Durante as três últimas décadas, foram realizados muitos trabalhos no sentido de esclarecer cada vez mais a permeabilidade cutânea em diferentes substratos. Esse tem sido um assunto de profundo interesse para os profissionais das ciências farmacêuticas e cosméticas.4,5,5,9,11,12,15,16,22,24

Entre todos os nossos órgãos, a pele ocupa uma posição exclusiva, considerando que se encontra em contato, a um só tempo, com os meios externo e interno. Consequentemente, esse órgão está sujeito a seguidas agressões físicas e químicas. Seu principal papel é proteger o organismo, de um lado impedindo a entrada de corpus substâncias nocivas, de outro evitando a evaporação excessiva, que levaria à desidratação, exercendo desse modo a função de barreira,10,14 uma vez que já há muito tempo fui reconhecido que a epiderme é a camada que proporciona uma barreira eficiente à penetração da água e de outras substâncias.6

A epiderme apresenta-se constituída de células epiteliais dispostas em camadas, as quais de dentro para fora recebem, respectivamente, o nome de germinativa ou basal, espinhosa, granulosa e córnea. Nas regiões palmar e plantar, entre as camadas granulosa e córnea, encontra-se mais uma, a lúcida.

 

Na camada germinativa, originam-se as células epidérmicas que vão pouco a pouco ganhando a superfície, sofrendo modificações graduais na forma e na composição química, até se tornarem anucleadas (na camada córnea) e se esfoliarem. Há, assim, um deslocamento permanente e repetido de células que, da camada basal atingem, gradualmente, a superfície da epiderme, para se desprenderem já mortas. Essa diferenciação ocorre em torno de 2 semanas para pessoas jovens, cem torno de 37 dias para pessoas com mais de 50 anos. Durante essa passagem da camada basal para o estrato córneo, os corneócitos sintetizam grande número de proteínas e lipídeos. O ciclo de ceratinização, ou corneificação, consiste nessa transformação das células epiteliais em células córneas mortas. A pele elimina diariamente de 6 a 14 g de células mortas, que são substituídas por outras células epidérmicas, as quais gradualmente se ceratinizam no processo de corneificação, em que se forma a ceratina (proteína insolúvel produzida pela epiderme), há progressiva desidratação celular, com decomposição gradual do citoplasma e do núcleo.2

As células que sofrem corneificação são conhecidas como corneócitos, que têm, em geral, formato aproximadamente hexagonal, e dão origem aos lipídeos encontrados no estrato córneo. Na periferia dos corneócitos existem os desmossomas, que garantem a coesão entre células adjacentes. Entre a membrana celular e a superfície central dos corneócitos, os lipídeos intercelulares interagem de forma covalente com a proteína presente nessas células.

Entre lipídeos intercelulares, existem as ceramidas que se ligam à proteína do corneócito. Há 6 tipos de ceramidas na epiderme humana estruturalmente similares as ceramidas da epiderme do porco. Em ambos os casos, as cadeias hidrofóbicas são alifáticas e saturadas, sendo portanto resistentes à oxidação e relativamente impermeáveis à água.6,19,20,21,23,29,30 Os lipídeos disponíveis no estrato córneo para a formação das membranas intercelulares, consistem em uma mistura complexa de ceramídeos (50%), colesterol (25%), ácidos graxos livres saturados (12%) e sulfato de colesterol (5%).

Na maior parte das espécies, as glândulas sebáceas liberam grandes quantidades adicionais de lipídeos sobre a superfície da pele. Não existe, entretanto, qualquer evidencia de que esses lipídeos não-polares possam penetrar nas membranas intercelulares e alterá-las. A epiderme humana é invariavelmente contaminada por ésteres cerosos, esqualeno e triglicérides do sebo, mas esses materiais são também demasiadamente apolares para entrar nas bicamadas lipídicas, numa extensão significante.6 Os lipídeos estão localizados de maneira apropriada para fornecer uma barreira à penetração de água e de outras moléculas pequenas.

Há muitos fatores que afetam os lipídeos do estrato córneo, por exemplo, as mudanças sazonais, uso frequente de detergentes etc. Algumas enzimas (proteases) do estrato córneo são responsáveis pela degradação dos desmossomas. A perturbação da estrutura do estrato córneo e da sua composição pode reduzir a atividade dessas proteases, desacelerando assim a descamação natural da pele.6,25,26,29

Os lipídeos são sintetizados pelas células epidérmicas, via corpúsculos lamelares, os quais migram até os limites da célula e liberam seu conteúdo no espaço intercelular, formando uma barreira para a água. A camada córnea apresenta arquitetura semelhante à de uma parede de tijolos, onde as células ceratinizadas seriam os tijolos e as camadas de lipídeos depositados fariam o papel do cimento que os une,10  e daí o nome pavimentoso, dado a esse tipo de tecido epitelial de revestimento.

