Testes alternativos

Panorama dos testes em animais

Redução no uso de animais

Métodos alternativos

Os testes alternativos mais utilizados

 

Testes alternativos

     Existe um esforço e um conjunto de atividades recentes no país, como a criação de entidades voltadas especificamente ao estudo e à disseminação de conhecimento em testes alternativos, que apontam para perspectivas positivas no que se refere ao uso de metodologias alternativas. “A rotina da indústria cosmética no Brasil tem reduzido muito o uso de animais para testes. O que vemos são iniciativas mais voltadas à esfera acadêmica”, afirma Jadir Nunes, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Stiefel para a América Latina.

     Até as primeiras décadas do século 20, uma grande diversidade de produtos chegava aos consumidores sem a realização de testes que assegurassem sua segurança e eficácia, oferecendo riscos à saúde das pessoas. Esse cenário era comum tanto em medicamentos como nos segmentos de beleza e higiene pessoal. No que se refere aos medicamentos, um exemplo clássico é o da talidomida, droga responsável por casos de deficiências graves em mais de 15 mil crianças no mundo todo, nascidas nas décadas de 1950 e 1960. Nos anos 1930, um produto para cílios e sobrancelhas da marca Lash Lure, utilizado em estabelecimentos de beleza, causou cegueira em cerca de 12 pessoas nos Estados Unidos.

imagem_233.png     Em 1944, em um cenário de crescente conscientização quanto à necessidade de maior controle do desenvolvimento de produtos por parte das agências regulatórias, o cientista John H. Draize, especializado em farmacologia, desenvolveu um teste realizado em coelhos, cujo objetivo era determinar a irritação ocular induzida por medicamentos, cosméticos e outras substâncias químicas. Draize era chefe da Dermal and Ocular Toxicity Branch, divisão de farmacologia da Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos.

     Depois das avaliações e discussões a respeito das alterações funcionais orgânicas e sistêmicas envolvidas na avaliação de toxicidade das substâncias químicas na pele e nas mucosas, Draize e sua equipe publicaram o estudo “Methods for the study of irritation and toxicity of substances applied topically to the skin and mucous membranes”. Os testes introduzidos por Draize tornaram-se metodologias padrão na avaliação da irritação ocular e dérmica. Contudo, à medida que se tornavam mais utilizados pela indústria, os testes passaram a ser alvo de críticas, em razão do sofrimento imposto aos animais durante os procedimentos e de suas limitações – sobretudo no que refere às diferenças entre o olho do coelho e o olho humano e à subjetividade das respostas.

     Em 1959, William Russell e Rex Burch publicaram o livro The principles of humane experimental technique, no qual afirmam que pesquisas feitas em animais deveriam respeitar os princípios dos 3 Rs: Reduction, Refine, Replace (Reduzir, Refinar, Substituir). O programa dos 3Rs corresponde à redução do número de animais utilizados na pesquisa, ao refinamento de técnicas (no sentido de reduzir o sofrimento animal) e à busca por métodos alternativos que substituam os testes in vivo. Os 3 Rs foram incorporados pela comissão de ética do Reino Unido e adotados pelo governo dos Estados Unidos como critério para liberar verbas de estímulo aos projetos de pesquisa em áreas biomédicas.

     Coelhos, camundongos, macacos e porquinhos-da-índia, entre outros animais, vêm sendo utilizados como cobaias em testes para o desenvolvimento de medicamentos, vacinas, cosméticos e produtos de limpeza. Os animais que fazem parte dos testes são criados em viveiros, os biotérios, e usualmente são sacrificados após o estudo. Esses métodos, naturalmente, são repudiados por ativistas e por um grande número de pessoas na sociedade.

     Nas últimas décadas, grupos de pesquisadores no mundo todo vêm se dedicando ao estudo e ao desenvolvimento de métodos alternativos. “Na Europa, por exemplo, as empresas cosméticas não utilizam animais para testar produtos cosméticos acabados, há muitos anos. Além disso, a legislação da Comunidade Europeia de 2009 proíbe não somente o teste de produtos cosméticos acabados, mas também o de ingredientes cosméticos em animais. Essa proibição abrange também a comercialização de produtos cosméticos produzidos e testados fora da Europa. Por exemplo: se um produto cosmético desenvolvido no Brasil apresentar em sua formulação um ingrediente que tenha sido testado com o auxílio de animais, esse produto não poderá ser comercializado na Europa”, diz Nunes.

