Conclusão

 

A Cosmetologia é uma ciência em constante evolução, porém o enfoque quase sempre se volta para os produtos utilizados em humanos. Poucos são os profissionais que se dedicam ao segmento que envolve a estética animal. Apesar disso, o uso de cosméticos destinados ao tratamento de animais tem crescido a cada ano e merecido a atenção especial de formuladores ligados às indústrias e farmácias de manipulação que, considerando os inúmeros leilões, feiras e exposições de animais, visualizam um mercado crescente e muito promissor. Também no âmbito doméstico, houve o crescimento da demanda de produtos para animais, pois muitos cães e gatos são tratados como "bebês", quanto a alimentação e cuidados, aproximando se do  ser humano e sendo tratados muitas vezes, como “membros da familia".1,2 

Outro fator que devemos considerar, é a variedade de espécies de animais, como caninos, felinos, equinos, bovinos, peixes e pássaros, que apresentam necessidades especificas. Muitas vezes é grande o número de animais de propriedade de um único cliente, considerando-se por exemplo um haras ou um canil. Dessa forma, é grande, em termos de volume, o consumo de produtos cosméticos.3,4

As particularidades entre os animais são inúmeras, pois estes não tomam banho todos os dias, não escolhem seus produtos de limpeza, não reclamam de sua qualidade. Apesar disso, acabam sentindo na pele as consequências do uso de um produto não adequado. 

Existe grande variedade de animais, com diferentes biotipos, tamanho, volume corporal e raça, com necessidades terapêuticas e cosméticas diferentes, além das particularidades entre indivíduos. Devemos conhecer amplamente os pacientes que receberão o produto, sejam eles canídeos, felídeos, herbívoros ruminantes ou mesmo aves, que apresentam diferenças mais marcantes quando comparados aos mamíferos.2-4 Dentre os fatores que interferem na resposta da formulação, temos:4,5 

- Espécie animal: os animais podem ser classificados em carnívoros (como cães e gatos) e herbívoros (como cavalo e coelho).2,4,5 

Cada espécie apresenta suas particularidades e os produtos desenvolvidos deverão considerar as diferenças anatomofisiológicas a fim de se obter respostas satisfatórias. 

- Raça: certas características vinculadas à raça, no caso de cães por exemplo, também podem promover diferentes suscetibilidades do animal a um determinado produto, ocorrendo ou não a eficácia desejada e maior probabilidade de efeitos indesejáveis.2,5 

Existe grande variabilidade de resposta para cada raça de cão e é arriscado extrapolar a resposta de uma para outra, sem o conhecimento prévio do comportamento do organismo animal, frente aos princípios ativos utilizados nas formulações.2

Quando consideramos as características do pelo, sua densidade pode variar nos cães. A hereditariedade é um fator de grande relevância. Alguns cães de pelo curto nunca desenvolvem pelagem intensa para suportar invernos rigorosos e nos seus filhotes esta cresce de forma esparsa. Por outro lado, outros, acostumados ao clima frio, desenvolvem pelagem muito intensa, e dificilmente se acostumam ao calor do verão.5-7 

- Idade: os animais neonatos diferem dos adultos de sua mesma espécie em vários aspectos. Os recém-nascidos também possuem menor capacidade de limitar as perdas de calor, o que os tornam altamente suscetíveis às bruscas diferenças de temperatura e portanto, ficam facilmente resfriados.2 

Os neonatos em geral apresentam deficiência na função enzimática microssomal hepática. Essa limitação quase sempre leva a níveis prolongados da substância ativa no organismo, podendo elevar a sua toxicidade. A função renal neste primeiro período de vida geralmente também é deficiente. Portanto, a eliminação de substâncias ativas se faz mais lentamente, elevando a toxicidade do produto.2 

Outros fatores de caráter transitório, tais como o estado de jejum, alterações na dieta, estados de repouso e fadiga, ciclo menstrual, ciclo estral, gestação, lactação e estados patológicos podem também modificar o efeito dos componentes ativos.2 

