Óleo de Larva de Mosca-soldado-negra em Cosméticos
publicado em 01/10/2024
RA Zito, L Kakuda, Letícia, PMBG Maia Campos
Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto SP, Brasil
A busca por cosméticos sustentáveis cresceu nos últimos anos. Nesse contexto, o uso de óleo de larva de mosca-soldado-negra se apresenta como uma alternativa a óleos tradicionais, uma vez que é extraído pelo método do fluído supercrítico. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi desenvolver e avaliar a eficácia de formulações cosméticas do tipo máscara capilar contendo o óleo de larva de mosca-soldado-negra.
The demand for sustainable cosmetics has increased in recent years. In this context, the use of black soldier fly larvae oil is a sustainable alternative for traditional oils due to its extraction by the supercritical fluid method. In this context, the objective of this study was develop and evaluate the efficacy of hair mask cosmetic formulations containing.
La búsqueda de cosmética sostenible ha crecido en los últimos años. En este contexto, el uso de aceite de larvas de mosca soldado negra se presenta como una alternativa a los aceites tradicionales, ya que se extrae mediante el método de fluidos supercríticos. En este contexto, el objetivo del presente estudio fue desarrollar y evaluar la efectividad de formulaciones cosméticas como mascarillas capilares que contienen aceite de larvas de mosca soldado negra.
Com o crescimento do movimento ambiental e a conscientização das pessoas a respeito de sua importância,¹ parte considerável da população passou a ter maior consciência quanto ao seu consumo e tem optado por comprar produtos mais sustentáveis.² Dessa forma, as indústrias cosméticas precisam se adaptar às demandas dos consumidores por esses produtos, principalmente as apresentadas pela geração Z.¹
A escassez de recursos naturais torna o desenvolvimento de produtos ecologicamente corretos uma necessidade e não apenas um desejo apresentado pelos consumidores. Nesse contexto, a utilização de matérias-primas cuja produção não demande muitos recursos ambientais e cuja extração seja feita de forma sustentável é uma alternativa para o desenvolvimento de novos cosméticos. Assim, o óleo extraído de larva de mosca-soldado-negra (Hermetia illuscens L.) apresenta potencial para aplicação em formulações cosméticas.
O óleo da larva da mosca-soldado-negra é extraído por meio do método do dióxido de carbono supercrítico (sc-CO2 ). Esse método utiliza dióxido de carbono em altas pressões e baixas temperaturas, excluindo a necessidade de usar solventes orgânicos e gerando, assim, uma extração seletiva e livre de resíduos de solventes. O óleo extraído larva da mosca-soldado-negra é rico em ácidos oleico (22,48%), linoleico (20,09%) e palmítico (21,38%)³, que, devido às suas grandes concentrações, geram uma composição graxa semelhante à do óleo de coco e à do óleo de palmiste,4 amplamente utilizados na indústria cosmética de hair care.
Dessa forma, o óleo da larva da mosca-soldado-negra pode ser aplicado como substituto de óleos vegetais. Embora os óleos vegetais pareçam ser sustentáveis, alguns de seus processos de extração podem levar ao desmatamento e à perda da biodiversidade no local5 onde ocorrem, e esses óleos geram resíduos orgânicos danosos ao meio ambiente durante sua extração.
Além disso, o resíduo do óleo da larva da mosca-soldado-negra é usado na produção de uma farinha proteica utilizada para a produção de alimentos alternativos ao consumo de carnes, inserido em um contexto de crescente insegurança alimentar.³ Dessa forma, a utilização de um resíduo da produção de alimentos em cosméticos faz com que o óleo da larva da mosca-soldado-negra se enquadre como upcycling, o que torna seu uso ainda mais sustentável.6
Nesse contexto, o óleo da larva da mosca-soldado-negra apresenta grande potencial como matéria-prima sustentável para aplicação em cosméticos. Além disso, essa é uma matéria-prima inovadora para o desenvolvimento de formulações capilares visando melhorar as propriedades do cabelo, como brilho e maciez, o que pode ser comprovado por meio de testes de eficácia.
Objetivo
O objetivo deste trabalho foi desenvolver e avaliar a eficácia de formulações cosméticas do tipo máscara capilar contendo o óleo de larva de mosca-soldado-negra (Hermetia illuscens L.).
Material e Métodos
Desenvolvimento das formulações
Foram desenvolvidas duas formulações de máscaras capilares à base das matérias- -primas a seguir, descritas conforme a International Nomenclature of Cosmetics Ingredients (INCI): Behentrimonium methosulfate, Cetearyl alcohol, Caprylic/Capric triglyceride, Glycerin, Butylene glycol, Xylityl sesquicaprylate, BHT, Diso[1]dium EDTA e Aqua, a primeira formulação (F2) continha 5% de óleo de larva de mosca-soldado-negra, e a segunda formulação (F1), apenas o veículo.
