Universo do luxo
publicado em 01/04/2020
Erica Franquilino - Jornalista
Universo do luxo
O produto ou serviço de luxo confere distinção a quem o usa. Há sempre um componente de conhecimento a respeito do bem adquirido, que por sua vez faz jus ao estilo de vida desse consumidor, ao seu savoir-affair... O conceito é amplo, complexo para ser definido num sentido estrito, com nuances e tendências que, em maior ou menor grau, gravitam em torno de termos comuns ao universo do luxo: prazer, exclusividade, elegância, desejo, raridade, excelência, prestígio e, porque não dizer, necessidade. Ainda que seja a necessidade que começa onde a necessidade termina, como definiu a estilista Coco Chanel.
Outra característica a ser levada em conta quando se analisa o segmento de luxo – dada a natureza dinâmica do consumo – é a instabilidade. “O que é considerado luxo hoje pode não ser mais daqui há dez anos”, pondera a professora Suzane Strehlau, docente do curso de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e do curso extracurricular Marcas de Luxo em Produtos de Consumo, na mesma instituição. “Um século atrás, um jogo de porcelana era considerado artigo de luxo. Hoje, você o compra no supermercado. Da mesma forma, era um luxo ter celular na década de 80. Já hoje...”, ilustra.
Ela explica que o luxo em bens de consumo está mais relacionado à distinção social do que ao dinheiro. Os produtos são destinados a seletos grupos de consumidores, que têm boa informação sobre o que estão comprando, sabem que esses produtos ou serviços não são acessíveis à maioria das pessoas e pagam altos valores por esse privilégio.
Em contrapartida, pagar caro por um produto não faz dele, necessariamente, um artigo de luxo – ainda que o segmento apresente, invariavelmente, valores muito acima dos itens populares ou intermediários. “Quando se vai traduzir esse conhecimento [por parte do consumidor] e essa distinção na estratégia mercadológica, é adotado um preço mais elevado”, diz a professora. O valor alto também resulta do próprio processo de desenvolvimento do produto, cuja excelência em todas as etapas de produção e algumas diferenciações a esse segmento (a busca pela perfeição não admite pequenos deslizes, mesmo que sejam superados facilmente), eleva os preços a outro patamar.
No livro O Universo do Luxo – marketing e estratégia para o mercado de bens e serviços de luxo, o autor Silvio Passarelli elege elementos essenciais que constituem o luxo. Alguns deles são: beleza (design impecável); qualidade total; nobreza de materiais; atenção extrema aos detalhes; a força da tradição (traduzida na manutenção de uma proposta de relação com o consumidor, que se estende e se repete ao longo do tempo); forte apelo emocional; preço superior e escassez (são artigos ofertados em quantidade moderada, de maneira que despertem e estimulem o desejo de consumo. “Deve ficar implícito, na relação comercial, um certo privilégio do comprador”, afirma o autor no livro.)
Mercado
Em termos globais, o mercado de luxo vem ganhando relevância em economias emergentes, como a da Rússia. A América Latina também vive um momento de crescimento, embora de forma mais moderada. Suzane Strehlau destaca que está ocorrendo crescimento acelerado entre os asiáticos, principalmente na China e no Japão. “As japonesas, assim como as mulheres do Oriente Médio, são grandes consumidoras de cosméticos de luxo”, ela aponta.
No Brasil, estudos como o desenvolvido pela GFK Brasil, em parceria com a MCF Consultoria & Conhecimento, ajudam a traçar um panorama do setor. Segundo a pesquisa “O mercado do Luxo no Brasil – ano IV”, o segmento de luxo no País faturou US$ 6,23 bilhões em 2009 – crescimento de 4% (em dólar) e 12% (em reais), em relação ao ano anterior. A estimativa é de que o faturamento tenha crescido 22% em 2010, chegando a cerca de US$ 7,59 bilhões.
Segundo o estudo, os investimentos saltaram de US$ 950 milhões, em 2008, para US$ 1,24 bilhão, em 2009. Com relação a 2010, o montante investido no setor deve ficar em US$ 1,21 bilhão. A pesquisa foi realizada nos meses de janeiro a maio do ano passado, com uma mostra de 283 empresas atuantes no mercado de luxo no País.
Quanto aos planos para o futuro, os projetos mais citados pelos entrevistados foram os de expansão do mercado-alvo (33%), de fortalecimento da imagem/marca (30%), de abertura de lojas próprias (20%) e de gestão de relacionamento com o cliente (9%).
Além de referências mercadológicas como essas, um aspecto é particularmente importante no processo de construção de uma marca de luxo: a inovação. “Ela geralmente entra no mercado de luxo primeiro. Depois vai sendo incorporada por empresas de outros segmentos, vai massificando-se”, ressalta Suzane.
A tecnologia que num primeiro momento exigia altos custos e era desenvolvida numa escala de produção reduzida, torna-se, depois de algum tempo, mais acessível aos segmentos de consumo populares. Por isso, a busca pela originalidade, pela criatividade no uso das técnicas de marketing e por atributos diferenciados (características imprescindíveis em artigos de luxo) é uma constante no setor.