A retenção de água no estrato córneo é importante na manutenção da pele saudável. Tanto os lipídeos intercelulares como as substâncias hidrossolúveis presentes no fator umectante natural contribuem efetivamente para isso.13,28 Segundo Zats JL.,31 as propriedades do estrato córneo são de grande importância no controle de pene tração de compostos ativos na pele, e o veiculo empregado tem também influência significativa, uma vez que pode ocluir a pele, aumentado a hidratação do estrato córneo e a permeação do ativo veiculado. Além disso, o veiculo pode conter agentes específicos que interagem com o estrato córneo, alterando sua resistência natural, ou mesmo reter a substância ativa ou liberá-la para a pele. A penetração cutânea deve ser vista como um fato que acontece em um ser vivo (consumidor, paciente ou animal substituído num estudo), fato esse que pode ser influenciado por um conjunto de circunstâncias. Quando um produto químico num veículo entra em contato com a pele, fatores como a dose total aplicada, a concentração, a área de superfície da pele e o tempo de contato determinam a penetração cutânea. Fatores adicionais, como a variação da permeabilidade da pele em diferentes regiões do corpo, influem também nessa penetração.8

Na década passada, houve explosivo crescimento da pesquisa científica na área de absorção percutânea, de modo que o entendimento do movimento de substâncias ativas através da pele tem evoluído bastante. Os estudos da permeabilidade da pele humana foram iniciados após 1950. Malkinson e Ferguson, apud Franz TJ,8 realizaram o primeiro estudo com sucesso sobre a absorção percutânea em humanos, demonstrando que a pele é permeável a drogas aplicadas topicamente. A penetração de fármacos na pele pode ocorrer pela via transepidérmica (intra e intercelular) e pelos apêndices (folículo pilossebáceo e poros).1,3,17 Muitos ingredientes cosméticos nunca foram estudados com relação a sua permeabilidade através da pele. 

Os rótulos dos produtos muitas vezes dão a entender que os ingredientes penetram profundamente a pele, alteram a estrutura do colágeno, reconstroem a pele ou atuam como agentes nutritivos. A ideia de defender muitas substâncias ativas aplicadas topicamente como agentes nutritivos da pele originou-se há muitos anos. Para expressar tal atividade, os ativos precisam penetrar o estrato cómico até a epiderme viável e a derme.27 A porção menos permeável da epiderme é a mais superficial (estrato córneo), onde as células são mais cornificadas e o teor do lipídeos e mais elevado. Depois que uma molécula atravessa o estrato córneo, não há outra barreira à difusão nas outras camadas da pele, se a molécula não for retida ou metabolizada no caminho.27

Veículos influenciam a penetração de agentes medicamentosos aplicados na superfície da pele. Fatores físicos como temperatura e unidade também são importantes. Portanto, veículos e fatores físicos regulam a retenção de material no estrato córneo na forma de um reservatório.18 Experimentos indicam que veículos que proporcionam alta penetração também aumentam a quantidade de material retido na pele.18 O desarranjo do estrato córneo da pele humana por alguma patologia ou por substâncias químicas é a maneira mais rápida de atingir a derme. A existência de retenção de hidrocortisona na pele foi notada por Malkinson e  Ferguson, apud Munro,18 em 1995, e que permanecia no interior do estrato córneo foi demonstrado por Vickers. apud Munro,18 em 1963.

Vários fatores que podem aumentar a penetração cutânea, também podem aumentar a quantidade de substancia retida na pele. O aumento da temperatura e de umidade resulta no aumento da penetração e também no aumento da espessura do estrato córneo.18 A transferência do material através do extrato córneo depende da diferença na concentração em ambos lados do estrato córneo, e de outros fatores como tamanho da molécula, peso molecular, carga elétrica, coeficiente de partilha O/A e solubilidade do veículo no estrato córneo.18

 

Gislaine Ricci Leonardi é farmacêutica pela FGFRP-USP, Ribeirão Preto SP, e mestre em fármacos e medicamentos pela mesma faculdade.
Dra. Patricia M. B. G. Maia Campos é farmacêutica, pesquisa dora e professora de tecnologia de cosméticos na FCFRP-USP, Ribeirão Preto SP 

 

Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Edição em Português), 9(3): 34-37, 1997.