Aspectos da Transpiração
publicado em 01/02/2001
Dra. Zoe Diana Draelos
Depto. de Dermatologia, Wake Forest University School of Medicine, Winston-Salem, NC, Estados Unidos
A sociedade de hoje exige que haja um meio para controlar a transpiração e seu inevitável odor. Também exige o desenvolvimento de formulações antiperspirantes com ação desodorante efetiva.
Society today demands means for controlling perspiration, its resultant odor and effective deodorant and antiperspirant formulations.
La sociedad de hoy exige que haya un medio para controlar la transpiración y su inevitable olor. También exige la existência de formulaciones antitranspirantes com efectiva acción desodorante.
Anatomia da Perspiração
Mecanismos de Produção do Odor
Mecanismos de Controle do Odor
Antiperspirantes e Desodorantes
Mecanismos de Ação Antiperspirantes
Eficácia Antiperspirante
Sumário
A perspiração é um fenômeno corpóreo de grande importância fisiológica com impacto tanto sobre a higiene pessoal como sobre a estética social.
Há diversas doenças dermatológicas (displasia ectodérmica anidrótica e suas variações) onde a falta de perspiração resulta na incapacidade de manter a temperatura corpórea normal em ambientes quentes. Assim, a perspiração é uma importante função orgânica, permitindo dissipação de calor do organismo através da mudança de fase de água líquida para vapor d'água acompanhada pela subsequente evaporação. Trata-se de um método extraordinariamente eficiente de prevenir a hipertermia ou o superaquecimento do corpo, permitindo que os seres humanos vivam em temperaturas extremas. Contudo, na sociedade moderna, muitos consideram a perspiração indesejável. Ela pode também ser fonte de estresse emocional e de constrangimento pessoal.
É necessário considerar que algumas glândulas sudoríparas são controladas somente pela temperatura, enquanto outras estão sob controle da temperatura e também do estado emocional. Especificamente as glândulas sudoríparas das axilas e das palmas das mãos são primariamente de controle emocional. Além disso, as glândulas sudoríparas da face podem estar sob controle emocional e também responder à ingestão de alimentos condimentados. Do ponto de vista de química cosmética, as glândulas sudoríparas mais problemáticas para a população em geral são as axilares, que contribuem para a umidade sob os braços. A sudorese axilar é considerada pouco atraente e possivelmente um sinal silencioso de ocorrência de situação estressante.
O restante desta discussão abordará os mecanismos da perspiração axilar e suas formas de controle.
Anatomia da Perspiração
Há dois tipos de glândulas sudoríparas presentes no organismo: as écrinas e as apócrinas. Em todo o corpo são encontrados dois a quatro milhões de glândulas sudoríparas écrinas com funções na termorregulação, como se discutiu previamente.1 São mais numerosas nos pés e encontradas em menor concentração no dorso. As glândulas sudoríparas apócrinas são as glândulas odoríferas do corpo, localizando-se primariamente nas axilas, ao redor dos olhos, no couro cabeludo e na genitália. Essas glândulas são bem desenvolvidas em animais como a jaritataca e os cervídeos, entretanto sua importância é significativamente reduzida em seres humanos. As secreções apócrinas podem permitir que um bebé reconheça sua mãe e ter alguma função na atração sexual, mas de outra forma essas glândulas têm pouco valor.
- O termostato do corpo:
A perspiração écrina é produzida pelo anel secretor em resposta à acetilcolina, um neurotransmissor do sistema nervoso simpático. O suor é realmente expelido da glândula por células mioepiteliais do ducto que leva o líquido até a superfície da pele. O fluido inicialmente liberado apresenta-se diluído e semelhante ao plasma, mas ao longo do ducto são absorvidos sódio e o excesso de água, criando uma solução hipertónica. Essa reabsorção é importante para manutenção do equilíbrio hídrico e eletrolítico do organismo. Além de água e eletrólitos (Na+, K+, Ca2+), o suor pode conter metais pesados e alguns compostos orgânicos como lactato, ureia, amônia, aminoácidos, glicoproteínas e mucopolissacarídeos ácidos.2,3 O suor é produzido em resposta a estímulos do hipotálamo, uma parte especial do cérebro, que age como um termostato para regulação da temperatura do corpo.
A perspiração apócrina é um fluido viscoso, leitoso e sem odor quando de sua primeira secreção. A ação bacteriana é necessária para a produção de odor. Pouco se conhece da composição do suor apócrino puro, uma vez que é sempre secretado em combinação com o suor écrino e não pode ser isolado. A secreção é expelida novamente por células mioepiteliais num ducto que leva a mistura até a superfície da pele. A secreção é induzida por estímulos emocionais após a puberdade e é controlada pelos neurotransmissores epinefrina e norepinefrina.4
Mecanismos de Produção do Odor
Um dos mais inconvenientes aspectos da perspiração axilar é o odor resultante. Como mencionamos previamente, o suor é um flui do estéril, sem odor e incolor, composto pelas secreções écrina e apócrina. O odor ocorre quando aumenta a contagem de bactérias nas axilas. O suor apócrino, muito menos abundante do que o écrino, é responsável por grande parte do odor. É rico em material orgânico ideal para o crescimento bacteriano. O suor écrino, por outro lado, é mais diluído e não provê altas concentrações de nutrientes para bactérias. Entretanto, o suor écrino indiretamente promove o odor, por dispersar o suor apócrino por uma área maior e por fornecer a umidade necessária ao crescimento bacteriano.
