Principais aspectos do Regulamento (EU) 1115/2023

Os impactos para o Brasil

Conclusões

 

 

Entrou em vigor em 29 de junho de 2023 o Regulamento (UE) 1115/2023 aprovado pela União Europeia (UE), já conhecido como New EU “Deforestation-free” Regulation.

Trata-se de uma norma muito mais rigorosa, que visa controlar e proibir, no âmbito do mercado comum europeu, a compra de produtos e derivados oriundos das áreas de desmatamento e degradação ambiental das florestas.

A União Europeia (UE) vem há alguns anos discutindo sobre a taxação de produtos importados que apresentam pegada excedente de carbono, no entanto, foi agora, em junho de 2023 que a UE aprovou uma regulação que proíbe a entrada no bloco europeu de commodities produzidas em áreas de floresta que foram desmatadas, após o marco de 31 de dezembro de 2020.   Na lista do regulamento foram incluídas a carne, soja, madeira, borracha, café, cacau, óleo de palma além de uma lista de produtos derivados, como couro, móveis, chocolate e papel impresso.

 

Principais aspectos do Regulamento (EU) 1115/2023 

A fim de esclarecer as principais razões da celebração do instrumento, o regulamento traz 86 (oitenta e seis) “considerandos”, apontando indicadores relativos à importância das florestas; o rápido avanço do desmatamento; a conexão entre a perda da biodiversidade, crise climática e pandemias; sobre a preocupação demonstrada pelos Estados-Membros; que as violações dos direitos humanos a nível mundial estão ligadas, em grande medida, à expansão da produção agrícola; sobre as metas do Acordo de Paris; que a expansão agrícola é responsável por quase 90% do desmatamento mundial; que a promoção de práticas agrícolas alternativas e sustentáveis pode dar resposta aos desafios ambientais; que travar o desmatamento e restaurar as florestas degradadas são componentes essenciais dos ODS; que a União está empenhada em promover um sistema multilateral de comércio universal; que a Comissão deverá continuar a trabalhar em parceria com os países produtores; que reconhece e reforça o papel dos direitos dos povos indígenas, das comunidades locais, dos pequenos agricultores e das micro, pequenas e médias empresas (PME), à melhora da governação e das questões de propriedade fundiária, ao reforço do controle da aplicação da lei e à promoção da gestão sustentável das florestas, com destaque para práticas florestais mais próximas da natureza, com base em indicadores e limiares científicos, o ecoturismo, a agricultura resiliente às alterações climáticas, a diversificação, a agroecologia e a agrossilvicultura; que a Comissão deverá reconhecer plenamente o papel e os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais na proteção das florestas, tendo em conta o princípio do consentimento livre, prévio e informado; que a União e os Estados-Membros deverão trabalhar no sentido de criarem parcerias com os países produtores; que no âmbito do estudo de apoio à avaliação de impacto para o regulamento, realizou-se uma extensa revisão da literatura científica pertinente, principalmente das principais fontes que estimam o impacto do consumo da União no desmatamento mundial e que associam essa pegada ambiental a produtos de base específicos e resultou numa primeira lista de oito produtos de base -  sete dos oito produtos de base analisados nesse documento são responsáveis pela maior fatia de desmatamento impulsionada pela União: a palmeira-dendém (34,0 %), a soja (32,8 %), a madeira (8,6 %), o cacau (7,5 %), o café (7,0 %), bovinos (5,0 %) e a borracha (3,4 %); que há impacto das rações; que será necessária diligência devida; que apoia regimes de certificação e boas práticas; que busca a transparência da cadeia de abastecimento; que há regime diferenciado para PME; que fará a elaboração de sistemas transparentes de informação; que deverá cooperar com os países classificados ou suscetíveis de serem classificados como sendo de alto risco, bem como com as partes interessadas pertinentes desses países, a fim de trabalhar no sentido de reduzir o nível de risco.

Destaca-se que desde setembro de 2022, o Parlamento Europeu havia se manifestado e aprovado novas regras. O novo regulamento passa a ser mais restritivo, definindo que somente os produtos que preencham as seguintes condições, terão acesso ao mercado europeu: a) não estarem associados ao desmatamento; b) terem sido produzidos em conformidade com a legislação aplicável do país de produção; c) estarem abrangidos por uma “declaração de diligência devida”.