 

Panorama dos testes em animais

     Nunes explica que, de forma geral, qualquer animal pode servir à experimentação. No entanto, a prioridade é a utilização de um modelo que apresente melhor resposta a determinado estímulo, por sua maior sensibilidade, por sua facilidade de manejo e pela evidenciação do efeito ou por sua semelhança anatômica, fisiológica ou metabólica com o ser humano. “Os animais de laboratório deverão ser utilizados sempre que não existirem métodos alternativos validados que os substituam ou, em casos específicos, após screening (rastreamento) com métodos in vitro e/ou matemáticos validados, precedendo, dessa forma, os estudos clínicos”, ele diz.

     Uma parte considerável das atividades desenvolvidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, implica, obrigatoriamente, o uso de animais. “Entretanto, em consonância com o desenvolvimento científico e a tendência mundial, faz parte das pesquisas na Fiocruz a busca por métodos alternativos”, ressalta o pesquisador Octavio Presgrave, do departamento de Farmacologia e Toxicologia do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da Fiocruz. Entre suas diversas atividades, a Fiocruz atua nas áreas de pesquisa, ensino, produção de vacinas e medicamentos e controle da qualidade de produtos sujeitos à vigilância sanitária.

     Presgrave destaca que a busca por métodos alternativos no país conta com duas frentes principais: a Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua) e o Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos (Bracvam, da sigla em inglês de Brazilian Center for Validation of Alternative Methods). Todos os protocolos de produção, pesquisa e ensino que envolvem o uso de animais passam pela análise da Ceua. “Ao contrário do que possa parecer, a Ceua não tem a intenção de atrapalhar o desenvolvimento de nenhum projeto, mas, sim, de resguardar o pesquisador e a instituição, para garantir o uso ético dos animais. Dentre as suas atividades, cabe à Ceua sugerir que o pesquisador busque alternativas antes de usar animais”, ele comenta.

     Ao Bracvam cabe, entre suas diversas funções: identificar quais métodos necessitam de validação; analisar se um método já validado para determinados produtos fora do país necessita de adequação à realidade de produtos nacionais; e coordenar estudos de validação. “O Bracvam conta com a Rede Nacional de Métodos Alternativos (Renama) para executar as validações. De forma geral, após seguir todo o processo, o método é apresentado ao Conselho Nacional de Controle da Experimentação Animal (Concea) que, segundo a Lei nº 11.794/2008, detém a competência para oficializar um método alternativo no Brasil”, diz o pesquisador.

     Jadir Nunes lembra que a tendência global é a utilização de métodos alternativos aos testes em animais sempre que estiverem disponíveis, para cosméticos e para todos os tipos de teste de segurança. “A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), que engloba 35 países-membros, e com a qual o Brasil assinou um termo de colaboração especial, vem acompanhando esses desenvolvimentos e também propõe fomentar várias linhas de pesquisas, com base em métodos alternativos”, ele comenta.

     A professora Silvia Berlanga de Moraes, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), ressalta que, no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) preconiza o uso de testes alternativos ao uso de testes em animais validados internacionalmente, mas não de maneira obrigatória. “Pensando nas perspectivas de exportação de produtos cosméticos fabricados no Brasil para a União Europeia (UE), a utilização de métodos alternativos deverá crescer em nosso país. Somam-se a isto as diretrizes do Concea, que preconiza que quando houver testes alternativos ao uso de animais estes devem obrigatoriamente ser escolhidos em substituição aos ensaios com animais”.

     Silvia ressalta que o Brasil conta com alguns laboratórios que oferecem testes in vitro para a avaliação de segurança e eficácia de insumos e produtos cosméticos, mas que nem todas as metodologias foram implementadas. “Em particular, os testes que empregam tecidos biomiméticos, como epiderme equivalente, sobretudo por questões logísticas, ainda precisam ser desenvolvidos e validados no país”, completa.

