Os α-hidroxiácidos (AHA) têm sido usados, durante todo este século, para aplicação tópica, tanto na forma de ácidos livres quanto sais. Existem referências publicadas desde a década de 1930, sobre as propriedades de suavização da pele pelo ácido láctico a partir de preparados de ureia. 1Já em 1959. produtos como pHisoderm, fabricado pela Winthrop, promoviam o ácido láctico para tratamentos cutâneos.

Atualmente, produtos contendo teor de 4% ou mais de AHAs invadiram o mercado: Avon (Renew). Paul Mitchel (Dejoria Gentle Exfoliating System), Elizabeth Arden (Ceramide Time Complex Moisture Cream). Estee Lauder (Fruition) e Westwood Pharmaceutical (LacHydrin), são apenas algumas das empresas que comercializam, nos Estados Unidos, produtos com AHAs.

Nas últimas décadas, foi realizado número considerável de investigações clínicas sobre os AHAs. Neste trabalho, vamos nos concentrar nos cinco AHAs comumente encontrados nas plantas superiores: ácido glicólico, ácido láctico, ácido cítrico, ácido málico e ácido tartárico.

O ácido glicólico, também conhecido como ácido hidroxiacético ou hidroxietanóico, tem peso molecular 76,05 e corresponde à fórmula C2H4O3. É formado como intermediário na conversão de ribulose 1,5-difosfato em glicina. É o principal substrato da fotorrespiração em algumas plantas de zonas temperadas.

O ácido láctico (C3H6O3) tem peso molecular 90,08 e também pode ser denominado ácido 2-hidroxipropanoico ou ácido α-hidroxipropiônico. Em muitas plantas, o ácido láctico resulta do metabolismo de carboidratos.

O ácido cítrico ocorre como produto do metabolismo aeróbico, formado quando o acetil-CoA é introduzido no ciclo do ácido cítrico. O ácido cítrico, 2-hidróxi-1,2,3-propano tricarboxílico (C6 H807) tem peso molecular 192,12.

O ácido málico, ácido hidroxibutanodióico (PM 134,09 – C4H6O5) e o ácido tartárico, ácido 2,3-dihidroxibutanodióico (PM 150,09 – C4H6O6), também são gerados por vias metabólicas típicas.

O primeiro AHA a ser estudado para tratamento de pele parece ter sido o ácido láctico. Grande parte dos primeiros trabalhos sobre o ácido láctico concentrou-se em sua capacidade de aumentar o teor de unidade da epiderme. Inicialmente, os benefícios do ácido láctico tópico, ou da aplicação de lactato, foram atribuídos ao aumento da concentração de ácido láctico no fator de umidade natural da pele (NMF, do inglês normal moisturizing factor). O fato do ácido láctico aumentar a hidratação da pele, não costuma ser questionado. Ainda estão sendo publicados trabalhos que demonstram que os sais de ácido láctico, principalmente o lactato de amônio, podem diminuir a incidência de xerose e descamação, seja ela atópica ou não.2 Recentemente foram realizados estudos mais detalhados para determinar o modo de ação dos AHAs. 

Talvez Yu e Van Scott3 tenham feito as primeiras investigações sobre os efeitos da aplicação tópica de uma série de AHAs. No artigo mais citado na área de pesquisa sobre AHAs, em Archives of Dermatology, Yu e Van Scott propõem que quase todos os AHAs de cadeia curta, produzem resultados comparáveis no alívio de sintomas da dermatose ictiosiforme. 

Como muitos outros autores recentes, ressaltam que os sintomas reaparecem após o término do tratamento. É interessante verificar que os dados apresentados indicam que a eficácia dos AHAs independe do veículo. Tanto os veículos hidrofílicos, quanto anidros, produzem resultados similares. Com este trabalho, começamos a observar interesse sobre os possíveis caminhos bioquímicos de ação dos AHAs. 

