáveis ou compostáveis são uma abordagem interessante para o futuro.

Não só o tipo de material utilizado é importante para a sustentabilidade da embalagem, mas também a quantidade desse material que é utilizada. Esse assunto tem sido pesquisado por algumas empresas, como a Beiersdorf, tornando possível a criação de embalagens com redução de 50% da quantidade de plástico utilizada em relação às convencionais.21 Outra estratégia interessante, utilizada pela marca francesa Caudalie para reduzir a quantidade de material usado na embalagem, foi a eliminação de folhetos com as informações do produto, que passaram a ser impressas no interior da própria embalagem, o que permitiu economizar 7,6 toneladas de papel.22

Outra medida eficaz para a diminuição da pegada ecológica é a reutilização das embalagens. Algumas marcas já comercializam algumas categorias de cosméticos com a possibilidade de refill, cujo acondicionamento utiliza menos quantidade de material e rentabiliza o transporte em termos de peso e espaço.23,24 Esses sistemas de recarga acabam por trazer benefícios à empresa, como maior fidelização do cliente, maior percepção de valor acrescentado por parte do cliente e menores custos nas embalagens.

Mas, para que esses sistemas tenham sucesso, é necessário que garantam a manutenção da qualidade do produto. No entanto, esse procedimento tem que ser muito bem controlado para garantir a segurança do produto.

De fato, as empresas têm um papel extremamente importante nas práticas de pós-consumo ambientalmente responsáveis, por meio da escolha do material da embalagem, peso, tamanho e rotulagem, e até de iniciativas para aumentar sua reciclagem. Em 2006, a marca brasileira O Boticário criou o programa “Boti Recicla” que é atualmente o maior programa de reciclagem de embalagens do Brasil.25 Embalagens vazias de cosméticos de qualquer marca são levadas por consumidores até aos pontos de colheita existentes nas lojas O Boticário, de onde seguem para a reciclagem, por meio da qual são transformados em materiais que serão usados em outros setores da empresa, por exemplo, em material para formar paredes, piso e tetos das lojas da marca. Em 2021, O Boticário quer reforçar a mensagem “Boti Recicla – você retorna, Boti Recicla e transforma”, fazendo com que esse programa também tenha um impacto social positivo. De acordo com a empresa, parte do plástico reciclado será utilizado no desenvolvimento de espaços pedagógicos que servirão como bibliotecas, laboratórios ou salas de artes em 15 escolas públicas do Brasil.26 A Henkel também alia as preocupações ao nível dos materiais de embalagem a um projeto social, o “Social Plastic”, que contribui para a economia circular.

Essa iniciativa permite reduzir os resíduos plásticos nos oceanos e melhorar as condições de vida de populações desfavorecidas. Para além disso, o plástico recolhido é reciclado e utilizado como material de embalagens de produtos da marca.27

 

As Ferramentas de Avaliação como Instrumentos para a Sustentabilidade da Indústria Cosmética

Todas as estratégias já descritas neste artigo fazem parte do caminho em direção à sustentabilidade da indústria, mas, ao longo desse percurso, é essencial refletir sobre ele e avaliá-lo. As métricas de sustentabilidade consistem na definição de indicadores e na utilização de ferramentas específicas para medir, monitorizar e avaliar os potenciais impactos ambientais, sociais e econômicos dos produtos, de modo a alcançar os objetivos com sucesso.

A avaliação da sustentabilidade deve ser considerada logo na fase inicial de desenvolvimento do produto, para que se possam prever problemas e tomar ações para solucioná-los. Várias ferramentas de avaliação ambiental são utilizadas, como a Avaliação de Risco Ambiental (Environmental Risk Assessment – ERA) e o Sistema de Gestão Ambiental (Environmental Management System – EMS).5 No entanto, a Avaliação do Ciclo de Vida (Life Cycle Assessment - LCA) é a ferramenta mais utilizada, pois leva em consideração o impacto do produto em todas as fases da sua vida, de forma interdependente, e tem o potencial de incluir, para além dos aspectos ambientais, os econômicos e sociais.

Muitas empresas da indústria cosmética já fazem os seus relatórios de sustentabilidade e utilizam as suas próprias ferramentas para medir aspectos de sustentabilidade. Em 2017, a L’Oreál desenvolveu uma ferramenta para medir o progresso relativo à sustentabilidade ambiental e social dos seus produtos, a Sustainable Product Optimisation Tool (SPOT). A SPOT é baseada em uma abordagem de análise do ciclo de vida de determinado produto e, para além de medir os impactos causados por esse produto, abre oportunidades para melhorar o seu desempenho em relação à sua sustentabilidade e partilhar essas informações com os consumidores de forma transparente. A ferramenta utiliza 14 critérios de sustentabilidade (Tabela 1), que são aplicados em todo o ciclo de vida do produto, e permite a simulação de diversos cenários durante o desenvolvimento do produto, para avaliar o seu impacto no meio ambiente e na sociedade. Além disso, a ferramenta inclui uma avaliação quantitativa das melhorias que são obtidas em quatro áreas-chave: proporção de ingredientes renováveis obtidos de forma sustentável ou derivados da química verde; pegada ambiental da formulação; embalagem; e benefício social do produto.28 Desde a implementação dessa ferramenta, todos os produtos novos ou reformulados são avaliados e, em 2019, 85% deles obtiveram melhor resultado na avaliação SPOT.29