Esses sistemas de diligência devida deverão incluir três elementos principais: os requisitos de informação, a avaliação do risco e as medidas de atenuação de risco, complementados pelas obrigações de comunicação de informações.

Os procedimentos de diligência devida deverão ser concebidos de modo a facultar o acesso às informações sobre as fontes e sobre os fornecedores dos produtos de base e produtos derivados colocados no mercado, incluindo informações que demonstrem o cumprimento dos requisitos de ausência de desmatamento e degradação florestal e de legalidade, principalmente através da identificação do país ou de partes do país de produção e incluindo as coordenadas de geolocalização das parcelas de terreno em causa.

Estas coordenadas de geolocalização que dependem da cronometria, da localização e/ou da observação da Terra podem recorrer a dados e serviços espaciais fornecidos no âmbito do programa espacial da União (EGNOS/Galileo e Copernicus). Com base nessas informações, os operadores deverão realizar uma avaliação do risco.

Caso seja identificado um risco, os operadores1 deverão atenuá-lo de forma a alcançar um risco nulo ou negligenciável. O operador apenas deverá ser autorizado a colocar o produto derivado em causa no mercado ou a exportá-lo se concluir, após o exercício do procedimento de diligência devida, que existe um risco nulo ou negligenciável de que os produtos derivados em causa não estejam em conformidade com o regulamento.

A diligência devida inclui: a) as informações, dados e documentos necessários para cumprir os requisitos estabelecidos (inclusive os dados do país de produção, geolocalização e informações devidamente conclusivas e verificáveis que indiquem que os produtos derivados em causa não estão associados ao desmatamento); b) as medidas de avaliação do risco (os operadores realizam uma avaliação do risco para determinar se existe um risco de os produtos derivados em causa que pretendem colocar no mercado ou exportar sejam não conformes, sendo que a avaliação do risco tem em conta, em especial, critérios como: atribuição de risco ao país de produção em causa ou a partes desse país; presença de florestas no país de produção ou em partes desse país;  a presença de povos indígenas no país de produção, ou em partes desse país; a complexidade da cadeia de abastecimento em causa e a fase de transformação dos produtos derivados em causa, em especial as dificuldades em estabelecer a ligação entre os produtos derivados em causa e a parcela de terreno onde foram produzidos os produtos de base em causa) e c) as medidas de atenuação do risco (o operador adota, antes da colocação dos produtos derivados em causa no mercado ou da sua exportação, procedimentos e medidas de atenuação do risco que sejam adequados para alcançar um risco nulo ou apenas negligenciável, incluindo a realização de inquéritos ou auditorias independentes e dispondo de políticas, controles e procedimentos adequados e proporcionados para atenuar e gerir eficazmente os riscos de não cumprimento dos produtos derivados em causa identificados).

Ao colocarem no mercado ou exportarem produtos derivados em causa, os operadores terão o benefício de uma diligência devida simplificada se todos os produtos de base em causa e produtos derivados em causa foram produzidos em países ou em partes de países classificados como sendo de baixo risco.

Os Estados-Membros preveem a possibilidade das suas autoridades competentes tomarem medidas provisórias imediatas, incluindo a apreensão de produtos de base em causa ou produtos derivados em causa ou a suspensão da colocação ou disponibilização no mercado ou a exportação dos produtos de base em causa ou dos produtos derivados em causa,  ou ainda medidas coercitivas como evitar que o produto derivado em causa seja colocado ou disponibilizado no mercado ou exportado, além disso a possibilidade de retirada de imediato do produto derivado em causa.

No caso de algum distribuidor local descumprir os parâmetros do regulamento, a partir de agora, poderá ser multado em até 4% do seu faturamento anual e, em outras situações, ser impedido de negociar os produtos para a UE.

 

Os impactos para o Brasil

As razões que justificam a elaboração deste regulamento mais extremo e restritivo, são bastante legítimas.

O desmatamento é um dos problemas mais graves da atualidade brasileira para a preservação ambiental e manutenção da biodiversidade. Essa é uma conduta que devasta florestas e capital natural, compromete o equilíbrio climático do planeta e afeta diretamente toda a sociedade. Toda vez que uma área de floresta é removida, para diversos usos, tem-se a prática do desmatamento que também pode ser denominada “desflorestamento”.   