O órgão de contato dos animais com o meio externo é a pele, que oferece proteção contra agentes externos, como radiações, calor, frio e infecções. Também oferece proteção mecânica através das camadas cornificadas como unhas, chifres, pelos e cascos. A pele é um regulador da temperatura, pois no frio atua como isolante térmico e no calor facilita sua eliminação. Também serve para secretar suor e sebo; forma a vitamina D a partir do colesterol e da exposição à luz solar; é importante no metabolismo do cálcio e fósforo; serve como estrutura sensorial de frio, calor, dor e tato e também reflete o estado geral do animal, por exemplo se cianótico reflete alteração no aparelho circulatório e respiratório.5,7 

Em termos gerais, a pele de cães e gatos possui diversas diferenças de constituição em relação a do homem, como por exemplo no valor do pH. Nos animais como cães e gatos pode variar entre 5,5e 7,5. Esta característica é muito importante, pois podem ocorrer irritações ao utilizar uma formulação de uso humano oftálmico ou tópico para um animal, se não consideramos a particularidade do valor do pH.2,4,8 

A pele dos animais possui camada lipídica mais espessa e com maior quantidade de pelos que a humana, exigindo cuidados especiais quanto ao brilho e maciez.3 

A principal diferença entre a pele do homem e a dos animais e sua relação epiderme/derme. A humana é muito aderida ao tecido subcutâneo, o que não ocorre com a dos animais. A pele animal apresenta maior elasticidade, favorecendo a aplicação de medicamentos pela via subcutânea, muito utilizada pelos veterinários. Os enxertos de pele são raros em tratamento de feridas e queimaduras nos animais, porque a relação epiderme/derme e a vascularização da pele não são apropriadas.8 

O estado da pele dos animais pode ser um indicador de muitas doenças e desordens orgânicas. Dentre estas, as que mais ocorrem em cães e gatos são as dermatites parasitárias e, também, as dermatites alérgicas e fúngicas ou micóticas. Para evitar sua transmissão, deve-se tomar alguns cuidados na higiene e alimentação dos animais, além de visitas periódicas ao veterinário.1-7 

Os cães reagem rapidamente às condições desfavoráveis como sujeira, banhos sucessivos, uso de sabões e desinfetantes agressivos durante o banho, e ao aqueci mento excessivo do ambiente, como calefação.7 

Outro problema comum a cães de pelo curto é a caspa, visualizada normalmente sob a forma de escamas secas, embora possa ocorrer como escamas pegajosas em cães de raça de pelo longo. Recomenda-se manter a higiene da pele e utilizar medicamentos adequados. Pode-se utilizar óleo de coco para a pele na forma de escamas secas e para as pegajosas, álcool etílico.7 

Embora a queda de pelos de cães e gatos possa parecer anormal, não é motivo de preocupação maior, a não ser que ocorram falhas na pelagem. Este fenômeno pode ocorrer por variações normais da muda e é dependente da raça do animal. Geralmente têm curvas sazonais, mas pode ser contínua durante o ano inteiro.5 

Outras doenças que podem ocorrer ns cães são: alopecia, observada em diferentes partes do corpo, principalmente em cães velhos, podendo ser ocasionada por vermes ou diabetes insípida; anormalidades sexuais; urticária; eritema; eczema, muito comum em cães domésticos e de difícil eliminação; acne, inflamação da glândula sebácea com inchaço e formação de pus que envolve normalmente o folículo piloso, dentre outras. 

Os cães transpiram principalmente em áreas restritas do corpo e não apenas nas patas traseiras, através das glândulas sudoríparas que estão relacionadas coma regulação da temperatura corporal, similarmente a outros animais. As glândulas sebáceas, que secretam o sebo em cães, são bem desenvolvidas e uniformemente distribuídas e sua atividade mantém a pele flexível.6,9 

Considerando-se a anatomofisiologia canina, abaixo do ânus dos cães existem duas glândulas, as anais, que normalmente eliminam um líquido pouco viscoso de odor desagradável, quando se sentem amedrontados. Estas glândulas frequentemente contêm um líquido denso e pútrido, o que as tornam de maior tamanho e causam desconforto para os animais, que tentam eliminá-lo arrastando o quadril pelo chão. 

Considerando-se o produto de secreção destas glândulas, os produtos cosméticos utilizados poder minimizar o problema do nau odor ocasionado. 