Confirmando a ideia de que a eficácia dos AHAs pode resultar de algumas mudanças no metabolismo celular, Levy Goldsmith4 obteve dados, em 1979, mostrando que o piruvato de sódio produz efeito semelhante ao da aplicação do ácido láctico. Soluções de piruvato de sódio a 5% aumentaram, significativamente, a descamação em pessoas com hiperqueratose, sem provocar a irritação observada com o ácido retinóico. Isto não surpreende, considerando que a epiderme demonstra atividade enzimática e que o piruvato é convertido em lactato pelo lactato deidrogenase. Infelizmente, não foram conduzidos estudos para observar o destino metabólico do piruvato.5 

Seguindo o mesmo raciocínio, sabe-se que o citrato inibe a fosfofrutoquinase, uma enzima que controla a glicólise na pele humana. Essa ação poderia aumentar a síntese de glucoronato, levando à biossíntese de mucopolissacarídeos. A base desta teoria é confirmada por Kando e col,6 que conduziram alguns dos primeiros trabalhos sobre a glicólise na pele. Alguns trabalhos recentes, não publicados, conduzidos na Universidade de São Francisco, avaliaram amostras histológicas de pele tratada com ácido cítrico. Estudos indicaram que a aplicação tópica do ácido cítrico, aumenta a síntese de colágeno. 

Em 1985, Takahashi, Machida e Tsuda7 publicaram um documento no Journal of the Society of Cosmetic Chemists, indicando que o efeito plasticizante do ácido láctico não tem relação com sua capacidade de reter água. Esse estudo mostra que, enquanto a hidratação da epiderme provocada pelo lactato de sódio, é significativamente maior do que a do ácido láctico, a pele tratada com ácido láctico possui maior elasticidade. Como parte desse estudo demonstrou-se, também, que a combinação dos grupos hidroxil e carboxil é necessária para que a atividade dos AHAs atinja seu nível máximo. 

Desenvolvendo o trabalho de Takahashi, Machida e Tsuda, Desmond Hegen e colaboradores da Unilever Research, estudaram os efeitos dos ácidos 2-hidroxialcanóicos, principalmente o ácido hidroxicaprílico sobre a elasticidade do estrato córneo. As descobertas dessa pesquisa mostram que a elasticidade máxima é produzida em C8, nas moléculas saturadas. O estudo também confirma a ideia de que o posicionamento do grupo hidroxil é crítico para a eficácia, com efeito máximo em C2. Os benefícios devidos a qualquer efeito umectante, são contestados pela proteção da pele com baixa umidade relativa (44%), onde se espera que o material umectante libere umidade da pele. 

Outro comunicado da Unilever sugere que alguns dos benefícios dos AHAs, podem ser devidos ao efeito plasticizante sobre os lipídeos do estrato córneo, Mostrou-se que administração tópica de emulsões de lactato de amônio a 12%  aliviam os sintomas da pele seca; e exames clínicos não invasivos, indicaram significativa diminuição da descamação, ressecamento e perda de água transepidérmica.8

Embora os AHAs, possam provocar diminuição no ritmo de descamação em pessoas de pele seca, também são usados no tratamento de estados hiperqueratínicos. A aplicação tópica de lactato de amônio, produz remissão em pacientes com ictiose. Com efeitos pouco diferentes daqueles vistos na ictiose, o lactato de amônio também tem sido usado para minimizar os efeitos provocados pela terapia corticosteróide. Foi divulgado que uma solução de lactato de amônio a 12%, aumenta a espessura da epiderme, bem como a síntese de glicosaminoglicanos.9 Pesquisas revisadas sobre a eficácia dos AHAs definem como incerta a sua maneira exata de ação. Alguns estudos apontam para aumento na elasticidade da pele devido ao efeito plasticizante da porção proteica do estrato córneo, embora existam indícios de que os AHAs afetem diretamente a fração de lipídeos do estrato córneo. Os indícios derivados da aplicação tópica de piruvato, indicariam que os AHAs afetam diretamente alguns caminhos metabólicos, respaldados pelo aumento da síntese de glicosaminoglicanos propiciada pela aplicação tópica do AHA.10 Dada a falta de clareza sobre a sua maneira exata de ação e eficácia, decidimos examinar uma mistura de AHAs, de ocorrência natural e de origem vegetal, com o objetivo de estender o maior leque possível aos seus efeitos benéficos, variando a distribuição das cadeias de carbono. Para isto, decidimos identificar plantas ricas em ácidos glicólico, láctico. cítrico, málico e tartárico. 

O arando (Vacinium myrtitillus) é um arbusto baixo, encontrado ao norte da Europa, que dá frutos azuis escuros em julho e agosto, apreciados e ricos em vitamina C. Os pilotos da RAF tomavam preparados contendo extrato de arando para melhorar a visão noturna. Por sorte. O arando também é uma excelente fonte de ácido láctico. 

A cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) é uma fonte natural de ácido glicólico. Trata-se de uma planta de grandes proporções, espessa e permanente, encontrada ao sul dos Estados Unidos, no Caribe, na Ásia, no Brasil e na Índia. Comercialmente, a cana-de-açúcar é fonte de açúcar e melado. 

