Sinais de Contaminação
Limites de Contaminação
Contaminantes
Preservante de Última Geração
Conclusão

 

 

A proteção de produtos cosméticos contra o ataque microbiano é um fator importante para a indústria, onde a credibilidade é crucial para o sucesso no mercado. A falha do proteção ocasiona a deterioração do produto ou danos à saúde do consumidor, podendo acarretar perdas em vendas 

Recentemente, dois novos fatores têm contribuído para o cuidado no uso de preservantes. O primeiro, é o aumento da popularidade de matérias-primas chamadas “naturais" e biodegradáveis. Isto não só aumenta os níveis iniciais de contaminação na matéria-prima, como constitui abundante fonte de nutrientes para a proliferação microbiana. O segundo fator é a exigência dos órgãos regulatórios, que tendem a limitar a faixa de preservantes permitidos, devido principalmente a toxicidade de alguns deles. Bactérias, fungos filamentosos e leveduras são extremamente versáteis quanto ao seu metabolismo e capazes de utilizar diversos ingredientes das formulações de cosméticos como fonte de nutriente. 

 

 

Sinais de Contaminação

São vários os sinais de contaminação, alguns visíveis no início da proliferação microbiana, como a mudança de coloração (crescimento de microrganismos pigmentados ou produção de ácidos que podem afetar os pigmentos sensíveis ao pH); produção de gases (bolhas de fases ou aumento da pressão podem resultar do metabolismo fermentativo de algumas bactérias e leveduras); produção de odores (alguns microrganismos produzem compostos sulforados que causam mau cheiro). Já no estágio final de contaminação temos: mudança de viscosidade (produção de enzimas microbianas como celulases, que degradam vários espessantes, geralmente a ação enzimática persiste após a morte da célula microbiana); desestabilização de emulsões (os produtos perdem a homogeneidade devido a quebra microbiana de agentes emulsificantes): modificação das propriedades dos produtos (cor desagradável e perda da performance do produto pode ocorrer como resultado da degradação microbiana dos constituintes dos produtos); formação de biofilme; colapso de containers flexíveis (a utilização de oxigênio por microrganismos aeróbios pode levar a explosão de containers selados). 

Além disso, os produtos contaminados com organismos patogênicos podem infectar o consumidor. Dentre os principais organismos patogênicos associados aos produtos cosméticos temos: Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus e Candida albicans. O crescimento de certos microrganismos pode levar a liberação de toxinas microbianas ou ao desenvolvimento dos produtos metabólicos tóxicos. Estes são frequentemente resistente às formas atuais de esterilização e persistem após a morte das células. 

 

Limites de Contaminação 

No Brasil os limites de contaminação microbiana permitidos em cosméticos, ainda não estão totalmente regulamentados. Entretanto, uma sugestão razoável desses limites está apresentada no Guia ABC de Microbiologia

• Agua de processo. Tolerância de no máximo 100 UFC (unidades formadoras de colônias)/ml para microrganismos totais aeróbios. Ausência de Pseudomonas aeruginosa e coliformes totais e fecais em 100 ml. 

• Matérias-primas. Adotar limites de acordo com a natureza química e da origem do ingrediente: máximo 500 UFC/g  ou ml para microrganismos mesófilos totais aeróbios. 

• Produtos acabados. Os produtos cosméticos sujeitos ao controle microbiológico foram divididos em dois grandes grupos, em função do local de aplicação e faixa etária: grupo 1 - os produtos para uso infantil, para a área dos olhos e para contato com mucosas; grupo 2 - demais produtos suscetíveis a contaminação microbiana. 

Os limites microbianos foram considerados quanto à segurança do usuário, e quanto a tolerância quantitativa da carga microbiana saprófita, a fim de manter a integridade do produto. 

- Grupo 1:
a) Contagem de microrganismos totais aeróbios: não mais de 102 UFC/g ou ml (máximo: 5,0 x 102 UFC/g ou ml) 
b) Ausência de Pseudomonas aeruginosa em 1 g ou 1 ml
c) Ausência de coliformes totais e fecais em 1 g ou 1 ml
d) Ausência de clostrídios sulfito redutores em 1 g (exclusivamente em talcos) 

- Grupo 2: 
a) Contagem de microrganismos totais aeróbios: não mais de 103 UFC/g ou ml (máximo: 5,0 x 103 UFC/g ou ml) 
b) Ausência de Pseudomonas aeruginosa em 1 g ou 1 ml
c) Ausência de Staphylococcus aureus em 1 g ou 1 ml
d) Ausência de coliformes totais e fecais em 1 g ou 1 ml 
d) Ausência de clostrídios sulfito redutores em 1 g (exclusivamente em talcos) 

 

