COP28 - Avanços, retrocessos e uma proposta de plebiscito para o Brasil da OPEP+
publicado em 11/12/2023 por Luiz Ricardo Marinello
Segurança Alimentar
Transição Energética
Posicionamento do Brasil
Conclusões
“O mundo está bem melhor do que há cem anos atrás, dizem (...)
Tantos passos adiante, apenas alguns atrás
Arnaldo Antunes
Cidade reluzente que é Dubai, rica, capital dos Emirados Árabes Unidos e com gente hospitaleira. As maravilhas que os afortunados do petróleo podem produzir.
Dubai, como é notório, está sediando o vigésimo oitavo encontro das partes, em momento decisivo para o planeta, que tem dado sinais, muito claros, de pressão, que tem levado ao caos ambiental, nos mais diversos cantos.
Em 1992, como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro (ECO92), foi desenvolvida e assinada pelos países presentes, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). A Convenção Clima, como é conhecida, obrigou com que os países signatários se reunissem anualmente, para deliberarem sobre as medidas que estavam sendo tomadas, para um melhor controle do clima, de forma global.
Dada a piora do cenário, os países, por ocasião da COP21, ocorrida em Paris, deliberaram sobre aquele que ficou conhecido como Acordo de Paris, momento muito relevante, dado que as partes resolveram estipular metas de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE), chamadas de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). Anualmente o IPCC1 (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) tem apurado a evolução (ou involução) dos países em relação as metas de controle dos gases de efeito estufa, que tem provocado as alterações climáticas.
Os resultados da última apuração foram frustrantes. Indicadores claros de que os países não estão conseguindo adotar medidas necessárias para alcançar a sonhada meta de limitar o aumento da temperatura global em 1,5° (desde os tempos pré-industriais).
Diversas são as razões, mas, a principal delas, parece ser a insistência do ser humano em desafiar a ciência e empurrar para debaixo do tapete um problema que esta geração já vem sentido, mas, para a próxima, pode se tornar insuportável.2 Ações imediatas devem ser adotadas.
Faremos um apanhado, de forma concisa, levando em conta as discussões sobre os seguintes temas: segurança alimentar, transição energética e posicionamento do Brasil.
Segurança Alimentar
Lançada em Dubai a declaração dos EAU sobre agricultura sustentável, sistemas alimentares resilientes e ação climática, tendo sido assinada por 134 países (inclusive Brasil).
Os países se comprometem, através deste novo acordo a buscar inovações escaláveis, para que as pessoas possam manter seus hábitos e tradições alimentares, ao tempo em que consomem um alimento mais sustentável, que não demande tantos recursos como água e terra, para serem produzidos e, também, com menor emissão de gases poluentes.
O Acordo prevê objetivos que envolvem a busca pela escala de melhor adaptação e resiliência do meio utilizado, apoio financeiro técnico, estímulo à P&D, ciência e inovação baseada em evidências, maior sistema de proteção para mulheres, crianças, povos indígenas e pequenos agricultores, conexão mais clara entre as NDCs e a agricultura, financiamento público, filantrópico e privado, estímulo ao comércio justo, não discriminatório, aberto, transparente.
Um passo foi dado, no entanto, o dia seguinte é que demonstra se os países apenas ficarão na boa vontade, ou transformarão o Acordo, internamente, em ações concretas.
Existe aqui um desafio gigantesco e espinhoso.
A alteração do mindset de agricultores, passa por mudança de hábito e demanda da sociedade e aqui é de se observar um enorme receio de quebra de cultura milenar ou, simplesmente, protecionismo.
Um exemplo é a atualíssima discussão envolvendo carne cultivada.3
Alguns países, ciosos de sua responsabilidade com o meio ambiente e, mais do que isso, colaborando com as próximas gerações, em razão da insegurança alimentar versus a população crescente, tem apoiado e incentivado o tema. Outros, no entanto, como é o exemplo da Itália, que justifica proteção aos seus agricultores, seu modo de vida e sua cultura, tem barrado o avanço científico no tema.
A Itália é um país conhecido por suas indicações geográficas, não apenas para as regiões vinícolas, mas também de queijo, presunto e outras iguarias. Não há como fechar os olhos para o dilema aqui presente, ou seja, como estimular formas inovadoras de alimentação, sem que se afete a cultura local? Diversos são os países que criam uma espécie de soft power,4 pela sua cultura e hábitos alimentares, no entanto, a balança vem pesando demais para os riscos do planeta, caso não seja adotada nenhuma ação mais efetiva.