As formulações foram submetidas a testes preliminares de centrifugação e determinação dos valores de pH, 24 horas após seu preparo. Além disso, as formulações foram avaliadas por 28 dias em relação aos seus valores de pH e às suas características organolépticas.
Protocolo de lavagem das mechas
Inicialmente, as mechas foram higienizadas com uma solução de lauril éter sulfato de sódio a 3%, para que assim fossem realizadas as medidas basais – antes do tratamento (AT) – das mechas. Para a avaliação da eficácia das formulações nos cabelos, foram utilizadas 3 mechas de cabelo padronizadas, pretas e lisas, uma mecha-controle (M1), uma mecha tratada com o veículo (M2) e uma mecha tratada com a máscara acrescida de óleo de larva de mosca-soldado-negra (M3). Primeiramente, as mechas foram lavadas com 5 g de shampoo-veículo durante 1 minuto, depois foram enxaguadas em água corrente, também por 1 minuto. A seguir, foram pesados 5 g de máscara7 a qual foi massageada em cada mecha durante 1 minuto, seguido do enxágue em água corrente. Por fim, as mechas foram secadas com o auxílio de um secador de cabelo durante 2 minutos e 30 segundos. Foram realizados 3 ciclos de lavagem e, posteriormente, depois do tratamento (DT), foram realizadas novas medições.
Resistência mecânica dos fios
As propriedades mecânicas dos fios de cabelo foram obtidas por meio de 20 fios de cada uma das mechas, com o comprimento de 5 cm. Curvas de tensão e deformação dos fios são geradas por meio do equipamento texturômetro (TA.XTplusC Texture Analyser da Stable Micro Systems, Surrey, Reino Unido), que submete os fios de cabelo à ruptura aplicando 10 N de carga com 250 mm de distância à velocidade constante de 300 mm/min.8
Análise da penteabilidade e da maciez dos cabelos
A avaliação da penteabilidade e da maciez dos fios foi realizada por meio do texturômetro. Em relação à penteabilidade, esse equipamento, ao ser acionado, penteia a mecha analisada por meio dos pentes que se encontram associados a suportes laterais. A força necessária para os pentes passarem por essa mecha é medida pelo equipamento por meio de seu software, o qual efetua cálculos referentes à resistência da mecha em relação ao pente. Assim, determina-se a penteabilidade da mecha.8,9 Já a maciez dos fios é avaliada pela resistência de uma amostra de cabelo ao passar por um conjunto de barras lisas, que representam os dedos deslizando através do cabelo em uma cabeça humana.10
Análise do brilho
O brilho das mechas foi avaliado por meio do equipamento Skin-Glossymeter GL200 (Courage-Khazaka Electronic GmbH, Colônia, Alemanha), que tem como base o princípio da reflectância. Quanto maior é a regularidade dos fios, maior é a reflectância de luz e maior é o brilho da mecha.8,9 O teste das mechas com esse equipamento foi realizado na ausência de luz, para evitar interferências.11
Avaliação sensorial das mechas
Foi realizada a análise das propriedades sensoriais das mechas de cabelo por 22 participantes, com idades de 19 a 28 anos. Nas mechas, foram avaliados os parâmetros brilho, maciez, frizz, hidratação, penteabilidade e aparência das pontas. Esses parâmetros foram classificados como: “ruim”, “regular”, “bom” ou “muito bom”. Por fim, os resultados obtidos foram transformados em frequências.9
Análise estatística
Foi realizada a análise estatística dos dados experimentais obtidos por meio do software Prism GraphPad 8.4.3 (San Diego CA, EUA). Foi avaliada a normalidade das amostras, sendo aplicado o ANOVA one-way com pós-teste de Tukey (α = 0,05), em casos de distribuição normal, e o teste de Kruskal-Wallis com o pós-teste de Dunn’s (α = 0,05), em casos de distribuição não normal.
Resultados e Discussão
As formulações foram estáveis e não apresentaram separação de fases diante do teste de centrifugação. Além disso, não houve alteração nas características organolépticas das formulações e os valores de pH permaneceram na faixa adequada para esses tipos de formulação, entre 3,5 e 4,5,9 não apresentando variações significativas (p < 0,0 5) durante os 28 dias de estudo.
O teste de resistência mecânica avalia a resistência do fio de cabelo à ruptura. Não houve alteração nos fios tratados com a formulação-veículo. No entanto, a mecha tratada com a máscara acrescida do óleo de larva de mosca-soldado-negra apresentou aumento significativo (p < 0,05) de resistência à ruptura (Figura 1).
