Tendência Genderless
publicado em 01/02/2020
Erica Franquilino - jornalista
Em agosto deste ano, a Chanel Beauty apresentou sua primeira modelo transgênero. A norte americana Teddy Quinlivan foi contratada para estrelar uma campanha de beleza no Instagram da marca. Teddy fez a transição aos 16 anos. Hoje, aos 25, já participou dos desfiles de algumas das maiores marcas de moda do mundo, como Louis Vuitton, Moschino e Chloe. Em agosto do ano passado, a Chanel lançou sua primeira coleção de maquiagem masculina, a Boy de Chanel.
As ações recentes da tradicional marca francesa ilustram um forte movimento nos setores de moda e beleza: a aproximação e a fluidez entre o masculino e o feminino, em novas linhas de produtos, conceitos e campanhas. A iniciativa começa a despontar em vários segmentos de mercado, com marcas que testam a aceitação do público em coleções e campanhas sem segmentação por gênero – de roupas a bonecos.
Com forte expressão nos universos da arte e da moda, o termo “genderless” (sem gênero) é utilizado para definir produtos que não são voltados especificamente a homens ou a mulheres. No mercado cosmético, a tendência ganha espaço com itens multifuncionais e embalagens clean e minimalistas.
Faz tempo que “ser um homem feminino” não fere o lado masculino de um número cada vez maior de pessoas. As reflexões sobre construções culturais que definem papéis masculinos e femininos vêm pautando discussões há décadas. No final dos anos 1940, em sua principal obra (O Segundo Sexo), a filósofa francesa Simone de Beauvoir afirmou que ninguém nasce mulher, mas torna-se uma.
Nos anos 1970, David Bowie desconstruía estereótipos de gênero ao incorporar em sua aparência itens femininos de vestuário, maquiagem e bijuterias. Estilistas como Jean Paul Gaultier e Giorgio Armani apresentaram homens usando saias em desfiles na década de 1980.
O debate que contempla identidade de gênero e os aspectos sociais que caracterizam os universos masculino e feminino se fortaleceu nos últimos anos. O tema está em diversos setores da sociedade, no âmbito acadêmico, nas opções de consumo, nas araras de lojas de departamentos... Em maio de 2016, a campanha da C&A “Dias dos Misturados”, para o Dia dos Namorados, causou polêmica ao apresentar casais que se “misturavam” e apareciam com roupas trocadas.
A ação demonstrou um posicionamento contrário ao senso comum sobre a identidade de gênero na moda, além de propor a mistura de atitudes, cores e estampas como forma de expressão.
“As marcas devem focar no comportamento das pessoas, em vez de simplificar seres humanos complexos em demografias ou usar rótulos baseados em apenas um de seus aspectos. O consumidor de produtos de beleza é mais do que uma parte demográfica, uma geração ou um gênero – ele é um indivíduo”, diz o estudo Tendências Globais em Beleza & Cuidados Pessoais 2018, produzido pela Mintel.
A ascensão do mercado de cosméticos masculinos também integra esse panorama. Segundo a Euromonitor, o mercado de men’s grooming deverá chegar a US$ 60,7 bilhões em 2020. As vendas de produtos masculinos para cuidado pessoal passaram de R$ 11,66 bilhões em 2012 para R$ 19,8 bilhões em 2017 – um crescimento de 70%. O mercado brasileiro de produtos masculinos é o segundo maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
“Uma das grandes oportunidades de inovação para as marcas cosméticas está no conceito genderless. Começamos a ver como a tendência salta da perfumaria para produtos de skin care, hair care e maquiagem”, apontou John Jiménez, na coluna Tendências da revista Cosmetics & Toiletries Brasil, em janeiro de 2018.
Marcas de cosméticos nacionais e internacionais direcionam suas atenções para a diversidade e a valorização da individualidade. Há mais de 20 anos, o unissex ganhava destaque na categoria de fragrâncias com o perfume CK One, lançado pela Calvin Klein em 1994.
Outras grifes apresentaram criações sem gênero nos anos seguintes, como a Dior, com a Collection Privée, e a Tom Ford, com a Private Blend. Les Colognes, da grife Louis Vuitton, chegou ao mercado em março deste ano, em três opções: Sun Song, Cactus Garden e Afternoon Swim.
Em 2015, O Boticário lançou a linha Egeo 7 Tentações, uma edição limitada com sete fragrâncias multigênero. Dois anos depois, a marca relançou a fragrância Insensatez, sucesso dos anos 1990 que retornou sem gênero, com tons cítricos e frescos. Em maio do ano passado, a Natura apresentou o Faces [No] Gender, primeira fragrância genderless da marca, com notas cítricas e de especiarias.
Atualmente, o uso de novas tecnologias impulsiona o desenvolvimento de fragrâncias sem gênero, com estudos sobre a união de estímulos visuais e olfativos para alcançar o equilíbrio entre notas olfativas – e a ruptura de paradigmas.
Em parceria com a Symrise e a IBM Research, O Boticário lançou, em maio deste ano, duas novas fragrâncias sem gênero: Egeo ON You e Egeo ON Me. Os perfumes foram criados com base em novos e avançados algoritmos de machine learning. Com foco no público jovem, a linha tem notas mais quentes na versão ON Me e mais frias em ON You - características representadas pelas cores dos frascos.
Na composição das fragrâncias, foi usado um sistema de inteligência artificial que cruzou milhões de formulações e matérias-primas, para identificar padrões e novas combinações. A linha também contempla um shower gel 3 em 1 (para cabelo, corpo e barba) e manteiga hidratante corporal.