Ao diferencial da inovação soma-se um posicionamento claro e consistente – cuja essência se mantenha inalterada ao longo dos anos – bem como a valorização do aspecto emocional, uma vez que a decisão de compra em grande parte é movida pela necessidade de pertencer a um grupo, de elevar a autoestima, dentre outros desejos que habitam o imaginário do consumidor.
A distribuição dos produtos é seletiva, com a escolha de poucos (e qualificados) pontos de venda. Na estratégia de lançamento raramente são incluídos veículos de comunicação de massa. A preferência é pela segmentação, que costuma ser mais eficaz para impactar essa parcela de consumidores – e leva mais facilmente à fidelização. Aparições em canais de televisão, por exemplo, quase sempre acontecem apenas na forma de patrocínios de programas, a exemplo do que ocorre no segmento de moda. Displays, sinalizadores e outros materiais presentes no ponto de venda usualmente primam pela discrição.
Quem são os consumidores
Em linhas gerais, o consumidor tradicional é da classe A, como é comum na Europa. Contudo, dada a forma como esse mercado vem desenvolvendo-se nos últimos anos, cresce o número de lançamentos voltados à chamada classe B+, num movimento apontado por especialistas como “luxo acessível”. “Esse consumidor não compra um vestido de R$ 15 mil, mas paga R$ 300 num perfume importado”, destaca Suzane.
Essa faceta do mercado abre espaço para o perfil de consumidor que não pertence ao topo da pirâmide, mas que pode consumir artigos considerados de luxo e faz de determinada compra um hábito – ainda que a parcele no cartão de crédito. Esse aspecto é especialmente interessante para os segmentos de perfumes e cosméticos, que oferecem produtos mais acessíveis, quando comparados a setores como os de carros ou imóveis.
Naturalmente, as marcas adotam posicionamentos distintos para os vários perfis de consumidores. “A mulher Lancôme, por exemplo, é diferente da mulher que usa Clinic. A mulher Lancôme foca no glamour e a Clinic está focada no benefício, é mais pragmática, prática”, compara a professora da ESPM.
A pesquisa da GFK sobre o luxo no Brasil também analisou os consumidores, num levantamento feito por meio da internet, nos meses de maio e junho de 2010, que mapeou diversas informações de comportamento e hábitos de consumo. As mulheres ainda constituem a maior parcela de compradores, com 58%. A maior parte dos consumidores (33%) tem entre 26 e 35 anos, e os brasileiros entre 36 e 45 anos representam 30%. Do total de 344 entrevistados, 47% são pós-graduados e 36% possuem nível universitário. A análise da faixa salarial constata que 45% dos consumidores do luxo têm renda mensal superior a R$ 10 mil e que 47% fazem investimentos pessoais de até R$ 100 mil. O estado de São Paulo aumentou sua participação quanto à concentração de consumidores, passando de 61% do total em 2008, para 66% desse público em 2009.
Já para sondar a percepção da população em relação às marcas e aos serviços de luxo, foram ouvidas mil pessoas de 12 regiões metropolitanas do País, de todas as classes sociais (homens e mulheres) e com idades acima de 18 anos. As pessoas ouvidas destacaram a qualidade como principal motivo de atração para comprar uma marca ou serviço de luxo (38%). Depois apareceram o preço (16%) e o atendimento personalizado (13%). Na abordagem top of mind, a primeira marca que vem à cabeça do brasileiro quando se fala em marcas de luxo internacionais e nacionais presentes no Brasil é a Ferrari, com 8%, seguida da Mercedes-Benz (7%), da Brastemp (4%) e da BMW (3%).
Vale destacar a percepção do luxo sob a ótica dos brasileiros quando o assunto são marcas de cosméticos. A marca mais citada é a Natura, com 21%, muito à frente dos ícones internacionais Lancôme e Victoria’s Secret, com 1% cada.
Atuação das empresas
A pesquisa “O mercado do Luxo no Brasil – ano IV”, realizada pela GFK Brasil e MCF Consultoria & Conhecimento, aponta as cidades mais promissoras para a expansão do mercado do luxo, na avaliação das empresas consultadas. Excluindo São Paulo e Rio de Janeiro, são elas: Brasília (53%), Porto Alegre (7%), Curitiba (7%), Salvador (6%), Recife (4%), Belo Horizonte (4%) e Ribeirão Preto (3%).
Das 283 empresas estudadas, 26% são do segmento de moda, seguidas pelos de calçados (19%), confecção/vestuário (18%) e perfumaria (17%). Empresas de alimentos, joalheria, automóveis, relojoaria, hotelaria, bebidas alcoólicas, mobília e cosméticos (8%) completam os segmentos desse mercado no País.
A marca considerada benchmark nacional é a Fasano, com 14%, seguida pela Osklen, com 13%, e pela H. Stern, com 9%. O benchmark internacional é Louis Vuitton, com 18%. Na sequência estão Hermès (12%) e Giorgio Armani (5%).