A região do córtex do cabelo está relacionada à sua resistência8 e é rica em ácidos graxos insaturados.12 De forma semelhante, o óleo de larva de mosca-soldado-negra apresenta predominância de ácidos graxos insaturados.3 Assim, esse óleo pode auxiliar na reposição do conteúdo lipídico dos fios de cabelo, aumentando sua integridade. Além disso, a penetração desse óleo nos fios leva ao aumento do seu diâmetro, o que também está relacionado com o aumento da resistência mecânica dos fios.13
Por outro lado, a penteabilidade é um parâmetro inversamente proporcional à força necessária para pentear os fios, de forma que menor força indica maior penteabilidade. A penteabilidade está relacionada ao condicionamento dos fios. Dessa forma, quanto menor é a força necessária para os pentes atravessarem a mecha de cabelo, maior é o seu condicionamento.8 Houve redução significativa (p < 0,05) na força das mechas tratadas com a formulação-veículo e com a máscara acrescida do óleo de larva de mosca-soldado-negra (Figura 2). Esse resultado pode ter sido decorrente da presença de antiestáticos na formulação, responsáveis por reduzir a eletricidade estática e consequentemente, o embaraçamento entre os fios.9
O teste de maciez simula dedos passando entre os fios e avalia a força necessária para essa ação, de forma que menores forças obtidas representam maior maciez dos fios. A maciez da mecha também se relaciona à penteabilidade, uma vez que a redução da eletricidade estática ocasiona menor embaraçamento e atrito entre os fios,14 levando à maior maciez do cabelo. Os resultados mostraram que o tratamento com a formulação do tipo máscara acrescida de óleo de larva de mosca-soldado-negra levou a uma redução significativa (p < 0,05) da força necessária para que a mecha passasse entre as barras do equipamento, resultando em maior maciez da mecha M3. Dessa maneira, a deposição do óleo de larva de mosca-soldado-negra sobre os fios promoveu a adesão da cutícula à haste dos fios, aumentando sua maciez.15
O brilho do cabelo está relacionado à sua superfície e, portanto, à sua cutícula. Dessa forma, danos nas cutículas promovem sua irregularidade, reduzindo o brilho do cabelo.16 A avaliação do brilho mostrou aumento significativo (p < 0,05) do brilho da mecha tratada com o óleo de larva de mosca-soldado-negra (Figura 3). Esse resultado pode indicar que esse óleo, devido à sua composição rica em ácidos graxos insaturados, se deposita sobre os fios de forma uniforme, lubrificando sua superfície.8 Assim, a superfície dos fios se torna mais uniforme e suas fibras mais alinhadas,17 o que aumenta o brilho do cabelo.
Em relação à análise das propriedades sensoriais, a mecha tratada com a máscara contendo óleo de larva de mosca-soldado-negra obteve melhores avaliações nos parâmetros maciez, hidratação e penteabilidade do que a mecha tratada com a formulação-veículo e a mecha-controle (Figura 4). Os parâmetros frizz, brilho e aparência das pontas obtiveram resultados similares aos da mecha tratada com o veículo. Em relação ao frizz e à aparência das pontas, a presença de antiestáticos na formulação do tipo máscara foi responsável por diminuir o atrito e a eletricidade estática entre os fios, diminuindo o frizz e melhorando a aparência das mechas. Dessa forma, justificam-se os resultados semelhantes entre as mechas tratadas. Por outro lado, a mecha-controle foi avaliada majoritariamente como “regular” em todos os parâmetros. Essas avaliações evidenciam a importância do óleo em estudo e da formulação-veículo na percepção sensorial dos cabelos.
Conclusão
A adição do óleo de larva de mosca-soldado-negra à formulação F2 levou ao aumento da resistência mecânica, da maciez e do brilho dos fios tratados. Quanto à penteabilidade, ambas as formulações em estudo – a formulação-veículo e a formulação acrescida do óleo de larva de mosca-soldado-negra – apresentaram melhora nesse parâmetro, indicando que a presença de antiestáticos em formulações cosméticas do tipo máscara reduz a eletricidade estática dos fios de cabelo. A avaliação sensorial da mecha corrobora os resultados obtidos nos testes de maciez e penteabilidade, uma vez que esses parâmetros foram bem avaliados. Por fim, o óleo de larva de mosca-soldado-negra foi eficaz na melhora das propriedades mecânicas dos cabelos e na percepção sensorial dos fios tratados, sendo sua aplicação vantajosa tanto em relação à eficácia da formulação quanto à sua extração, que é limpa e sustentável.
Agradecimentos
Os autores deste trabalho agradecem ao Programa Unificado de Bolsas da Universidade de São Paulo (projeto 2024-491) e à professora Alessandra Lopes de Oliveira, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), da Universidade de São Paulo, pela obtenção do óleo de larva de mosca-soldado-negra, utilizado no desenvolvimento do presente trabalho.
Rafaela de Almeida Zito é graduanda pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FCFRP– USP), Ribeirão Preto SP, Brasil.
Letícia Kakuda é doutoranda em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FCFRP–USP), Ribeirão Preto SP, Brasil.
Patrícia Maria Berardo Gonçalves Maia Campos é professora titular de Cosmetologia na Faculdade e Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (FCFRP–USP), Ribeirão Preto SP, Brasil.
Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Brasil) 36(4): 18-21, 2024
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