Modelos
Testes
Conclusão

 

Todos os anos, industrias químicas e de biotecnologia apresentam novos produtos sintéticos e naturais. Produtos vegetais (óleos de mostarda, amêndoa e coco, açafrão, basílico, cúrcuma, gengibre e sândalo vermelho)1,2,3 e derivados da leite1 têm sido usados há anos em aplicações cosméticas, mas não compreendemos inteiramente a ciência da atividade biológica desses ingredientes. Antigas ou novas, as matérias-primas podem causar irritações e alergias. Portanto, é essencial selecionar essas matérias-primas antes de elaborar o produto final.

De modo ideal, os testes deveriam ser feitos em pessoas, mas isso é frequentemente impossível, pois as reações adversas causadas pelos novos produtos podem ser desconhecidas. A segunda preferência são os testes em animais. Cientificamente, há significativas diferenças estruturais e bioquímicas entre a pele de animais e a pele humana. Assim sendo, a extrapolação dos resultados de testes pode não ser precisa. Ademais, há grande demanda para redução e substituição dos animais de laboratório.

Em vista dos problemas científicos e sociais que cercam o uso de animais de laboratório para testes de segurança de produtos, fazem-se necessários as técnicas in vitro. No desenvolvimento de produtos cosméticos e dermatológicos, para screening de ingredientes são usados testes in vitro com células da pele (cultura pura) e equivalentes de células vivas. Tais testes provaram ser úteis para avaliação de segurança e eficácia, e para seleção apropriada de ingredientes ativos.

Os modelos de linhagens de células humanas (tais como queratinócitos, fibroblastos, melanócitos e células de Langerhans) e de cultura de pele oferecem muitas vantagens sobre os testes in vivo. A mais importante delas é a eliminação da necessidade de efetuar testes em animais. Os testes in vitro são menos dispendiosos, mais rápidos e permitem o screening de vários compostos simultaneamente. Também eliminam as variações relacionadas aos testes in vivo, tais como idade, dieta, exposição ao sol, uso de drogas e outros fatores experimentais. São mais acurados e mais precisos. 

O presente artigo descreve os vários modelos in vitro e os métodos de teste usados por indústrias cosméticas e farmacêuticas.

 

Modelos

Cultura celular.
Uma população relativamente bem definida de células (queratinócitos, melanócitos, células de Langerhans, fibroblastos e sebócitos) pode ser isolada da pele humana e usada para testar a atividade biológica de vários ingredientes. Diferentemente dos equivalentes de pele viva, a cultura pura é menos dispendiosa de mais fácil manutenção. Cada linhagem de células foi caracterizada com base em sua morfologia e função.

                Queratinócitos, o tipo celular primário da epiderme, têm formato irregular. Sintetizam grande número de fatores de crescimento, proteínas e enzimas.4 Diferenciam-se e formam uma barreira conhecida como estrato córneo (EC), que repele patógenos, resguarda da perda de fluidos e resiste à abrasão. 

                Melanócitos são o segundo tipo principal de células epidérmicas. São grandes células dendríticas, localizadas na camada basal da pele. Sua função é produzir pigmentos de melanina, que protegem as células adjacentes da exposição à radiação UV. Transportam a melanina aos queratinócitos vizinhos através de dentritos. 

                As células de Langerhans são o terceiro tipo celular da epiderme. Essas células desempenham importante papel no sistema imunológico da pele. A cultura primária de células de Langerhans é menos estável que a de queratinócitos e melanócitos, e por isso seu uso como modelo in vitro é menos difundido. 

                Fibroblastos são principal tipo celular da derme. Têm sido longamente exploradas para estudos in vitro, presumivelmente por seu maior vigor e capacidade de crescimento em culturas, comparativamente às outras linhagens celulares. São células fusiformes, com extremidades alongadas. A função primária desse tipo celular é a síntese de proteínas da matriz extracelular, tais como colágeno, fibronectina, elastina, proteoglicanas, e suas enzimas degradadoras, tais como colagenase, elastase e outras metaloproteinases da matriz.5 

A pele tem glândulas produtoras de substâncias oleosas, chamadas glândulas sebáceas, Karasek e colaboradores foram os primeiros a isolar sebócitos a partir dessas glândulas. O esqualeno é o principal lipídeo nos sebócitos. A inibição da proliferação de sebócitos humanos pelo ácido retinóico tem sido usada como ensaio preditivo da atividade antiacne. A inibição da produção de esqualeno e óleo em sebócitos pode ser usada como um ensaio in vitro preditivo no screening de ingredientes controladores da oleosidade, no desenvolvimento de produtos cosméticos e farmacêuticos para pele seca e oleosa. 

No entanto, existem desvantagens e limitações no uso de culturas celulares puras para testar produtos finais. As culturas celulares não são aplicáveis no estudo de interações intercelulares. Para solucionar esses problemas, os investigadores introduziram os modelos de cultura de pele. 