     Ela destaca que o Brasil tem hoje uma legislação bastante rigorosa no que se refere ao uso de animais de laboratório. “Todos os experimentos com animais devem obrigatoriamente ser submetidos a comissões de ética em experimentação animal, para que estes sejam conduzidos de forma a minimizar o número de animais e permitir o alcance dos objetivos do projeto. A Anvisa, em seu “Guia de Avaliação de Segurança de Produtos Cosméticos”, indica que os animais podem ser utilizados para avaliar os riscos potenciais envolvidos, como irritação, alergia ou efeitos sistêmicos a curto e a longo prazo”.

 

Redução no uso de animais

As chances de encontrar alternativas ao uso de animais crescem na mesma proporção que os avanços tecnológicos. “Se pensarmos no que tínhamos dentro do conceito dos 3Rs há 30 anos e no que nós temos hoje, creio que as perspectivas são as melhores possíveis”, ressalta Presgrave, da Fiocruz.

Na área cosmética, existem ensaios que são feitos em diversos estágios do desenvolvimento de um produto para os quais ainda é necessário o uso de animais. “Um relatório da própria União Europeia de 2004 já apontava que, antes do prazo determinado pela 7ª Emenda da Diretiva de Cosméticos [da UE], alguns desses testes não teriam alternativas de substituição. Na verdade, em muitos casos, existem alternativas de redução, o que não deixa de ser um avanço”, diz. Ele menciona alguns exemplos:

imagem_330.png• Teste de sensibilização cutânea (ou dermossensibilização) – ainda não há alternativa de substituição. No entanto, houve a redução do número de animais: de 30 a 40 porquinhos-da-Índia para cerca de 10 camundongos. “Além disso, o ensaio em camundongos não é tão invasivo quanto o método em cobaios, que ainda é permitido”, diz o pesquisador.

• Toxicidade aguda – por meio do método clássico, chegava-se a utilizar cerca de 100 animais. Os novos testes demandam o uso de entre 10 e 20 animais.

• Toxicidade crônica e reprodutiva – o primeiro teste é realizado para avaliar se a utilização contínua de um produto pode causar algum tipo de dano ao usuário. O segundo analisa a possibilidade de haver efeitos no sistema reprodutivo. Ainda não há como deixar de usar animais para os dois testes.

 

Métodos alternativos

     Para Jadir Nunes, o Brasil ainda está se desenvolvendo nesse campo. “Não estamos no nível avançado da Europa, dos Estados Unidos e do Japão,por exemplo. A cultura de não utilizar animais já vem de vários anos nesses países, e isso fez que as empresas e universidades desenvolvessem mais fortemente os métodos alternativos.” Ele menciona o princípio dos 3Rs, lembrando que o conceito de ensaios alternativos é muito mais abrangente do que a substituição do uso de animais, incluindo a questão da redução e do refinamento na utilização destes. “Somente a partir da proposta de proibição na Europa, no início dos anos 2000, é que começamos a levar isso mais em conta”, diz.

     São exemplos de iniciativas recentes no Brasil: a elaboração do “Guia para Avaliação de Segurança de Produtos Cosméticos”, (documento que contempla e descreve alguns métodos alternativos aceitos, validados e em fase de validação), cuja primeira edição foi lançada em 2003; a criação do Bracvam, em 2011; e a criação da Sociedade Brasileira de Métodos Alternativos à Experimentação Animal (SBMalt), em 2013. Sobre a recém-criada SBMalt, Nunes informa que a associação “tem como objetivo aglutinar competências, divulgar informações e conhecimentos técnico-científicos [...] no que diz respeito à aplicação de métodos alternativos à experimentação de animais para fins educativos e científicos, e à avaliação de toxicidade e eficácia de substâncias e misturas, incluindo soluções in vitro e in silico”.

     Além de poupar o animal, testes in vitro oferecem, em determinados casos, maior rapidez na obtenção dos resultados, entre outras vantagens, na comparação com as metodologias que utilizam animais. “Um exemplo é o teste de irritação dérmica. Se no coelho o teste pode demorar até 14 dias [...], os testes in vitro permitem que os mesmos resultados sejam obtidos em poucos dias. Os testes in vitro que são cientificamente validados permitem obter os mesmos resultados dos testes em animais, no que se refere respeito à classificação, à rotulagem e aos pré-requisitos regulatórios. Por isso, o processo de validação desses testes é importante. Outra vantagem é que os métodos in vitro são menos variáveis que os testes em animais, garantindo maior reprodutibilidade dos resultados obtidos”, explica Nunes.

