Por que regulamentar a produção artesanal agora

O que a proposta traz de novo: conceito, escopo e limites

Boas práticas mínimas e rotulagem: o básico que não pode faltar

Responsabilidade social e sanitária: o eixo central da proposta

O papel do profissional da indústria: educar, apoiar e orientar

Por que a Consulta Pública é estratégica e por que participar agora

Conclusão: um convite à responsabilidade e à ação

 

 

A Consulta Pública nº 1.353/2025, aberta pela Anvisa, marca um dos movimentos regulatórios mais relevantes dos últimos anos para o setor de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes. Pela primeira vez, a legislação brasileira, por meio da Lei nº 15.154/2025, reconhece oficialmente a produção artesanal de cosméticos, dispensando o registro para esses produtos e estabelecendo a possibilidade de regras simplificadas para sua fabricação e comercialização.

No entanto, simplificação não significa ausência de controle. A nova lei não afasta a vigilância sanitária, apenas desloca o foco para um modelo mais proporcional à realidade do pequeno produtor. É neste contexto que a Anvisa publica a proposta de Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) e de Instrução Normativa (IN) que estão em consulta pública, com o objetivo de definir o que é produção artesanal, quais produtos poderão ser enquadrados nesse regime e quais requisitos mínimos devem ser seguidos para proteger a saúde da população.

O prazo para envio de contribuições começou em 13 de outubro de 2025 e se encerra em 26 de novembro de 2025. Ou seja, o setor tem uma janela de tempo definida e relativamente curta para se manifestar, propor ajustes, apontar riscos e aperfeiçoar o texto que, em breve, poderá se transformar em norma definitiva.

 

Por que regulamentar a produção artesanal agora

O relatório de Análise de Impacto Regulatório (AIR), elaborado pela Gerência-Geral de Cosméticos e Saneantes (GGCOS), deixa claro o problema que motivou o processo: a ocorrência de consequências negativas decorrentes da informalidade da produção artesanal de cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes no Brasil.

Nos últimos anos, o país observou um crescimento expressivo de pequenos produtores, muitos atuando em feiras, redes sociais, plataformas digitais e na economia local, somado à explosão de cursos de formulação artesanal. Esse movimento tem uma dimensão positiva inegável: gera renda, fomenta empreendedorismo, promove inclusão e, em muitos casos, garante o sustento de famílias inteiras.

Por outro lado, a maior parte dessa produção permanece invisível para o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. A ausência de dados específicos sobre o segmento artesanal é, por si só, um indicador de risco. Não saber onde estão, como produzem e o que efetivamente colocam no mercado significa não conseguir dimensionar a exposição da população a possíveis problemas como contaminação, formulações inadequadas, uso de substâncias proibidas ou comunicação enganosa.

O desafio colocado para a Anvisa é, portanto, duplo. De um lado, a necessidade de preservar e até incentivar a atividade econômica legítima que surgiu em torno dos cosméticos artesanais. De outro, o dever constitucional e legal de proteger a saúde pública, reduzindo os riscos associados a produtos fabricados fora do ambiente industrial tradicional. É esse equilíbrio que a proposta de RDC, agora em consulta, busca materializar.

 

O que a proposta traz de novo: conceito, escopo e limites

A minuta de RDC em discussão regulamenta a Lei nº 15.154/2025 e estabelece requisitos técnicos e procedimentos simplificados para produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes produzidos de maneira artesanal.

Entre os pontos centrais, destacam-se:

1. Definição de produto artesanal
Cosmético artesanal é aquele produzido por produtor artesanal, em pequena escala, com processo predominantemente manual, com domínio integral das etapas de fabricação, e com perfil de baixo risco inerente e baixo risco microbiológico. Isso significa que o produtor precisa conhecer a formulação, selecionar as matérias-primas, conduzir o processo, envasar e rotular, sem depender de uma estrutura industrial complexa ou de testes laboratoriais sofisticados.