Equivalentes de pele viva: A cultura de pele permite a aplicação de um material de teste tal como é aplicado na pele humana, e pode ajudar a investigação da comunicação intercelular. A empresa Mat Tek Co. (Ashland MA, Estados Unidos) introduziu um produto chamado Epiderm.8 Consiste de queratinócitos altamente diferenciados, formando as camadas basal, espinhosa, granular e cornificada, encontradas na epiderme humana.9 

Marcadores da epiderme, como queratina, filagrina, involucrina e transglutaminase tipo 1, foram localizados no modelo Epiderm. Também foram incorporados melanócitos ao Epiderm, para formar o Melanoderm produto do mesmo fabricante (Figuras 1),10 em cuja camada basal localizam-se melanócitos. Esses dois modelos (Epiderm e Melanoderm) consistem somente a epiderme, falta-lhes a derme. Bell e colaboradores desenvolveram em modelo de espessura total, consistindo de epiderme e derme.12 Alguns pesquisadores usam equivalentes de pele em bicamada em seus laboratórios para conduzir testes in vitro.12,13 

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Todos os modelos acima, culturas celulares puras e equivalentes de pele viva, são válidos para testar respostas bioquímicas e fisiológicas às matérias-primas e produtos acabados. Entretanto, é preciso escolher o modelo in vitro apropriado e a técnica adequada para cada teste em particular, quando se espera consequir conclusões válidas sobre a atividade biológica do material testado (Figura 2). 

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Testes 

Absorção percutânea: A absorção percutânea envolve quatro eventos principais: 

  • Fase de difusão através do EC a partir do veículo aplicado. 
  • Distribuição a partir do EC para a epiderme viável.
  • Difusão através da epiderme e derme superior. 
  • Captação por capilares. 

A absorção percutânea pode ser estudada in vitro através da absorção através da aplicação tópica de substâncias radioativas sobre o modelo de equivalente de pele. Tal modelo é útil na seleção do veículo correto para ingredientes ativos, pois a maioria deles só age bem se penetrar no EC ou em camadas mais profundas da epiderme. A taxa e a profundidade de penetração de ingredientes ativos dependem do veículo. 

Proliferação celular: Várias técnicas são usadas para mensurar a proliferação celular. A principal técnica é a cultura celular adequada aos ingredientes testados. Para isso, pode-se contar as células ao microscópio com hemocitômetro ou mensurar o DNA celular. A quantificação do DNA é obtida pela mensuração da incorporação de timidina radioativa14 ou pelo uso de coloração fluorescente15 na presença de ingredientes que regulam o crescimento de queratinócitos, fibroblastos ou melanócitos. 

Diferenciação celular: Queratinócitos e Epiderm são modelos de teste apropriados ao estudo dos efeitos de diversos ingredientes e produtos acabados sobre marcadores de diferenciação, como involucrina e queratina 1, 10 e 14. Esses marcadores podem ser analisados por técnicas como Western blot, radioimunoensaio, ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay, ou ensaio de imunoabsorção ligada a enzima) ou citometria de fluxo. Ingredientes como proteínas do leite, aminoácidos, vitaminas e alguns extratos vegetais induzem o crescimento de fibroblastos e queratinócitos. O crescimento celular é medido na presença desses ingredientes para estudar sua atividade relativa sob várias concentrações. 

Toxicidade: Os modelos tridimensionais de epiderme e derme humana têm se mostrado eficazes em sistemas de teste in vitro para detecção bioquímica e histológica de irritação, corrosão e fototoxicidade da pele.16,17 

Um produto ou ingrediente irritante penetra no estrato córneo e na epiderme, causando liberação de prostaglandinas e citocinas, bem como interleucinas. Técnicas como radioimunoensaio ou ELISA detectarão a liberação de prostaglandina E2 (PGE2) e interleucinas, tais como IL-1α ou IL-8. Esses testes têm sido correlacionados com respostas irritativas em humanos após exposição tópica a materiais como tensoativos, AHAs e BHAs, extratos naturais, óleos, tinturas de cabelo, e produtos colorantes e de cuidado da pele. A viabilidade celular é usualmente determinada com ensaio de MIT [3-(4,5-dimetiltiazol-2-ila-2,5-dofenil tetrazoliumbromida)], que quantifica a atividade de enzimas mitocondriais.18 

Melanogênese: A melanogênese inclui a síntese e o transporte de pigmentos de melanina. Como mostra a Figura 1, os melanócitos são células dendríticas, que transportam melanossomos contendo melanina aos queratinócitos, através dos seus dendritos. Têm alto nível de atividade de tirosinase, considerada um marcador bioquímico específico para esse tipo de célula. A tirosinase catalisa a hidroxilação da tirosina a diidroxifenilalanina (DOPA) e subsequentemente a dopaquinona e melanina. A atividade de tirosinase é quantificada pelo tratamento dos melanócitos com L-dopa (Figura 3). 