O desmatamento é uma ação humana e depende de alguns motivos que o provocam ou incidem, dentre os quais destaca-se: atividade mineradora, expansão da agropecuária, crescimento da urbanização e aumento de queimadas. As consequências do desmatamento são várias, dentre as quais, podemos enumerar a perda da biodiversidade; extinção de espécies; erosão de rios e lagos naturais; desequilíbrio climático; impacto nos usos e costumes dos povos da floresta e desertificação.

Em termos globais, o uso da terra corresponde a 11% das emissões. Somente no Brasil, esse tipo de uso aumentou 23,6% no ano de 2021, totalizando 46% das emissões totais do país. 

Por outro lado, as ações de combate ao desmatamento não podem e não devem ser apenas internas, sendo certo que os mercados consumidores devem fazer a sua parte, ou seja, criando regras restritivas, no sentido de contribuir para que haja um ajuste dos países produtores e um maior cuidado com o meio ambiente e as florestas.

No entanto, temos aqui uma situação bastante delicada, pois uma medida abrupta e descuidada, ao invés de corrigir um problema complexo, pode levar ao caos. Apontaremos aqui alguns riscos:

  i) O Brasil é o maior exportador de carnes do mundo (4.822 milhões de toneladas exportadas em 2022) e a Europa é um importante mercado consumidor.

  ii) Os outros produtos inseridos no regulamento (soja,2 madeira, borracha, café,3 cacau4 e óleo de palma) também são bastante representativos para o mercado do país.

  iii) Desajuste dos pequenos produtores, o que impacta, obviamente em segurança alimentar. Estima-se que a população global atingirá o montante aproximado de 9,7 bilhões de pessoas, até 2050,5 indicador este que pede atenção e equilíbrio dos países que possam ser afetados.

  iv) O regulamento sustenta que os povos e comunidades tradicionais podem ser impactados pelo desmatamento e diminuição das florestas, o que é correto. No entanto, contraditoriamente, as medidas punitivas podem também afetar os mesmos povos e comunidades tradicionais que já estão estruturados na utilização do cacau e babaçu e que dependem da aquisição da matéria-prima, pelos produtores.

  v) Não houve clareza necessária de como será definido pela União Europeia quais são os países de alto risco.

  vi) O instrumento trazido pelo regulamento, denominado “declaração de diligência devida”, é merecedor de cuidado extremo, por algumas razões. Em primeiro lugar, questões envolvendo geolocalização podem ser sigilosas e estratégicas para fornecedores locais de matérias-primas, assim, o fornecimento deste tipo de informação nem sempre deve ser aberto. Por outro lado, há de se ter cautela no nível de exigências contidas na declaração, pois, a depender da sua complexidade, pode se transformar em um instrumento de alijamento de países, para mercados concorrentes;

Os operadores e os setores comerciais terão um prazo de 18 (dezoito) meses para implementar as novas regras, exceto pequenos produtores que disporão de um prazo mais extenso.

 

Conclusões

O regulamento afeta diretamente produtos de importância para a balança comercial brasileira e, por esta razão, se torna um ponto de bastante preocupação.

É vital que o Ministério das Relações Exteriores, apoiado por indicadores claros de impacto para os produtos contidos no regulamento, abra um canal imediato de diálogo, para negociar prazos e conceitos, que, como afirmados acima, encontram-se obscuros, como a “declaração de diligência devida”.

É ainda relevante que os setores afetados busquem clareza em seus indicadores, a fim de que possam adotar duas medidas que são complementares: a) contribuir e interpretar o regulamento, visando o melhor cumprimento dos seus aspectos de compliance; b) fornecer subsídios ao governo, no sentido de obterem a melhor negociação de prazos para adequação.

Parece vital, por fim, que não haja desequilíbrio nas negociações, no sentido de haver plena isenção do mercado europeu e que o regulamento em análise não se transforme em um instrumento de protecionismo ou barreira alfandegária, que poderia trazer consequências nefastas, afetando o equilíbrio das relações e culminando em problemas para a segurança alimentar global.