     No tocante aos custos, ele comenta que eles variam em função da grade de testes e do tipo de produto que se está desenvolvendo. De forma geral, na Europa e nos Estados Unidos esses custos são comparáveis. “No Brasil, dependendo do porte da empresa, testes alternativos ainda podem ser considerados de valor elevado”, completa.

     Como ressalta Presgrave, da Fiocruz, é preciso ter em mente que o desenvolvimento de um método alternativo, além da questão ética de substituição ou redução do uso de animais, pode significar grande desenvolvimento tecnológico. “Hoje existem no Brasil alguns grupos pesquisando métodos alternativos tanto para a experimentação quanto para o ensino. Esses grupos estão nos laboratórios oficiais e privados, nas indústrias e nas universidades”, diz o pesquisador.

     “Com a criação do Bracvam e da Renama e com a participação de todas as instituições que têm expertise em métodos alternativos, sem dúvida, o Brasil dará um salto imenso nas pesquisas. A perspectiva é que o país possa não só validar métodos internamente, como participar de processos de validação internacional”, ele conclui.

 

Os testes alternativos mais utilizados

imagem_424.pngO desenvolvimento de modelos experimentais alternativos para a área cosmética, em substituição ao uso de animais de laboratório, ganhou impulso nos anos 1980, graças à evolução técnico-científica. “Os principais testes alternativos usados pela indústria cosmética são aqueles que avaliam a toxicidade tópica”, afirma Jadir Nunes.

Ele destaca alguns exemplos, dentre os métodos in vitro mais utilizados atualmente:

• Avaliação do potencial de irritação ocular

Por meio de um conjunto de métodos in vitro (BCOP, HET-CAM, citotoxicidade pela difusão em gel de agarose, citotoxicidade pelo método do vermelho neutro e citotoxicidade pelo método de NRU, MTT e RBC), agrupam-se informações que oferecem subsídios para garantir a segurança, em nível ocular, do produto.

Como há mais de um mecanismo de irritação ocular, apenas a realização de um ensaio in vitro não é sufi ciente para fazer uma completa avaliação. “O ideal é obtermos dados relacionados à vascularização (HET-CAM – Hen’s Egg Test -Chorioallantoic Membrane), à opacidade/permeabilidade (BCOP – Bovine Corneal Opacity and Permeability) e à citotoxicidade (NRU - Neutral Red Uptake, MTT - corante vital, MTT ou 3-(4,5 dimethyl thiazole-2yl)-2,5 diphenyl tetrazolium bromide, RBC- Red blood cell)”, diz Nunes.

• Epiderme reconstituída

Os métodos de pele reconstituída aplicados de acordo com o descrito no European Surveillance of Antimicrobial Consumption (ESAC) podem ser usados como substitutos do teste de Draize ou como procedimento de screening, antes de o teste ser executado em animais. Esses métodos se baseiam na aplicação da amostra em substrato de pele reconstituída, com posterior avaliação pela redução do MTT.

• Avaliação do potencial fototóxico

O teste de fototoxicidade, por meio da metodologia 3T3 NRU-UV, permite defi nir uma resposta tóxica clara depois da primeira exposição da célula a agentes químicos e posterior exposição da célula à irradiação. Já no que se refere à avaliação dos riscos alergênico e fotoalergênico, ainda não existem testes in vitro.

• Teste de fototoxicidade

A base desse teste é a comparação da citotoxicidade de um agente químico testado, com ou sem exposição adicional, a doses não tóxicas de luz UVA.

• Avaliação da permeação e retenção cutâneas

O objetivo desse estudo é avaliar, in vitro, a permeação e a retenção cutâneas de uma molécula ativa. A membrana modelo para esse estudo pode ser obtida da pele da orelha do porco ou de pele humana proveniente de cirurgia.

 

Esta matéria foi publicada na edição jul/ago_2013 da revista Cosmetics & Toiletries Brasil
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