Ainda sobre as ações necessárias versus cultura presente, parece ser ofensivo ao povo do sul (sejam brasileiros, argentinos ou uruguaios) que possam experimentar outro tipo de hábito, diferente do seu churrasco – mais uma vez não se trata apenas de hábito alimentar, mas de cultura enraizada.
Não adianta, todavia, que os países se reúnam, para discutir um novo Acordo voltado a alimentação equilibrando o meio-ambiente, se a sociedade não tentar alterar, pelo menos um pouco, seus hábitos alimentares. Será mais um documento, dentre tantos, que foram discutidos, elaborados, assinados e que se tornaram sem nenhum efeito prático.
Transição Energética
Questão dilemática e curiosa, que o evento, contando este ano com mais de 90.000 inscritos, tenha sido realizado no berço do petróleo, que, sabemos todos, é uma fonte de energia fóssil e que contribui decisivamente para a emissão dos GEE na atmosfera.
Países que formam o bloco da OPEP possuem legitimidade para discutir transição energética? Não haveria aqui um conflito de interesses escancarado? E mais, como é possível que um país que depende (e sempre dependeu) do petróleo, defenda de alguma maneira o seu fim?
Estas eram perguntas que já vinham sendo feitas, nos quatro cantos do mundo, quando houve a decisão de Dubai sediar esta Conferência. Não existem respostas óbvias, mesmo porque, seja nos países árabes ou em outros que sejam exportadores de petróleo, há todo uma estrutura de fornecimento, com milhares de empregos, que dependem diretamente da atividade.
Sultan Al Jaber, que também é o Presidente da COP28, quando confrontado, em novembro, ironizou a possibilidade discutir a eliminação gradual dos combustíveis fósseis a possibilidade de uma “volta a era das cavernas”, além de afirmar que não há ciência indicando a necessidade de eliminar os combustíveis fósseis, para limitar o aquecimento global a 1,5°C.
Mas, um enorme desafio e, talvez, o maior de todos é, como enfrentar as mudanças climáticas, investindo em fontes mais limpas, se não há boa-vontade dos países em, ao menos, sentar e definir um deadline para a redução gradual dos combustíveis fósseis? COP está finalizando e este ponto é um dos que mais chama a atenção, pelo fato de que não há avanço nas negociações que refletirão no “Global Stocktage".5
Além da vontade política, a transição energética necessita, também de tecnologias adequadas e fontes de financiamento.
A tecnologia desenvolvida pode e deve ser transferida e disseminada entre os países. Neste sentido a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, de longa data, já definiu o “Wipo Green”,6 que apoia os esforços globais para enfrentar as mudanças climáticas e a segurança alimentar, por meio do compartilhamento de inovações tecnológicas sustentáveis, ou seja, uma espécie de hub onde tecnologias verdes estão disponíveis para que sejam transferidas.
Ainda que haja tecnologia adequada, para substituir combustíveis fósseis, é necessário um investimento condizente com a mudança, o que requer muito esforço financeiro, tanto para adaptação tecnológica como para os impactos sociais que uma mudança desta envergadura representa.
O mercado financeiro já vem disponibilizando fontes de financiamento possíveis (públicas e privadas), inclusive de Family offices, que passam a olhar com maior simpatia o investimento em projetos que buscam equilibrar o impacto das mudanças climáticas.
Neste sentido, o mercado de carbono vem se desenvolvendo gradativamente, inclusive o mercado voluntário. Chamou a atenção o investimento realizado pela Microsoft, nesta semana, por compra de créditos de carbono da empresa brasileira Mombak, no sentido de cultivar mais de 30 milhões de árvores no estado do Pará, na bacia amazônica e fazem parte do plano da gigante americana de se tornar negativa em carbono até 2030.
Posicionamento do Brasil
Com uma comitiva bastante representativa, o Brasil partiu para Dubai com a missão de se tornar, o líder global da busca pelo equilíbrio climático.
De fato, passos largos foram dados neste sentido, ainda que o posicionamento dúbio, em relação a exploração de petróleo, junto a costa amazônica, represente nítido constrangimento para o país.
Dentre algumas boas iniciativas brasileiras na COP, vale a pena destacar duas delas: a) o Projeto Arco da Restauração e b) a iniciativa para a criação do FFTS (Fundo Floresta Tropical para Sempre).
O projeto “Arco da Restauração” é de iniciativa do SPA (Painel Científico para a Amazônia), que é formado por mais de 200 cientistas e pesquisadores dos oito países amazônicos, sob a liderança do Professor Carlos Nobre.
Trata-se de um projeto bastante ambicioso e que visa realizar uma restauração ecológica (que vai além de plantação de mudas, mas geração de produtos, com potencial de mercado)7 em um quarto dos 2 milhões de quilômetros quadrados desmatados do bioma amazônico, através de ações focadas em duas grandes regiões (arcos) – a primeira no sul da Amazonia e a segunda ao longo dos Andes.