Perspectivas
Do artesanal ao superexclusivo, são várias as tendências apontadas por especialistas na área para os próximos anos. Algumas dessas possibilidades são mencionadas no livro Precisar, não precisa, de André Cauduro D’Angelo. São exemplos de tendências a “desmaterialização” do luxo, os produtos personalizados e a volta à simplicidade.
O luxo “desmaterializado” diz respeito aos benefícios intangíveis e cada vez mais escassos nos dias atuais, como tempo, silêncio, sossego, bem-estar e segurança. Esse é um conceito de luxo mais abstrato, com privilégio das sensações e que deve ser mais bem traduzido no setor de serviços. “Se o isolamento absoluto, o silêncio total ou a segurança definitiva são impossíveis, simulacros de todas essas sensações serão vendidos e consumidos”, diz o autor.
Uma das lojas do grupo LVMH (Moët Hennessy Louis Vuitton), em Paris, França, concilia a venda de roupas com sushi-bar, massoterapia e outros mimos. Kenzo e Givenchy, também em Paris, oferecem espaços dedicados ao cuidado com o corpo e ao relaxamento. No Brasil, a nova (e monumental) sede da Daslu, inaugurada na capital paulista em 2009, inclui SPA e cabeleireiro.
Outra corrente é representada pelos objetos simples, artesanais (e originais), oriundos de comunidades distantes. Seria uma recusa à ostentação, na busca pela simplicidade. Já a tendência de personalização dos produtos faz uma associação entre a “marca” do cliente e a da empresa – como no caso das camisas Ralph Lauren, nas quais as iniciais do comprador ficam no peito e o logo da grife, na barra.
Indo um pouco mais além, tem-se o luxo superexclusivo, em contraposição direta à massificação do luxo. Alguns exemplos são os produtos e lugares que poucos podem comprar ou frequentar – até porque pouquíssimas pessoas sabem da existência deles. Bons exemplos dessa vertente estão no mercado de perfumes, com a atuação de marcas menores e sem a exposição das grandes grifes, com vendas restritas a poucas centenas de lojas no mundo todo. “Creed, Annick Goutal [a única vendida no Brasil], Serge Lutens, Anastasia Brozler e Suzanne Lang são algumas dessas marcas. A linha de produtos é restrita (...). Por elas, chega-se a cobrar US$ 1,3 mil o frasco. E é possível também adquirir uma fragrância personalizada, que ninguém mais terá igual, pelo dobro desse preço”, descreve o autor de Precisar, não precisa.
Para Suzane, uma oportunidade para empresas nacionais do setor cosmético seria apostar em produtos de luxo com foco em nossa tão cantada “brasilidade”, como acontece abundantemente com os produtos de massa. Valorizar o que temos como diferencial também no mercado de luxo pode ser um caminho para se conseguir espaço num mercado povoado por centenárias grifes internacionais. No tocante à volta às origens, é interessante (e curioso) notar que a principal matéria-prima do Brasil colônia era justamente um artigo de luxo: o pau-brasil, que em outras partes do mundo servia para tingir tecidos finos e para a fabricação de tintas para escrita.
OUI, nós temos mercado
Grandes e renomadas marcas internacionais (francesas, naturalmente) têm aportado no País nos últimos anos. Acompanhe alguns exemplos:
Em março do ano passado, a Chanel inaugurou, no Rio de Janeiro, a primeira butique exclusiva de cosméticos da marca na América Latina. A loja oferece um espaço olfativo, no qual são destacadas as notas que entram na composição do perfume. Em junho do ano passado, havia fila de espera de mais de 800 pessoas pelo esmalte Particulière, lançado em janeiro de 2010.
A primeira loja da marca Carolina Herrera no País começou a atender em maio de 2010, no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo, com inauguração oficial em outubro do ano passado e direito à presença da própria Carolina Herrera.
A grife espanhola Loewe, pertencente ao grupo LVMH, trouxe seus perfumes ao País em setembro do ano passado, com destaque para a fragrância Aire Loco, que chegou às lojas em novembro. Os perfumes da marca são vendidos em apenas seis lojas especializadas em cosméticos de luxo (em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Brasília), além da Sack’s Perfumaria – maior empresa brasileira de e-commerce em perfumaria e cosméticos.
A rede francesa multimarcas Sephora elegeu o Brasil para dar início às suas operações na América Latina. Controlada pelo conglomerado LVMH, a Sephora adquiriu, em julho de 2010, 70% de participação no controle da Sacks. O negócio foi o primeiro passo para a entrada da rede no Brasil. O objetivo é inaugurar, nos próximos meses, as primeiras lojas físicas da Sephora no País (no mundo são mais de 500 pontos de venda).
De acordo com a Segmenta, empresa que faz monitoramento do setor de luxo no País, a Lancôme se tornou a marca líder no segmento de luxo no Brasil. O crescimento das vendas em 2010 chegou a 28,2% - em grande parte por causa do lançamento da linha anti-idade Génifique. Apenas no segmento de perfumes, o avanço foi de 40%. De olho em outros perfis de clientes, neste ano devem ser lançadas edições limitadas de produtos, em frascos menores.
Esta matéria foi publicada na edição jan/fev_2011 da revista Cosmetics & Toiletries Brasil
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