O xarope obtido de bordo (Acer saccharum) é usado como fonte de ácido málico. Laranjas (Citrus senesis) e limões (Citrus limonum) são utilizados como fontes de ácido cítrico. 

Extratos aquosos de plantas escolhidas são produzidos a 50°C. Os extratos são combinados na proporção de 57% de arando, 24% de cana de açúcar, 8% de limão, 8% de laranja e 3% de açúcar de bordo. A combinação é, em seguida, submetida à destilação a vácuo. O produto é avaliado durante este processo por cromatografia a gás, para determinar seu teor de ácido. A destilação prossegue, até que o teor de ácidos atinja a seguinte composição: 

Ácido láctico

28-32 %

Ácido glicólico

12-17 %

Ácido cítrico

2-6 %

Ácido málico 

máx. 1 %

Ácido tartárico

máx. 1 %


Depois de ser obtida a proporção desejada de AHAs, o extrato misto de frutas (EMF) foi testado em sua eficácia. Os extratos, combinados a uma diluição de 10%, foram testados em voluntários, em um laboratório externo, para determinar o efeito sobre a velocidade de renovação celular pelo método de cloreto de dansila.11,12 Admite se, geralmente, que a epiderme prolifera a velocidade que reflete vários fatores conhecidos e desconhecidos.13 A diferença no ritmo de renovação celular, pode ser o dobro na pele jovem, se comparada com pele mais velha, por isso foram incluídas nesse estudo, vinte mulheres com idades entre 18 e 55 anos, todas com boa saúde, e sem qualquer doença dermatológica aguda ou crônica. 

Antes de iniciar a aplicação do produto foi feito um teste, incluindo todas as participantes, com 5% de cloreto de dansila numa base de vaselina durante 24 horas. Duas áreas do antebraço palmar direito ou esquerdo foram definidas, sendo aplicada tintura de cloreto de dansila com uma bandagem não oclusiva (2cm x 3cm). 

Todos os voluntários foram examinados no 1o dia com lâmpadas UV de mineral de quartzo (ondas curta e longa), para avaliar o consumo da tintura pelo estrato córneo. Todos os voluntários receberam o produto para ser aplicado com cotonetes, duas vezes ao dia. Uma área do antebraço foi tratada como controle. As avaliações foram feitas até a tintura não ser mais visível. Quando o teste terminou, as áreas testadas foram suavemente esfregadas com uma solução detergente, para remoção da escamação. Foi feito um exame microscópico das amostras da solução, para quantificar e qualificar as descamações e os corneócitos. 

Os resultados indicam que a tintura deixou de ser detectável no dia 13,5 no local de teste, enquanto precisa de 24,5 dias para desaparecer da área de controle (Tabela 1). Esses resultados indicariam aumento de 34% na velocidade de renovação celular, com limite de confiança superior a 95%. A análise do produto descamado mostrou que, com o aumento da renovação celular, o número de células descamadas aumenta, enquanto o número total de conglomerado de pele diminui (Tabela 2).

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Demonstrar que um material é ativo por si mesmo é, sob certos aspectos, um método tanto quanto irreal para determinar a eficácia do produto. 

Testar a matéria-prima em si, deixa de levar em conta a atividade de outros ingredientes constantes da fórmula. Para obter dados mais significativos, foram executados mais testes por um segundo laboratório independente, onde os ácidos mistos de frutas foram colocados numa formulação cremosa comercial não iônica/aniônica a 4% (teor de ácido 2%). O protocolo seguido por este laboratório foi semelhante ao primeiro, mas diferiu pela concentração de cloreto de dansila usado, 3% contra 5%. Deste estudo participaram vinte mulheres com idades entre 24 e 50 anos (Tabela 3).

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O creme utilizado como controle, aumentou a renovação celular em 40%. O creme contendo 4% de extrato misto de frutas, provocou aumento de 48% na velocidade de renovação celular No total, o acréscimo de 1% tomou o creme eficaz em 20%. 

Há muitos métodos para tratar a pele. Muitos poucos caminhos ainda não foram explorados com o objetivo de restaurar ou manter a aparência da juventude. Os AHAs de origem botânica não representam um conceito revolucionário, mas sim um ingrediente natural e balanceado para o tratamento altamente eficaz da pele.

 

 

Este trabalho foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Edição em Português) 7(5): 59-63, 1995.