2. Critérios de baixo risco
Para ser considerado artesanal, o produto deve atender cumulativamente a alguns parâmetros. Entre eles, não pode ser destinado a áreas sensíveis como olhos, mucosas e face, nem ao público infantil, gestantes ou idosos. Deve ter formulação simples, com número limitado de ingredientes, histórico de uso seguro e sem necessidade de testes complexos de segurança ou eficácia. Não se admite o uso de substâncias proibidas ou fora das condições estabelecidas nas listas de ingredientes da Anvisa.

3. Controle microbiológico simplificado
A proposta restringe a produção artesanal a produtos com baixo risco de contaminação, como formulações anidras, de baixa atividade de água ou com alta concentração de álcool que funcione como autopreservante. O objetivo é evitar que, em ambientes sem controle microbiológico robusto, se fabriquem produtos suscetíveis à proliferação de microrganismos.

4. Limites de escopo
Não será considerado artesanal aquilo que, pela complexidade, escala ou risco, se aproxime da produção industrial. A proposta deixa claro que não se trata de uma porta paralela para empresas que desejam evitar o regime de registro ou notificação. Produtos com alegações que exigem comprovação científica, sistemas conservantes sofisticados ou uso em populações vulneráveis deverão continuar seguindo as regras da indústria tradicional.

 

Boas práticas mínimas e rotulagem: o básico que não pode faltar

Mesmo em um regime simplificado, a segurança não é opcional. A minuta estabelece um conjunto de boas práticas mínimas para o produtor artesanal, incluindo higiene pessoal, limpeza de instalações e utensílios, organização de matérias-primas, proteção contra pragas e descarte de materiais contaminados.

O manipulador deve manter vestuário limpo, higienizar as mãos, utilizar proteção para os cabelos e se afastar da produção em caso de lesões que possam comprometer a qualidade do produto. As matérias-primas devem permanecer em suas embalagens originais, com rótulo preservado, e respeitar integralmente o prazo de validade determinado pelo fabricante.

A rotulagem dos produtos artesanais deve conter, no mínimo:

     - nome do produto

     - marca, se houver

     - contato do produtor artesanal

     - composição qualitativa

     - data de fabricação e prazo de validade

     - indicação clara de que se trata de PRODUTO ARTESANAL

Além disso, a proposta veda a inclusão de alegações que demandem comprovação por meio de testes ou que não sejam compatíveis com o perfil de baixo risco desses produtos. A Anvisa ainda deverá publicar, em Instrução Normativa, exemplos de alegações permitidas e precauções e advertências obrigatórias para rotulagem de cosméticos artesanais.

 

Responsabilidade social e sanitária: o eixo central da proposta

O voto da Diretoria Colegiada ressalta que o objetivo geral da regulamentação é promover a formalização do setor, garantindo a segurança sanitária dos produtos sem prejudicar o desenvolvimento socioeconômico da atividade artesanal.

O texto reconhece explicitamente que o empreendedorismo artesanal tem papel importante na geração de ocupação e renda, especialmente em um país com alta taxa de informalidade. Ao mesmo tempo, lembra que produtos sujeitos à vigilância sanitária não podem ser tratados como objetos comuns. São itens de uso direto no corpo, muitas vezes de aplicação diária e prolongada. Erros de formulação, contaminação ou comunicação inadequada podem gerar efeitos adversos, processos judiciais, crises de confiança e repercussões para todo o setor.

A regulamentação proposta pela Anvisa busca, portanto, um ponto de equilíbrio entre inclusão produtiva e proteção da saúde. Ao trazer critérios claros, a Agência reduz a zona cinzenta em que muitos produtores operam hoje. Ao mesmo tempo, admite que a realidade do ateliê, da cozinha adaptada e do pequeno laboratório de bairro é diferente daquela da indústria cosmética estabelecida. Por isso, a solução não é replicar integralmente o modelo industrial, mas desenhar uma resposta regulatória sob medida.