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Tanto o Melanoderm (modelo de epiderme humana) como a cultura pura de melanócitos pode ser usada para estudar a melanogênese e os efeitos fotobiológicos de cosméticos e produtos farmacêuticos topicamente aplicados. 

O desenvolvimento de produtos de clareamento/branqueadores bem sucedidos depende do uso de ingredientes inibidores da tirosinase ou despigmentantes eficazes. Fosfato de ascorbil-magnésio, ácido ascórbico, ácido kójico, arbutin e materiais semelhantes à hidroquinona são testados um melanócitos. 

A maior parte desses ingredientes é muito instável: por tanto, deve-se inicialmente prepará-los em vários veículos para testes no Melanoderm para determinar o veículo apropriado, para em seguida usá-los em testes clínicos. 

Cicatrização de feridas: A decomposição da matriz extracelular por enzimas degradadoras é parte integrante do processo de reparo de ferimentos. Essas enzimas estão envolvidas no debridamento da ferida, dissolução da membrana basal, substituição da matriz provisória e remodelação do tecido a longo prazo.19,20 Além disso, o ferimento normalmente inicia a divisão celular e a migração de células subjacentes para preencher o espaço e restaurar a estrutura original do tecido. 

Com base nessa observação biológica do processo de cicatrização de feridas, os pesquisadores desenvolveram um ensaio de migração celular utilizando fibroblastos.21 Uma cultura de fibroblastos em monocamada pode ser ferida pelo arrancamento de algumas das células com uma lâmina cortante. As células, então, migrarão para a área clareada (ferida). Este método permite avaliar materiais biologicamente ativos, que estimulam o processo de migração. 

Um equivalente completo de pele pode ser usado para estudar os efeitos de produtos mediadores da cicatrização. Após aplicação tópica desses produtos ao equivalente de pele, pode-se mensurar marcadores de cicatrização, tais como colágeno, fibronectina e outras proteínas da matriz extracelular. Pode-se quantificar suas enzimas degradadoras, tais como as metaloproteinases da matriz. 

Antienvelhecimento: Tanto o envelhecimento cronológico, como o fotoenvelhecimento associam-se a rugas, perda de elasticidade, perda da capacidade de autorreparo e decréscimo da função imunológica.22,23 As rugas e a perda de elasticidade correlacionam-se à redução de colágeno, redução de elastina e indução de suas enzimas degradadoras.24-27 

Muitos estudos clínicos e histológicos demonstraram a capacidade do ácido retinóico, como agente antienvelhecimento, de produzir melhora na pele fotoagredida, com deposição de novo colágeno dérmico e redução enzimas degradadoras da matriz. 

Utilizando um modelo de pele tridimensional em bicamada, pode-se avaliar ingredientes antienvelhecimento como a vitamina A e seus derivados, ácido ascórbico e seus derivados, AHAs e extratos vegetais. Os ingredientes são preparados em veículos apropriados e aplicados sobre o modelo de pele viva. Quantificando as proteínas da matriz extracelular, pode-se determinar a atividade biológica relativa dos ingredientes. 

Os pesquisadores demonstraram ainda que o envelhecimento é induzido por radiação UV, poluição e radicais livres. A aplicação tópica de antioxidantes, tais como as vitaminas C e E, pode neutralizar os radicais livres e proteger a pele contra essa agressão. 

Assuncion e colaboradores desenvolveram um método de avaliação da eficácia antioxidante usando os modelos Epiderm e Melanoderm, que permite a aplicação direta dos produtos testados sobre o EC.28 Para avaliar a atividade antioxidante das vitaminas E e C e dos AHAs, esses pesquisadores quantificaram PGE2 e hidroperóxidos lipídicos, dois indicadores de estresse oxidativo. 

 

Conclusão 

As culturas tridimensionais de pele não são completas; faltam-lhes folículos pilosos, glândulas sebáceas, vasos sanguíneos, ductos sudoríparos e nervos sensoriais encontrados na pele humana. Entretanto, durante o desenvolvimento de cosméticos e produtos farmacológicos, elas podem ser úteis como ferramentas de screening antes dos testes de veículos e ingredientes ativos em seres humanos. A interpretação acurada dos resultados de testes in vitro depende da escolha do modelo, técnica e método de teste corretos, e então da padronização e otimização do ensaio. Finalmente, a escolha de controles negativos e positivos é muito importante na correta determinação da atividade biológica. 

Os autores agradecem Jim Wilmott, Lou Fisher e Bruce Smith pela assistência editorial.

 

Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Edição em Português), 10(3): 44-49, 1998.
Publicado originalmente em inglês, Cosmetics & Toiletries 113(4):69-76, 1998.