Por ocasião da COP28, foi anunciado que o BNDES será um dos financiadores do projeto, o que pode motivar a entrada de outros parceiros.
O FFTS, por sua vez, possui o objetivo de captar 250 bilhões de dólares de fundos soberanos, para que financiem a conservação de florestas em 80 países, sem que haja, inicialmente, valores específicos para cada uma das nações envolvidas.
A proposta está aberta para a adesão de alguns países, que ainda não se manifestaram positivamente, como é o caso do Congo e Colômbia. Aliás, Colômbia aponta no horizonte como um grande país “contraponto” para as intenções petrolíferas brasileiras.
Na “pré-cop” que o Brasil realizou em Belém, em agosto de 2023, chamando de Diálogos Amazônicos, Colômbia já deixou claro seu posicionamento de que não havia coerência no discurso do Brasil, visto que não dava sinais claros de romper o investimento em combustíveis fósseis.
Este é o ponto mais antagônico do país, pois tem defendido o combate ao desmatamento (e com ótimos resultados, tendo conseguido uma diminuição de 22% nos últimos meses), mas, ao mesmo tempo, não consegue se comprometer na diminuição de combustíveis fósseis. Aliás, a sinalização, em plena COP28 foi contrária. O Brasil tomou a decisão de aderir a OPEP plus, ou seja, uma espécie de extensão do clube dos principais países exportadores de petróleo.
No mesmo sentido, logo após o encerramento da COP haverá um megaleilão da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), que possui como objetivo distribuir 602 novas áreas de exploração, incluindo 21 blocos na bacia do Amazonas. Nota-se que mais da metade destes blocos está localizada na área de impacto direto de pelo menos 20 terras indígenas.
A questão aqui é tão importante que se sobrepõe ao interesse deste ou do próximo governo, independentemente de ser do mesmo partido.
Assim, parece fazer sentido que haja uma consulta pública específica, através dos instrumentos do plebiscito ou referendo,8 se o país deve continuar abrindo concorrência para ofertar novos blocos para exploração de petróleo ou não.
Conclusões
O Encontro das Partes, seja ele anual (com foco em mudanças climáticas) ou bienal (com foco em conservação da biodiversidade) continua sendo muito relevante, para que os países evoluam e se conscientizem da importância de avanço na agenda, notadamente em momento em que os efeitos do carbono estão se tornando insustentáveis.
A COP28 obteve resultados positivos, notadamente trazendo o tema da agricultura mais próximo das NDCs, mas tornou mais evidente a dificuldade de determinados países em aceitar que é fundamental uma agenda com prazos claros, no sentido de desacelerar a produção de combustíveis fósseis.
Em relação ao Brasil, houve uma significativa melhora do seu posicionamento, se comparada a COP anterior, com ótimas iniciativas e com boas perspectivas de negócios. No que diz respeito a sua adesão a OPEP+ e iniciativas para exploração de novos blocos, sugerimos a escuta, não apenas dos povos e comunidades que podem ser afetados, mas também de toda população, por meio dos instrumentos previstos na Constituição Federal (plebiscito ou referendo).
1 Grupo de cientistas indicados pela ONU para monitorar e assessorar toda a ciência global relacionada às mudanças climáticas. Os relatórios do IPCC focam em diferentes aspectos das mudanças climáticas.
2 A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 225, define, claramente que o cuidado com o meio ambiente deve ser visto para as presentes e FUTURAS gerações, assim, não é por falta de aviso ou de clareza na legislação, pois a Lei Maior, não deixou nenhuma dúvida sobre a responsabilidade desta geração, em adotar medidas urgentes, para proteger, inclusive, a próxima geração.
3 Mais informações sobre o tema: https://www.migalhas.com.br/depeso/388950/comercializacao-de-carne-cultivada-no-brasil
4 Brilhante estudo conduzido pelos pesquisadores e chefes de cozinha Roberto Smeraldi e Saulo Jennings, explicam o contexto de Soft Power, com gastronomia amazônica - https://amazonia2030.org.br/soft-power-gastronomia-e-amazonia/
5 Balanço Global é uma espécie de apuração previsto no Acordo de Paris, que ocorre a cada cinco anos, com o intuito de garantir que os países sejam mais ambiciosos com as suas ações para alcançarem os objetivos do Acordo.
6 https://www3.wipo.int/wipogreen/en/
7 Este é o um dos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica, ou seja, uso sustentável da floresta, gerando renda aos povos que ali habitam.
8 Lei 9.709/98 e Constituição Federal, artigo 14, I e II.
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