A seborreia canina é um fenômeno muito comum, que ocorre quando a descamação cutânea é marcada por um depósito amarelado e seroso na superfície, de odor desagradável e provavelmente ocorre por unha queratinização anormal (paraqueratose). É geralmente secundária a outras doenças cutâneas, como a demodicose e alopecia hormonal.5 

Muitas doenças de pele que atacam os cães poderiam ser evitadas como uso de um inseticida e um fungicida misturados, aplicados nos animais durante as estações do ano em que estas doenças têm prevalência, como nos meses de muito calor e umidade.6 

As pomadas e loções são as formas mais utilizadas para veicular substâncias ativas, sendo destinadas para todos os tipos de problemas na pele. As loções são mais indicadas para áreas de grande extensão e em animais de pelos longos. No tratamento com pomadas, recomenda-se aplicá-la por partes, e não em toda a região simultaneamente. Dessa forma, diminui-se a penetração da substancia ativa e a possibilidade do animal lamber e ingerir o produto, resultando em reações indesejáveis.7 

Os produtos cosméticos utilizados em animais promovem tanto a sua higienização como a obtenção de brilho nos pelos. Podem ser utilizados isoladamente ou como auxiliares no tratamento médico.1,3,4,10 

Devido a elevada quantidade de pelos, a pele dos animais exige cuidados especiais para manutenção do brilho e maciez. Os produtos cosméticos devem ter alto poder limpante, ser desembaraçantes dos pelos e possuir eficácia no controle de parasitas. Considerando-se este tipo de produto, devemos ter em mente que a pelagem reflete o cuidado do dono e também a saúde do animal, devendo estar limpa e brilhante.1,3,7,8,9,11 

Os produtos utilizados para cuidados dos pelos podem ser divididos em duas categorias: produtos de rotina e os destinados ao embelezamento do animal para exposições, leilões e feiras.1.4 

Nos “salões de beleza" de animais é grande o consumo de shampoos e condicionadores para diversas raças, como cocker spaniel e o poodle, que apresentam textura de pelos e fisiologia de pele diferentes. 

Os cosméticos nacionais utilizados para o banho de animais envolvem principalmente a forma cosmética shampoo, normalmente de custo reduzido, com formulações simples e às vezes grosseiras. Muitas vezes compreendem um tensoativo aniônico (como o lauril sulfato ou lauril éter sulfato de sódio); sobrengordurante (dietanolamida de ácidos graxos); espessante (cloreto de sódio): conservante (metil e propilparabeno); essência e água. Em alguns produtos mais elaborados verifica-se a presença de perolizantes, extratos vegetais e corantes.1,3,11,12 

Nestas formulações não é frequente a inclusão de componentes ativos que possam oferecer benefícios para a pele e pelagem. Devido a sua composição, muitas vezes ocorrem problemas na pele do animal, como irritação e alergias, além da dificuldade em escovar o pelo após o banho.1,9 

Os shampoos medicamentosos como a base de sulfeto de selênio ou alcatrão de hulha são indicados no caso de seborreia em cães.5

Os produtos cosméticos importados são normalmente mais elaborados e muitas vezes preferidos pelos profissionais que preparam os animais, pois propiciam melhor aparência e facilitam o manuseio da pelagem. Normalmente, estes produtos apresentam componentes ativos incorporados que promovem melhores características aos pelos, sendo dominante seu consumo, principalmente no tratamento de cães e gatos para eventos.1,7,8 

Considerando-se a forma cosmética shampoo, pode-se utilizar não apenas os tensoativos mencionados, mas também os de origem natural como lauril poliglicosídeos, que além de propiciarem espuma abundante e conferirem viscosidade à preparação são mais suaves, diminuindo a irritação da pele. Também pode-se utilizar tensoativos anfóteros, menos irritantes e mais suaves, utilizados em shampoos infantis do mercado.11 

O emprego do sobrengordurante no shampoo é muito importante pois o tensoativo remove muito a oleosidade natural do pelo, portanto, seu brilho, e enfraquece-o tornando-o mais quebradiço. Poliol de éster de ácido graxo e dietanolamida de ácido graxo de babaçu ou de coco, são exemplos de sobrengordurantes que proporcionam brilho, maciez e facilitam a escovação.11 

A partir das formulações de uso humano pode-se elaborar para os animais, empregando grande variabilidade nas matérias-primas e substâncias ativas. 

