“De que vale tudo isso
Se você não está aqui?”

Trecho de De Que Vale Tudo Isso, canção de Roberto Carlos       

 

O Cosmetoguia lançou-me o desafio de escrever sobre outro desafio, infinitamente maior, o de montar um negócio de cosméticos hoje. Qual seria o modelo ideal em meio à intrincada malha de atuação no comércio? Com loja física, venda direta ou exclusivamente digital? Resolvi fomentar a questão a partir do ponto de vista que conheço bem, o do consumidor.

Nessa pandemia fui surpreendido por mensagens no WhatsApp de pessoas com as quais não tenho qualquer intimidade: vendedores, que haviam me atendido em lojas físicas, em diversos segmentos, lançando mão de linguagem bem camarada para oferecer promoções imperdíveis, descontos exclusivos e reforçar o convite para revisitar a loja. Como consumidor dedicado (ai ai ai) e típico libriano, apreciador de acolhimento e atenção especial, confesso que esse tête-à-tête virtual de fato me estimula. 

Lembrei também que, anos atrás, aderi a um esquema de vendas bem inovador na época, virtual, mas sem abrir mão da experiência presencial. Pois bem, após preencher meus dados no site, com minhas medidas, marcas e peças preferidas, receberia em casa uma caixa com vários produtos que, depois de alguns dias, seria recolhida. Eu teria a chance de experimentá-las várias vezes, pensar com calma e, caso não gostasse de nada, devolveria tudo sem custo. A experiência foi muito boa e me trouxe, junto à chegada de cada caixa, uma satisfação quase infantil. Sim, repeti algumas vezes, comprei várias peças, mas cansei. Talvez tenha sentido falta do ritual que envolve a visita a uma loja física e todas as sensações que o acompanham, como, por exemplo, namorar a loja e a marca, escolher enfim o estabelecimento a ser visitado, perceber como sou recebido, qual o tipo de interação com o vendedor e etc.

O fato é que o mundo digital, com suas mídias sociais, consolidou-se na relação com o cliente, seja na sua prospecção ou fidelização. Mas será que as vendas digitais sobrepujarão, em um futuro próximo, as presenciais, sejam elas diretas ou em lojas físicas? Eu, como consumidor, não acredito. Sobretudo em certos mercados, onde a experiência do consumidor diante do produto físico e do interlocutor são determinantes.

O mercado dos cosméticos é um bom exemplo de como a experiência presencial mostra-se, ainda hoje, indispensável. João Paulo Ferreira, presidente da Natura e CEO da Natura & CO na América Latina, em recente entrevista ao Roda Vida, da TV Cultura, afirmou que a Natura não pretende abrir mão de sua imensa rede de consultoras, e ele deve ter bons motivos para isso. Ferreira não se furtou a citar também a Avon, pertencente agora ao grupo, como pioneira das vendas diretas – quem nunca ouviu a icônica frase “Avon Chama!” – e ainda elaborou um interessante paralelo da atuação de suas consultoras no século XX aos influenciadores digitais contemporâneos.

Tal paralelo me fez pensar no motivo do sucesso de tantos influenciadores digitais e o que as pessoas buscam ao concederem tanto espaço ao que eles têm (ou não têm) a dizer. Talvez a interação, a cumplicidade e a informalidade sejam pontos fortes tanto nesse tipo de comunicação contemporânea quanto na relação que os consultores de porta em porta têm estabelecido com seus clientes por décadas a fio.

Parece-me que o grande desafio do empreendedor hoje está em dosar e combinar todos os recursos disponíveis, presenciais e virtuais, na relação mais estreita com seu público-alvo. Apropriando-me do paralelismo de Ferreira, talvez a chave do sucesso das empresas esteja em alguns atributos da tradicional figura da consultora de cosméticos: fazer-se notada sem banalizar-se, fazer-se próxima sem ser invasiva, fazer-se “de casa” por meio dos valores certos – que hoje, podem ser traduzidos prioritariamente pela consciência da própria cidadania e responsabilidade com a sociedade e o meio ambiente. Afinal de contas, consumir é relacionar-se. Com o produto. A empresa. Os nossos próprios desejos e expectativas.

Um abraço e até a próxima!

 

  Leia também no Cosmetoguia:

 Mundo Digital
 Varejo 4.0
 As expectativas para a indústria da beleza global
 O que esperar da indústria de cosméticos no pós-pandemia