Outro importante fator contribuinte para o odor axilar são os pelos axilares. A área de superfície da haste do pelo também contribui para o odor, agindo como local coletor de secreções apócrinas e aumentando a área disponível para proliferação bacteriana.
O odor das axilas varia substancialmente de pessoa para pessoa. É influenciado pela mistura de bactérias que colonizam as de um determinado indivíduo e pela composição do suor produzido. A composição do suor é influenciada pelo efeito combinado de alimentos recentemente ingeridos e do estado físico e psicológico do organismo. Alimentos como alho, cebola e aspargos são conhecidos por sua capacidade de conferir odor característico às secreções do corpo, conforme o sebo se mistura às secreções. Certos estados mórbidos, tais como insuficiência renal e cetoacidose, podem ser reconhecidos pelos médicos devido ao odor característico.
Mecanismos de Controle do Odor
Agora que já temos uma compreensão da secreção e composição do suor e da produção de odor, é importante considerar os mecanismos de controle do odor. A Tabela 1 enumera métodos disponíveis para reduzir o odor axilar.6 Simplificando, se o suor não permanecer na axila, o odor não será produzido. Parece que seria mais fácil absorver a perspiração conforme ela fosse produzida de forma a evitar a umidade. Infelizmente isso não é possível devido à tremenda variação na quantidade de secreção, facilmente sobrepujando a capacidade de absorção de umidade de qualquer composto químico. A perspiração pode variar de alguns mililitros por hora até 10 litros por dia.
Outro mecanismo para prevenir o odor é evitar que a perspiração seja formada em seus sítios primários. Uma vez estando a perspiração sob controle do sistema nervoso central e dos nervos periféricos, é possível reduzir a sudorese alterando-se as vias nervosas. Infelizmente, os neurotransmissores que controlam a sudorese são os mesmos que controlam o funcionamento do organismo como um todo. Medicamentos orais usados para controlar a sudorese podem deixar a boca seca, os olhos secos e causar dificuldades urinárias. Podem ser tomados esporadicamente, para uma ocasião especial, mas não são práticos para uso diário.
Assim, o controle recai principalmente sobre a prevenção da liberação do suor pela glândula e seu fluxo para a superfície da pele. Isso pode ser conseguido por qualquer coisa que obstrua a glândula, que é o mecanismo de ação dos modernos antiperspirantes de uso diário.
Antiperspirantes e Desodorantes
Antiperspirantes e desodorantes são muitas vezes confundidos e os termos usados indistintamente, mas esses produtos têm funções e ingredientes diferentes. Este artigo se atém aos antiperspirantes, que são designados a minimizar a liberação do suor nas axilas. Isso pode ser obtido por uma variedade de mecanismos, discutidos a seguir. Desodorantes, por outro lado, funcionam reduzindo o odor nas axilas, o que pode ser conseguido pelo uso de fragrâncias que simplesmente mascaram o odor. Outro mecanismo é destruir as bactérias nas axilas através do uso de agentes antibacterianos, tais como triclosana ou tricarbana. A maior parte das formulações tópicas antiperspirantes funciona também como desodorante, uma vez que o pH diminui o crescimento bacteriano e a eliminação da umidade retarda a reprodução bacteriana. Enquanto os antiperspirantes podem funcionar como desodorantes, os desodorantes não podem funcionar antiperspirantes.
Mecanismos de Ação Antiperspirante
Existem em cada axila 25.000 glândulas écrinas, capazes de produzir grandes quantidades de perspiração em resposta ao calor e a estímulos emocionais. As seguintes substâncias mostraram-se capazes de reduzir a quantidade de umidade presente nas axilas.7
1 - Sais metálicos (cloridrato de alumínio, cloridrato de zircônio e alumínio)
2 - Aldeídos (formaldeído, glutaraldeído)
3 - Drogas anticolinérgicas
4- Inibidores metabólicos
5- Toxina botulínica A (Botox)
As substâncias mais comumente usadas para reduzir a perspiração são os sais metálicos. Várias teorias têm sido aventadas a respeito do mecanismo de redução da sudorese devido a aplicação de sais metálicos nas axilas. Papa e Kligman propuseram originalmente que os sais metálicos danificam os ductos sudoríparos causando difusão do suor para o espaço intersticial.8 Eles se retrataram em sua teoria. Shelley e Hurley propuseram que os sais metálicos se combinam ás fibrilas de queratina intraductais, causando fechamento dos ductos e formação de uma "rolha" córnea para obstruir o fluxo de suor para a superfície da pele.9 Um segundo artigo de Papa, Holzle e Kligman apresentou evidências de que os antiperspirantes contendo sais de alumínio alteram o estado fisiológico do ducto sudoríparo pela formação de um molde de alumínio no interior do ducto.10,11 Isso cria um bloqueio físico no ducto, prevenindo o fluxo do suor existente. Presume-se que a secreção seja reabsorvida pelo ducto. Isso não causa problemas para a saúde, pois há abundância de outras glândulas écrinas para garantir a termorregulação.