A introdução de componentes ativos, como substâncias de com bate às pulgas em shampoos empregados em gatos, às vezes é necessária. 

Considerando-se a coloração do pelo do animal, na pelagem branca utilizam-se shampoos com substâncias clareadoras. No caso pelos escuros, coloração preta, marrom ou cinza, pode-se utilizar o extrato de henna no shampoo, que irá realçar a coloração.3,4

No caso de condicionadores seu uso é limitado a algumas espécies de cães e gatos com pelos longos e sedosos. A substância ativa utilizada normalmente é o sal de amônio quaternário que desembaraça o pelo, melhorando a penteabilidade, similarmente aos produtos de uso humano. Em alguns casos, são empregados silicones, derivados de lanolina e proteínas hidrolisadas (colágeno, queratina, amêndoa e trigo). Estas substâncias amaciam o pelo, tornando-o mais brilhante.1,4,11 

Os silicones, como o aminodimeticone e dimeticone copoliol, apresentam diversas funções quando aplicados sobre os pelos, tais condicionadores, desembaraçantes e realçadores do brilho, pois ajudam a reter a oleosidade natural do pelo. Podem ser utilizados sob a forma de spray, sistema que facilita a aplicação. 4,11,12

As proteínas e alguns silicones podem ser incorporados aos shampoos com a finalidade de condicionador e melhorar o aspecto do pelo.11 

No caso de cães, o banho deve ser dado pelo menos uma vez por semana no verão, e esta frequência deve ser adaptada conforme o rigor do inverno. A fricção deve ser realizada com escova macia e produtos cosméticos. Shampoos e condicionadores devem ser removidos com muita água, evitando a permanência de resíduos, exceto nos casos específicos em que o produto necessite permanecer em contato com o animal. A secagem normalmente é feita ao sol ou em local aquecido, evitando-se ou prevenindo-se resfriados nos animais. Para os gatos a frequência de banho é menor.9

Os perfumes são utilizados normalmente após o banho. Devem ser elaborados com os mesmos cuidados de um produto infantil, para diminuir a possibilidade de reações indesejáveis.1,3,4

No caso de banhos secos, destinados a filhotes ou animais que não aceitam o banho convencional, como os felinos, utilizam-se produtos elaborados a base de substâncias absorventes como talco e essências.1,3,4

Pensando em animais de grande porte, o mercado cosmético para equinos merece atenção especial, pois estes animais precisam de boa apresentação ao se exibirem em práticas esportivas e feiras. Em função do pelo curto, o consumo de shampoo e condicionador é reduzido, pois não precisam ser escovados. Utilizar-se nestes animais produtos que incrementam o brilho do pelo e realçam determinadas áreas do corpo, como sprays e pastas com silicone e vaselina, repelentes de insetos e esmaltes para os cascos. 

Outros produtos utilizados em "salões de beleza de animais" são o talco anestésico e cauterizador, que possibilitam a retirada de pelos internos do conduto auditivo para higiene e na contenção do sangramento, que normalmente ocorre no corte de unhas. 

 

Conclusão 

O mercado de produtos cosméticos deve se voltar para este segmento em expansão, pois a cada dia, cresce o número de estabelecimentos de venda de produtos veterinários, como ração e acessórios. Também cada vez mais é maior o número de feiras, leilões e associações voltadas a prática de esportes ou venda. Assim, no futuro, certamente o lugar destes produtos merecerá destaque na área cosmética, com formulações cada vez mais específicas, eficazes e seguras. Dessa forma, este segmento da área cosmética tem condições de tomar se altamente competitivo, não apenas internamente mas conquistando mercados externos, de modo similar ao caminho trilhado por empresas brasileiras no segmento dos cosméticos de uso humanos.

 

 

M. Valéria Robles Velasco de Paola e M. Elizette Ribeiro são docentes da Faculdade de Ciências Farmacêuticas - Universidade de São Paulo - USP, São Paulo SP, Brasil
Aline Biscolla Bezerra é graduanda em Farmácia pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas - Universidade de São Paulo - USP, São Paulo SP, Brasil 

 

 

Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Edição em Português), 13(6): 70-74, 2001.