 

O papel do profissional da indústria: educar, apoiar e orientar

Neste cenário, o profissional da indústria cosmética se torna um ator-chave. Químicos, farmacêuticos, engenheiros cosméticos, especialistas regulatórios e consultores possuem conhecimento técnico capaz de transformar a produção artesanal de um risco difuso em uma atividade mais segura e consciente.

Esse papel se expressa em múltiplas frentes:

     - orientar sobre matérias-primas permitidas e restritas

     - explicar os riscos de formulações improvisadas ou copiadas sem critério

     - ajudar a estruturar rotulagem clara, honesta e alinhada à legislação

     - desmistificar promessas exageradas comuns em cursos de “fórmulas milagrosas”

     - apoiar pequenos produtores na compreensão de boas práticas mínimas

Ao aproximar a linguagem industrial da realidade artesanal, o profissional também atua em responsabilidade social. Contribui para reduzir assimetrias de informação, protege o consumidor e ajuda o setor artesanal a se desenvolver sem comprometer a credibilidade de toda a cadeia cosmética.

 

Por que a Consulta Pública é estratégica e por que participar agora

A experiência internacional mapeada no Relatório de AIR mostra que a maioria dos grandes mercados regulatórios não possui um regime específico para cosméticos artesanais. Em muitos países, todos os produtos, sejam industriais ou artesanais, devem cumprir o mesmo conjunto de requisitos. O Brasil, ao criar uma categoria própria com regras simplificadas, adota uma solução inovadora e sensível à realidade socioeconômica local.

Isso torna a Consulta Pública nº 1.353/2025 ainda mais estratégica. O que for definido agora poderá se tornar referência para outras normas futuras e influenciar a maneira como o país enxergará o equilíbrio entre formalização, empreendedorismo e segurança sanitária nos próximos anos.

O prazo para contribuições termina em 26 de novembro de 2025. Até essa data, qualquer pessoa pode enviar sugestões, comentários e críticas por meio do formulário eletrônico disponibilizado no portal da Anvisa. A Agência reforça, inclusive, que todas as contribuições, exceto dados pessoais, são públicas e ficam disponíveis após o encerramento da consulta.

Participar da consulta é mais do que cumprir um rito formal. É exercer, de forma concreta, o princípio da participação social na construção de políticas públicas. Para o setor cosmético, é a chance de ajustar a proposta à realidade técnica, evitar brechas que possam ser mal utilizadas, proteger consumidores e apoiar pequenos produtores em um caminho de maior segurança e transparência.

 

Conclusão: um convite à responsabilidade e à ação

A regulamentação dos cosméticos artesanais não é um movimento contra o pequeno produtor. Ao contrário, é um esforço para tirá-lo da invisibilidade, dar-lhe parâmetros claros e condições mínimas para crescer com segurança.

A Anvisa cumpre seu papel ao propor um marco regulatório simplificado, mas tecnicamente fundamentado. Cabe agora à indústria, aos profissionais, às entidades de classe, às associações de artesãos e à academia ocuparem o espaço da consulta pública, trazendo contribuições qualificadas que tornem a norma mais justa, exequível e protetiva.

O prazo está correndo e termina em 26 de novembro de 2025.
Se você atua no setor, atende microprodutores, fórmula, ensina ou pesquisa, a sua contribuição importa. Este é o momento de ajudar a definir, com responsabilidade social e técnica, os contornos do que será o cosmético artesanal brasileiro nos próximos anos.

O futuro dessa categoria está sendo desenhado agora, linha a linha, artigo a artigo, contribuição a contribuição. E é exatamente aqui que a sua voz pode fazer diferença.




Acesse a nota da Anvisa
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2025/anvisa-publica-consulta-publica-sobre-cosmeticos-artesanais

 

LinkedIn: Débora Moraes da Silva

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