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A sustentabilidade é, de fato, um percurso e a L’Oréal continua a desenvolver ferramentas de avaliação para melhorar a conformidade dos seus produtos nesse nível. Em conjunto com a empresa de consultoria em sustentabilidade Quantis, a L’Oréal fundou a Sustainable Packaging Initiative for CosmEtics (SPICE), que, em julho de 2020, lançou uma nova ferramenta capaz de auxiliar as empresas na avaliação do impacto ambiental causado pelas suas embalagens. Essa ferramenta avalia, de forma integrada, o impacto em todas as fases do ciclo de vida da embalagem de um produto, considerando 16 fatores de impacto ambiental (Tabela 1).30,31 “Ao disponibilizar publicamente esta ferramenta, A SPICE ajuda toda a indústria a evoluir, atraindo todos para projetar o futuro das embalagens sustentáveis; não apenas fornecendo uma ferramenta inovadora de eco-design, mas também mostrando que a cooperação é a forma mais eficaz de avançar”, garante Patrick O’Quin, presidente da Fédération des Entreprises de la Beauté (Febea), um membro associado a essa iniciativa.32

Em outra vertente, as empresas da marca Estée Lauder lançaram o programa “Green Score”, em 2020, que fornece um método quantificável para os formuladores avaliarem as suas escolhas ao nível da formulação, tendo como base princípios da química verde. Desde então, todos os ingredientes ativos e as fórmulas da Estée Lauder receberam uma pontuação verde. Segundo esse princípio, o objetivo não é apenas combinar ingredientes individuais com base nas suas pontuações verdes, mas também considerar as interações que ocorrem entre esses ingredientes.33

A academia também tem contribuído para o desenvolvimento de instrumentos com vista à implementação de políticas de sustentabilidade. Por exemplo, o nosso grupo de pesquisa estudou detalhadamente os fatores a serem considerados na avaliação da sustentabilidade e do impacto percentual de cada um deles em cada etapa do ciclo de vida do produto. A análise incluiu várias classes de ingredientes, como emolientes, emulsificantes, condicionadores de cabelo, polímeros, solventes, conservantes, fragrâncias, corantes, filtros UV, tampões de pH, agentes quelantes e esfoliantes. Para além disso, a análise considerou vários fatores relacionados com o método de produção, o material da embalagem, a distribuição e as práticas pós-consumo. Assim, foi possível desenvolver uma ferramenta promissora e que auxilia os formuladores de cosméticos, na fase inicial de pesquisa, a tomar as decisões mais adequadas em termos de sustentabilidade e, consequentemente, a reduzir o impacto dos seus produtos e suas práticas.6

 

Conclusões

Ao longo deste artigo, é notório que as empresas de cosméticos estão a ganhar cada vez mais consciência do impacto que os seus produtos e suas práticas têm no meio ambiente e na sociedade. A título de exemplo, nele são apresentadas e discutidas várias estratégias e/ou metas que tanto micro e macroempresas têm adotado. De forma geral, e para que exista uma transformação sustentável, a indústria cosmética deve definir objetivos realistas e trabalhar neles, garantindo sempre a funcionalidade dos seus produtos, incorporando ingredientes de origem mais sustentável, processos e embalagens mais ecológicas, sem esquecer o papel importante que têm na comunicação de práticas de uso e descarte corretas aos consumidores. A verdade é que o futuro dos cosméticos depende de abordagens mais sustentáveis e, embora uma revolução ecológica não aconteça de um dia para o outro, cada esforço para a sustentabilidade é um enorme passo em direção a um futuro melhor.

 

 

Joana Filipa Ramos Jorge é mestre em Ciências Farmacêuticas (2018) e pós-graduada em Cosmetologia Avançada (2020), pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Durante o seu percurso acadêmico, realizou estudos sobre a sustentabilidade na indústria cosmética. Atualmente é farmacêutica comunitária com grande interesse pela área de dermocosmética.
Sara Castanheira Rodrigues Marques Bom é licenciada em Engenharia Biotecnológica (2015) e mestre em Ciências Biofarmacêuticas (2018). Como suas contribuições acadêmicas, destacam-se estudos na área da sustentabilidade de produtos cosméticos, incluindo o desenvolvimento de ferramentas analíticas e a formulação de produtos verdes e sustentáveis.
Helena Margarida Ribeiro é professora associada com agregação na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Tem várias dezenas de artigos, capítulos de livros, patentes e comunicações publicados. Foi contemplada com diversos prêmios nacionais e internacionais no âmbito da pesquisa científica e da prestação de serviços à comunidade.
Joana Marques Marto é professora auxiliar na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. Desde cedo, colocou, no cerne da sua pesquisa científica, questões da área do desenvolvimento e da caracterização de cosméticos sustentáveis, transpondo para a prática (mercado) o conhecimento fundamental. Tem várias dezenas de artigos, capítulos de livros, patentes e comunicações publicados.

 

 

Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Brasil), 33(4): 14-20, 2021.