Aminoácidos e Interação nos Cabelos
Benefícios dos Aminoácidos
Tratamento de Danos
Melhora do Brilho
Conclusão

 

Segundo definição geral, aminoácido é um ácido orgânico que possui, pelo menos, um grupo amina.1

Um número quase ilimitado de moléculas, com vários grupos funcionais, cabe nessa definição, mas em termos gerais, a definição limita o número de escolhas ao pequeno grupo de L-á-aminoácidos que compõem proteínas e alguns outros compostos de ocorrência natural.

A maioria das proteínas é composta por cerca de 20 tipos de aminoácidos, em proporções variáveis. Outros tipos apenas são encontrados em proteínas especiais, como, por exemplo, a hidroxiprolina, que ocorre somente no colágeno e na gelatina. Com relação à sua estrutura molecular, todos os aminoácidos constituintes de proteínas são á-aminoácidos, onde o grupo amina fica ligado ao mesmo átomo de carbono que o grupo carboxila. Aminoácidos com estrutura â, ã, e ä, ou mesmo com um grupo ácido-sulfonado, em lugar de um grupo carboxila, são encontrados em organismos vivos, sob a forma de pequenos peptídeos, ou como aminoácidos livres. Neste caso, o termo “livre” é usado para descrever aminoácidos que não estão embutidos nas proteínas.2

Para a maioria dos consumidores o termo “aminoácido” não é tão familiar quanto “proteína” ou “vitamina”, embora estes estejam sendo usados em cosméticos já há muito tempo. A mais significativa de suas aplicações é como fator de hidratação natural (NMF), aminoácidos e proteínas hidrolisadas para o tratamento dos cabelos sendo que isso ocorre há quase 50 anos.3 Em 1983, vários umectantes para aplicações cosméticas contendo aminoácidos já eram citados na literatura.4

O NMF é uma mistura complexa de aminoácidos livres e compostos de baixo peso molecular, hidrossolúveis, encontrados nos corneócitos.5 É conhecido por contribuir para a manutenção do equilíbrio aquoso do estrato córneo, usado principalmente em áreas da pele, como poderoso umectante. Os seus principais componentes são o ácido carboxílico-pirrolidona (PCA), ácido láctico e aminoácidos.

Muitas vezes, as proteínas hidrolisadas contêm aminoácidos livres, com teores determinados, que, além de serem utilizados no tratamento da pele, também são conhecidos por contribuir para o condicionamento e proteção dos cabelos. É o caso do colágeno hidrolisado e da queratina hidrolisada, embora, nos últimos anos, várias proteínas hidrolisadas de origem vegetal tenham sido lançadas no mercado.

As propriedades das proteínas hidrolisadas são determinadas por seu peso molecular médio e pela composição do aminoácido. Por isso, é muito útil conhecer as propriedades dos aminoácidos, antes de aplicá-los no tratamento capilar. Neste artigo, examinamos a interação e os benefícios dos aminoácidos para os cabelos.

 

Aminoácidos e Interação nos Cabelos

Fundamentos

Dois fatores fundamentais estão envolvidos na interação de cabelos e aminoácidos em soluções aquosas simples: difusão e carga elétrica das moléculas.

Considerando o tamanho diminuto das moléculas dos aminoácidos e sua capacidade hidrófila, a difusão desempenha um papel importante na sua captação, mas a natureza hidrófoba dos cabelos humanos é, aparentemente, uma barreira para os processos de difusão. Por isso, supõe-se que cabelos danificados mostrem maior afinidade pelos aminoácidos do que os cabelos naturais devido à sua menor hidrofobicidade. Além disso, um maior número de grupos iônicos nas proteínas dos cabelos danificados também irá contribuir para maior afinidade. A Figura 1 mostra a comparação da captação de arginina por cabelos naturais e danificados: os cabelos danificados captam mais arginina do que os naturais.

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Aminoácidos, que possuem grupos carboxílicos adicionais em sua estrutura de carbono, são chamados aminoácidos ácidos, e aqueles com grupos básicos são chamados aminoácidos básicos. Essa classificação é importante para entender a natureza da interação. A arginina é um aminoácido básico dotado do grupo guanidina. A constante da dissociação ácida do grupo guanidina é 9,04 e, portanto, tem carga catiônica com pH abaixo de 9. Dessa forma, a arginina possui forte afinidade com cabelos cujo pH está entre 4 e 9. Aminoácidos ácidos ou neutros possuem carga líquida negativa ou neutra na faixa de pH de 3 a 7, sendo, portanto, difíceis de serem captados pelos cabelos (Figura 2).

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Além disso, o grupo guanidina da arginina é conhecido por ter grande afinidade pela proteína dos cabelos.6 A Figura 3 mostra a quantidade de arginina recuperada dos cabelos ou por água ou por solução tamponadora ácida (pH 3,5).

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Essa recuperação diferiu entre as duas condições, mostrada por erros, e as diferenças aumentaram na medida em que o pH da solução de arginina aumentou. Essa diferença representa a existência de forte interação entre grupos ácidos nos cabelos e a arginina.