Contaminantes 

A maioria dos ingredientes, particularmente aqueles de origem animal, se não preservados, são contaminados com grande variedade de microrganismos. Mesmo os ingredientes na forma de pó podem conter grande número de esporos bacterianos e fúngicos. Esta contaminação pode persistir após o processo de fabricação resultando em produto final infectado. A água de processo é o maior aditivo em termos de volume e embora limpa em aparência pode conter de 100 a 10000 microrganismos/ml. Já os equipamentos podem servir de reservatórios de microrganismos se o processo de limpeza for inadequado. As condições ambientais podem favorecer a contaminação por microrganismos, pois há ambientes mais susceptíveis à contaminação, como por exemplo, ambientes próximos a indústrias de alimentos ou frigoríficos. Além disso, temos a contaminação pelo consumidor, pois o produto é constantemente contaminado pelo consumidor durante a sua utilização. 

Os microrganismos mais frequentemente encontrados em cosméticos são: 

- Shampoos: Achromobacter sp, Aerobacter sp, Alcaligenes sp, Klebsiella sp, Pseudomonas sp, Enterobacter sp

- Cremes/loções: Pseudomonas sp, Serratia sp, bolores e leveduras. 

- Produtos para área dos olhos: Pseudomonas sp e fungos. 

- Sabonetes: Scopulariopsis brevicaulis, Aureobasidium pullulans, Stachybotrys atra, Tricoderma viridae.

A preservação dos cosméticos depende do vários fatores, que vão desde a higienização correta da planta, o controle microbiológico das matérias-primas e água, limpeza de equipamentos, até a adição de preservantes na formulação. 

 

Preservantes de Última Geração

As biguanidas foram utilizadas por muito tempo como agentes antimicrobianos na preservação de cosméticos e produtos farmacêuticos, e como antisséptico (cloroexidina), mas constatou-se que a biguanida polimérica, tinta atividade bactericida muito maior do que as biguanidas monoméricas, assim sendo, foi desenvolvido o cloridrato de poli-hexametileno biguanida (PHMB), comercializado como Cosmocil CQ (marca da Zeneca) e de nome INCI: Polyaminopropyl Biguanide

O mecanismo de ação do PHMB é baseado na rápida atração do PHMB catiônico pela superfície da membrana plasmática estabilizada pelos íons Ca++, sua ligação a um local receptivo naquela superfície, com a falha nos mecanismos de defesa e exclusão da parede celular. O PHMB ligado a membrana provoca perda de substância citoplasmática de baixo peso molecular, como os íons K o inibição de algumas enzimas da membrana (ATPase). Em seguida, há a ruptura total de membrana levando a perda de substâncias macromoleculares (nucleotídeos) e a precipitação das substâncias celulares, conforme representado na Figura 1.

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É um líquido sem odor ou sabor, solúvel em água, álcoois alifáticos, glicóis e ésteres, de boa estabilidade, que atua na faixa de pH 4-10. É inativado por tensoativos não-iônicos clorados. Apresenta DL50 5000 mg/kg e tem a concentração máxima de uso, em cosméticos, limitada a 0,3% (Portaria SVS 71/96). 

Apresenta amplo espectro de ação, sendo efetivo para bactérias conhecidas como resistentes, como a Pseudomonas aeruginosa, muito comum em formulações de cosméticas. Além disso, também é efetivo contra os bolores e leveduras em concentrações superiores. 

Na Tabela 1 é apresentada a concentração inibitória mínima (MIC) do PHMB frente alguns microrganismos. Na Tabela 2, o MIC do PHMB comparado aos dos preservantes mais utilizados em cosméticos.

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Vários testes desafio mostraram que em creme hidratante, PHMB foi efetivo em concentrações a partir de 0,03% (Tabela 3). Já em formulação de desodorante em creme, a efetividade principalmente com o Aspergillus niger é obtida com concentrações superiores a 0,05% (Tabela 4).

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Num desafio microbiano, com desodorantes spray, o PHMB mostrou desempenho semelhante ao triclosan, outro bacteriostático muito utilizado no mercado cosmético (Tabela 5).

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O PHMB é um biocida de última geração, com amplo espectro de ação. É utilizado como antimicrobiano, para a preservação não só de cosméticos, como também de produtos farmacêuticos (como colírios e compostos oftálmicos), lenços umedecidos, fraldas descartáveis e absorventes. 

 

 Conclusão 

A escolha do preservante mais adequado à formulação é de suma importância para as indústrias, principalmente, para a de produtos cosméticos e farmacêuticos, pois contaminação ou falha dos preservantes nesses produtos pode acarretar sérios riscos à saúde do consumidor e, consequentemente, à imagem do fabricante. 

 

Débora F Takahashi Fraga é doutora em Microbiologia pela Universidade de São Paulo - USP, São Paulo SP.

 

Este artigo foi publicado na revista Cosmetics & Toiletries (Edição em Português), 11(2): 49-53, 1999.