Os movimentos de inclusão e de ruptura de padrões de beleza são outros fatores que favorecem a tendência genderless. Em 2016, a Avon lançou a campanha sem gênero “Para todEs!” para apresentar o BB Cream Mate, da linha Color Trend. O vídeo – que viralizou nas redes sociais – apresentava modelos de ambos os sexos e a artista Elke Maravilha convidando o consumidor a “preparar uma pele maravilhosa”.
No cenário internacional, alguns destaques são as marcas Glossier, Fluide, Non Gender Specifi c e Panacea. Criada em 2014 pela norte-americana Emily Weiss, do blog Into The Gloss, a Glossier oferece itens de maquiagem e skincare “descomplicados”. Em sintonia com os millennials, as embalagens remetem a canetas, bisnagas de tinta e marcadores. A Fluide produz maquiagens com alta pigmentação e muito glitter, “para todas as expressões, identidades de gênero e tons de pele”. A marca doa parte de seus lucros para organizações que lutam pelos direitos LGBT.
A norte-americana Panacea foi apresentada ao mercado em novembro de 2017, inspirada nas inovações e tendências coreanas em skincare. A marca oferece uma pequena linha de produtos, para todos os tipos de pele. “A questão genderless significa inclusão”, ressaltou o cofundador da Panacea Terry Lee à época do lançamento dos produtos.
A Non Gender Specific nasceu em janeiro do ano passado, com apenas um item para o cuidado da pele: o The Everything Sérum. O produto ajuda a atenuar rugas, manchas, poros abertos e cravos, além de renovar a elasticidade da pele. A formulação combina ingredientes como óleo de semente de uva e de tamanu, vitamina E, cafeína e extratos de algas, de lavanda, de cogumelos, de soja e de rosa.
“Nós não comercializamos para homens e mulheres. Acreditamos que existe uma população crescente de pessoas que não se definem por nenhuma dessas classificações”, afirmou o fundador Andrew Glass. Com o slogan “a marca para todos os humanos”, atualmente a Non Gender Specifi c também oferece a máscara multifuncional Everything Mask, a loção de limpeza Everything Cleanser e a fragrância Flooid.
No Brasil, a Simple Organic está entre as marcas que já nasceram “com o pensamento inclusivo”, define a criadora Patrícia Lima. “Para mim, a maquiagem é uma ferramenta que ajuda a entender melhor minha própria essência, e não faria sentido criar uma marca que não acolhesse cada consumidor da mesma forma. Nossos produtos são feitos para pessoas, sem especificação de gênero, raça ou sexualidade, e tentamos trazer isso para mais perto de todos, garantindo um amplo catálogo, incluindo variedade de produtos e diversidade de tonalidades”, argumenta.
A marca, criada há dois anos, tem embalagens com design minimalista. “Nossa identidade visual é contemporânea, e acredito que divisão de gênero é algo muito do passado: não funciona no desenvolvimento do produto, nem da embalagem”, aponta. “Temos maquiagens, produtos de skincare e para cuidado pessoal pensados para todos. Os itens que são mais procurados por ambos os gêneros são as bases, os corretivos, o Pó Lacre Universal [pó solto para todos os tons de pele, com acabamento mate] e toda a linha de cuidados com a pele”, acrescenta.
O Relatório de Inteligência Beleza sem gênero, produzido pelo Sebrae Santa Catarina, destaca uma pesquisa realizada na Inglaterra, pela Future Thinking, sobre hábitos de higiene. Foram consultados 4.300 homens, com foco nos millennials (nascidos entre 1981 e 1996) e na geração Z ou centennials (nascidos entre 1996 e 2010). O levantamento foi divulgado em maio de 2018. Millennials: • 19% utilizam cosméticos • 27% comprariam cosméticos com gênero neutro • 27% acreditam que produtos sem gênero ajudam a evitar o constrangimento no momento da compra de cosméticos Geração Z: • 10% desses jovens já utilizam cosméticos • 21% comprariam cosméticos sem gênero • 41% afirmaram estar inclinados a adotar rotinas de cuidados corporais e faciais desde que as campanhas de marketing dos produtos sejam neutras em relação ao gênero • 23% acreditam que produtos sem gênero evitam o constrangimento no momento da compra • 28% consideram produtos sem gênero mais baratos O relatório também menciona uma pesquisa realizada pela Mintel – divulgada em julho de 2018 – sobre as atitudes dos homens em relação a produtos de beleza e cuidado pessoal no Brasil. “É possível perceber que, quando se trata de aromas, eles ainda preferem utilizar produtos destinados especificamente para seu gênero. Enquanto grande parte das mulheres não se incomoda em experimentar perfumes e desodorantes masculinos, os homens evitam utilizar aqueles destinados às mulheres”, ressalta o documento. A pesquisa da Mintel aponta que 76% dos homens preferem utilizar fragrâncias específicas para seu gênero. Conheça outros dados: • Em relação aos desodorantes, 71% preferem aqueles próprios para o sexo masculino • 31% dos homens afirmam utilizar desodorantes unissex • 58% utilizam shampoos e condicionadores unissex • 42% preferem utilizar shampoos e condicionadores desenvolvidos para homens • 56% fazem uso de produtos de higiene corporal unissex • 32% utilizam produtos para o cuidado corporal exclusivos para o sexo masculino. |
Matéria publicada na edição nov-dev 2019 da revista Cosmetics & Toiletries Brasil
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