Aplicações

Entender as interações entre cabelos e aminoácidos nos cosméticos é muito mais complicado do que nos casos citados, porque as formulações cosméticas são misturas complexas de compostos químicos. Neste sentido, a interação química entre aminoácidos e outros ingredientes deve sempre ser levada em consideração. Assim, por exemplo, a glicina neutra e o ácido glutâmico presentes nos condicionadores também são absorvidos pelos cabelos.

A Figura 4 mostra a quantidade de cada aminoácido das soluções que contêm concentrações diferentes de uma mistura de aminoácidos absorvida pelos cabelos [Prodew500 (INCI: Sodium PCA (and) sodium lactate (and) arginine (and) aspartic acid (and) PCA (and) glycine (and) alanine (and) serine (and) valine (and) proline (and) threonine (and) isoleucine (and) histidi-ne (and) phenylalanine), produto da Ajinomoto Co. Inc., Tóquio, Japão].

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Em concentrações mais baixas, o que predomina é a absorção de arginina, e em concentrações maiores, aumenta a absorção de outros aminoácidos. Este fato sugere a possibilidade de usar a arginina como âncora para a deposição de outros ingredientes com menor afinidade pelos cabelos. A Figura 5 ilustra um exemplo desse tipo.

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Quando PCA é aplicada aos cabelos como um sal de arginina, a absorção é maior do que a de sais de sódio, lisina ou histidina.

 

Benefícios dos Aminoácidos

A arginina é usada como alcalinizante nos agentes corantes oxidantes e em agentes branqueadores para reduzir o odor irritante da amônia e para desenvolver produtos mais suaves para os cabelos e couro cabeludo.6 A arginina previne a diminuição da resistência à tração e a hidrofobia da superfície dos cabelos, causados pelo corante oxidante. Também há uma ação na prevenção dos efeitos indesejáveis do peróxido de hidrogênio nas proteínas e sobre os lipídios da superfície dos cabelos.7 Durante o processo de tingimento, considerável quantidade da arginina, contida nos agentes corantes, proporciona aos cabelos sensorial de hidratação e evita a perda de cor no processo de lavagem com shampoo.

 

Tratamento de Danos

Uma camada de ácidos graxos ligados por covalência à superfície da cutícula dos cabelos naturais é responsável por sua natureza hidrofóbica. Essa camada também oferece determinados benefícios, como a redução do atrito, a maciez e a penteabilidade.8 Processos oxidantes causam queda na hidrofobia da superfície dos cabelos, resultando na falta de maciez. Tensoativos catiônicos e silicones, muitas vezes, são usados para melhorar a hidrofobia.

A Figura 6 mostra a hidrofobicidade da superfície de cabelos branqueados, tratados com condicionadores. O ângulo médio de contato com cabelos naturais foi de 100o, e um tratamento de branqueamento de quatro vezes levou esse ângulo para 65o. Após o tratamento com o condicionador cloreto de esteartrimônio (STAC), o ângulo de contato teve ligeiro aumento. A adição de 1,5% p/p de L alanina resultou numa elevação significativa do ângulo de contato para valor semelhante ao obtido com um condicionador de cloreto de distearildimônio (DSDAC).

 

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Já há relatos de diversos aminoácidos que elevam a resistência à tração de cabelos secos.9 Esse reforço é conseguido, principalmente, por ligações iônicas e de hidrogênio, de modo que o efeito deve diminuir quando cabelo estiver molhado. A Figura 7 mostra a resistência à tração de cabelo branqueado, medição na água. Observa-se aumento significante quando há aplicação de fenilalanina e histidina.

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Melhora do Brilho

A formação de “medula”, ou estruturas cheias de ar, que às vezes são encontradas no centro dos fios de cabelos, e de “vazios”, estruturas ocas formadas entre as células da cutícula ou do córtex, causadas pelos tratamentos químicos e pelo penteamento, provocam perda do brilho dos cabelos asiáticos.10 Essa constatação é interessante porque indica que não apenas a superfície dos cabelos, mas também a sua estrutura interna, são responsáveis pelo brilho. O brilho dos cabelos melhorou pelo tratamento de cabelos asiáticos descoloridos com uma mistura de aminoácidos (Figura 8).

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Observa-se, sob microscópio, queda da estrutura dispersante de luz, sugerindo que os aminoácidos penetram e preenchem o vazio, para fazer o cabelo ter brilho de dentro para fora. O efeito umectante dos aminoácidos, supostamente, complementa essa função.

 

Conclusão

Conforme mencionado, o conhecimento da química e da interação entre aminoácidos e cabelos pode servir de base para o desenvolvimento de formulações de produtos para tratamento capilar, contendo proteína hidrolisada. Contudo, deve-se, também, destacar, que o uso de aminoácidos purificados especialmente escolhidos, em vez de proteínas hidrolisadas, aparentemente, tem algumas vantagens, como a possibilidade de evitar problemas de odor e coloração; formação de produtos estáveis de alta qualidade; minimização dos riscos de reações alérgicas; além da possibilidade de projetar misturas personalizadas. Os aminoácidos são conhecidos e usados como hidratantes há muito tempo, mas, devido às suas diferentes estruturas químicas, possuem potencial para exercer uma variedade de funções em preparações para tratamento dos cabelos. Este estudo representa apenas uma rápida introdução para formuladores iniciantes.

 

 

Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil, 21(1): 34-38, 2009.
Publicado originalmente em inglês, Cosmetics & Toiletries 123(3):61-68, 2008.