Aldeídos, tais como formaldeído e glutaraldeído, são outra categoria de substâncias que podem diminuir eficazmente a sudorese axilar.12,13 Acredita-se que essas substâncias também causem um bloqueio dos ductos sudoríparos écrinos, como os sais metálicos. Os aldeídos geralmente não são usados devido ao potencial sensibilizante do formaldeído e à coloração amarelo-amarronzada associada ao glutaraldeído.
As drogas anticolinérgicas são os mais eficazes agentes antiperspirantes conhecidos. O bloqueio da inervação colinérgica das glândulas écrinas interrompe eficazmente a sudorese. Agentes como escopolamina e atropina têm sido estudados sob este aspecto, mas a penetração na pele é precária a não ser que administrados por injeção ou iontoforese, onde a eletricidade de baixa voltagem é usada para forçar a passagem de uma substância através da pele. Além disso, seu uso é acompanhado de efeitos indesejados como boca seca, ressecamento dos olhos e problemas urinários.
Drogas antiadrenérgicas teoricamente também deveriam diminuir a sudorese. Demonstrou-se que neurotransmissores adrenérgicos, como a epinefrina e a norepinefrina, aumentam a sudorese em humanos quando injetadas intradermicamente. Isso ocorre por que algumas fibras adrenérgicas fornecem dupla inervação para glândulas sudoríparas, além das fibras colinérgicas. Entretanto, este aspecto da sudorese é pouco conhecido
Inibidores metabólicos podem diminuir a perspiração. Sendo o processo de sudorese dependente de suprimento de energia, drogas que interrompem a atividade de ATPase Na+/K+, tais como ouabaína, poderiam também ser eficazes. Essas substâncias são de interesse apenas acadêmico.
Uma substância relativamente nova, conhecida como Botox (toxina botulínica A), encontra uso atualmente na hiperidrose palmar e axilar. Esta substância na verdade bloqueia a transmissão nervosa e interrompe temporariamente a inervação dos ductos sudoríparos. É injetada diretamente na epiderme a intervalos de 1-2 cm até que toda a área de perspiração seja tratada. Usualmente o decréscimo de transpiração dura 3 meses a um ano, dependendo da localização da quantidade de medicamento injetado.
Para fins práticos, os sais metálicos permanecem como o método mais seguro, mais disponível e mais compatível dermatologicamente para diminuir a umidade axilar.
Eficácia Antiperspirante
Para ser eficaz, um antiperspirante deve reduzir em 20% ou mais a umidade axilar e diminuir a colonização bacteriana nas axilas. O decréscimo na perspiração axilar pode ser medido coletando-se a umidade com compressas axilares, que são pesadas antes e após exposição a ambiente com temperatura elevada. A redução da contagem bacteriana pode ser determinada por placas de cultura bacteriana e pelo teste de cheiro. A aplicação de uma formulação antiperspirante a uma placa de cultura semeada com perspiração humana pode determinar a porcentagem de redução do crescimento bacteriano. O teste de cheiro é realizado por vários indivíduos com olfato altamente treinado para "cheirar" axilas antes e após aplicação do produto. Sob alguns aspectos, este teste pode ser mais acurado do que as placas de cultura, pois leva em consideração o ambiente real das axilas.
Muitas formulações antiperspirantes têm sido desenvolvidas para atender às preferencias do consumidor, incluindo aerosóis, cremes, roll-ons, líquidos, loções e bastões. A eficácia dessas formulações está sumarizada na Tabela 2.
Sumário
O desenvolvimento de antiperspirantes de qualidade depende da compreensão dos mecanismos básicos atuantes na perspiração e no odor corpóreo. A perspiração é um processo fisiológico e psicológico complexo, que pode ser perturbado física e emocionalmente. Muitos indivíduos, pessoalmente e profissionalmente, sentem-se mais confortáveis cm suas atividades diárias quando não estão preocupados ou embaraçados com a umidade axilar. Os antiperspirantes representam uma categoria de drogas OTC com impacto profundo, mesmo sendo aplicadas topicamente.
Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Edição em Português), 13(1): 36-42, 2001.
Publicado originalmente em inglês, Cosmetics & Toiletries, 115(8): 87 99, 2000.
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8. Papa CM, Kligman AM. Mechanism of eccrine anhidrosis ll; The antiperspirant effects of aluminum salt, J Invest Dermatol 49,139 145, 1967
9. Shelley WB, Hurley HJ, Jr. Studies on topical antiperspirant control of axillary hyperhidrosis; Acta Derm Venereol 65:241-160, 1975
10. Papa CM, Kligman AM. Mechanism of eccrine anhidrosis, II. The antiperspirant effect of aluminum salts. J Invest Dermatol 49: 739, (1967)
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